Ave rara na nossa literatura, o mineiro Murilo Rubião faria cem anos neste ano. Escreveu pouco, mas de forma marcante. Seus contos fantásticos, em que coelhos falam naturalmente e mortos se levantam como se nada tivesse acontecido, formam um conjunto único, que se abre a múltiplas interpretações. Para o jornalista e escritor Humberto Werneck, autor de O Desatino da Rapaziada, referência sobre os autores mineiros do século passado, Rubião era sobretudo um sujeito humilde e generoso, a despeito da genialidade: “Botava ovos maravilhosos e não cacarejava jamais”. Imitando o jeito do autor de O Pirotécnico Zacarias, Werneck contou na mesa principal do dia de abertura da Bienal do Livro de Minas, casos saborosos do tempo em que conviveu com o escritor na redação do Suplemento Literário do jornal Minas Gerais, como por exemplo, quando ensinou o jovem pupilo a lidar com doidos. Ou quando saiu por Belo Horizonte distribuindo cópias de seu primeiro livro aos amigos e passantes.
Poeta e professor da UFMG, o carioca Sergio Alcides, por sua vez, ressaltou na mesa que “o assunto principal nos contos de Murilo é o tormento do desejo, a revolta do indivíduo ante a submissão à realidade.” E fez uma curiosa análise das epígrafes bíblicas dos contos como “pistas falsas”. Em vez de explicarem os contos, eram “os contos que acabavam dando um novo significado às epígrafes.” Como se o católico Rubião reescrevesse a Bíblia ao seu modo muito particular.
Tanto Alcides quanto Werneck falaram da obsessão de Murilo em burilar os textos. Ou “murilar”, como brincou Werneck. Um exemplo é o conto “O convidado”, que levou mais de vinte anos para terminar. Falaram também de sua carreira como assessor de Juscelino Kubitschek e do sucesso inesperado de “Zacarias”, publicado em 1974 por indicação do crítico Antonio Cândido. Em um ano o livro vendeu mais de cem mil exemplares. Ainda assim, a conclusão é de que é um escritor a ser redescoberto. Uma nova edição de seus contos está sendo preparada para a ocasião de seu centenário, que ocorre em junho.
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