Há cerca de cinco anos Philip Roth declarou que não iria escrever mais. O anúncio causou comoção, já que se trata de um dos maiores escritores vivos. E agora, em uma conversa com o editor de cultura do jornal sueco Svenska Dagbladet, Daniel Sandstrom, Roth abre mais o jogo. Conta que releu os 31 livros lançados ao longo de sua carreira de 50 anos – e o que achou deles – dá uma boa cutucada nos críticos, e explica porque não faz sentido chamá-lo de misógino e porque decidiu ser escritor, entre outras coisas.
A gente separou alguns trechos.
Sobre a releitura de seus livros:
“Reli para saber se eu tinha perdido meu tempo, a gente nunca sabe. Minha conclusão, depois de terminada a tarefa, ecoa as palavras do meu ídolo do boxe, Joe Louis. Ele foi campeão mundial dos peso-pesados desde quando eu tinha quatro anos até meus 16. Ele nasceu no Sul profundo, era um garoto negro e pobre, sem educação, que mesmo durante seus 12 anos imbatíveis de glória, tendo defendido o título 26 vezes, uma marca impressionante, se manteve alheio à linguagem. Mas quando perguntado sobre sua longa carreira, assim que se aposentou, Joe resumiu tudo com a leveza de apenas dez palavras: ‘Fiz o melhor que pude com o que eu tinha.’”
Sobre o Prêmio Nobel, para o qual é sempre (bem) cotado:
“Às vezes acho que se, ao invés de O Complexo de Portnoy, eu tivesse intitulado meu livro de O orgasmo sob o capitalismo selvagem, eu teria sido agraciado com os favores da Academia Sueca.”
Sobre o porquê de ser escritor:
“ Todo mundo tem um trabalho duro. Todo trabalho real é duro. Aconteceu de meu trabalho ser também impossível de fazer. Por 50 anos, toda manhã eu encarava a próxima página indefeso e despreparado. Escrever era para mim um feito de autopreservação. Se eu não o fizesse, morreria. Então eu fazia. Obstinação, e não talento, foi o que salvou minha vida. Também tive a sorte de não me importar em atingir a felicidade e de não ter nenhuma compaixão por mim mesmo. Agora, por que tal tarefa caiu sobre mim, não faço a menor ideia. Talvez escrever me protegesse de um destino pior.”
Sobre as acusações de misoginia e a crítica:
“ Meus exegetas colocam essa questão como se eu tivesse envenenado mulheres por meio século. Mas só um louco se daria ao trabalho de escrever 31 livros para afirmar tal ódio. É uma sina engraçada ser o escritor que esses exegetas decidiram que eu sou. Eles praticam uma forma comum de controle social: Você não é o que você acha que é. Você é o que nós achamos que é. Você é o que nós escolhemos para você ser. Bem vindos à subjetiva raça humana.”
“Quem quer que procure quais são as opiniões de um escritor nas falas ou pensamentos de seus personagens está procurando no lugar errado. Tentar decifrar as “ideias” de um escritor viola a riqueza de misturas que é a marca central de um romance. O pensamento de um escritor que mais importa é aquele que faz dele um escritor.”
“ Que tipo de escritor eu sou? Sou aquele que eu não finjo ser.”
(tradução: Daniel Benevides, a partir da versão inglesa publicada na revista dominical do The New York Times)
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