“A ONU é um tigre sem dentes”, diz embaixador da Palestina

O Papa e o muro.
O Papa e o muro.

25 de maio. Uma imagem roda o mundo: o Papa Francisco reza em silêncio ao encostar a cabeça no muro de concreto que o governo israelense está construindo ao redor da Cisjordânia. Na estrutura, em tinta vermelha, estava escrito “Palestina Livre” e um grafite em inglês: “Belém parece gueto da Varsóvia”, comparando a condição dos palestinos com a dos judeus sob o regime nazista. O Papa pede o fim de conflito “inaceitável” entre Israel e Palestina durante sua visita oficial ao Oriente Médio. 

Mesmo com apelos de representações importantes e sanções da ONU, a paz parece distante da Faixa de Gaza. Recentemente, dois casos acirraram os ânimos entre Israel e Palestina.

No dia 12 de junho, três jovens israelenses, Eyal Yifrach, de 19 anos, Naftali Fraekel e Gilad Shaar, ambos de 16 anos, desapareceram no dia 12 de junho em um assentamento na Cisjordânia. Os corpos dos três adolescentes foram encontrados 18 dias após o sequestro, gerando comoção nacional.

Então, no dia 1º de julho, um jovem palestino, Mohammed Abu Khder, de 16 anos, foi sequestrado em Shuafat, um bairro de Jerusalém Oriental. Ele foi torturado e queimado vivo. Um vídeo mostrando policiais israelenses espancando um jovem com brutalidade agravou a situação. A vítima era um americano de origem palestina, primo do jovem queimado vivo.

Após os acontecimentos, na última terça-feira (8), Israel começou a desencadear uma nova operação militar na Faixa de Gaza. Na quinta-feira (10), já tinham sido registrados 860 ataques. Militantes do Hamas também lançaram foguetes contra cidades israelenses, grande parte interceptados pelo sistema antimíssil Domo de Ferro. A ofensiva israelense já deixou 100 mortos – entre eles 22 crianças –, mais de 600 feridos e 900 cidadãos presos. O primeiro ministro israelense Benjamin Netanyahu, declarou nesta sexta-feira (11), que nenhuma pressão internacional impedirá seu país de “atacar os terroristas”. 

Frame do vídeo dos primeiros ataques israelenses à Faixa de Gaza divulgado pelo Washington Post.
Frame do vídeo dos primeiros ataques israelenses à Faixa de Gaza divulgado pelo Washington Post.

Neste contexto, entrevistamos com o Embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Mohamed Khalil Alzeben, 61 anos, que está no Brasil desde 2008. Ele destaca a importância da intervenção da Organização das Nações Unidas para que as mortes no país parem: “É importante que eles solicitem aos países amigos que se manifestem sobre a agressão”. Segue.

Brasileiros – Israel está cometendo crimes de guerra com os bombardeios? 

Ibrahim: Sim. Quando dois terços das vítimas são crianças, mulheres e idosos, isso configura um crime de guerra. Quando bombardeiam de uma maneira indiscriminada como estamos vendo em Gaza é um crime de guerra, e isso deve ser levado aos tribunais pertinentes. É passível de punição internacional e nós levamos esse assunto ao Conselho de Segurança da ONU, mas infelizmente os Estados Unidos saíram novamente para proteger a ocupação e as ações agressivas de Israel. O Conselho de Segurança já poderia ter feito algo ontem (quinta-feira, 10) para parar este massacre. Faz dois dias que estamos denunciando isso, porque estamos indo para o quinto dia de massacre contra o povo palestino.

Brasileiros – Com isso, as negociações de paz entre Israel e Palestina voltam a ficar abaladas?

Ibrahim: Lamentavelmente sim, porque Israel não encara esse processo de tentativa de paz com seriedade. O secretário de Estado dos Estados Unidos [John Kerry] esteve onze vezes na Palestina para impulsionar os acordos de paz entre os dois lados, em que se supunha que chegaríamos à paz em nove meses, mas Israel não cumpriu o que havíamos acordado e continuou intensificando a colonização e a agressão aos palestinos. Eles não liberaram, por exemplo, os presos políticos que faziam parte desta negociação. Israel não nos trata com seriedade, porque eles só querem que o território fique livre de palestinos e, em um último caso, que eles tenham os palestinos com mão de obra barata. O que precisamos agora é de uma intervenção internacional que obrigue Israel a cumprir os acordos estabelecidos. Nós estamos cumprindo o que a comunidade internacional tem exigido, mas Israel não.

Brasileiros – Cogita-se, então, pedir algum tipo de ajuda internacional?

Ibrahim: Em primeiro lugar o que estamos exigindo é o fim dessa agressão que está cobrando a vida de pessoas inocentes e destruindo a Faixa de Gaza, que é um território de 375 mil quilômetros quadrados altamente povoado com 1 milhão e 600 mil habitantes. É uma destruição que poderia ser maior se Israel empreendesse a mesma campanha terrestre que teve em 2008, por exemplo. A nossa prioridade agora, portanto, é por fim desta ofensiva militar israelense.

Brasileiros – As autoridades palestinas pretendem pedir um cessar fogo a Israel?

Ibrahim: Estamos pedindo. Esse, aliás, foi o texto que foi discutido ontem (quinta-feira, 10) na reunião da ONU e que foi impedido pela posição dos Estados Unidos.

O presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, pediu hoje ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, a formação de um comitê internacional que investigue todos os crimes cometidos contra a população do país.
O presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, pediu hoje ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, a formação de um comitê internacional que investigue todos os crimes cometidos contra a população do país.

 

Brasileiros – E a recente presença do Papa Francisco na região, no final de maio, ajudou de alguma forma?

Ibrahim: A Sua Santidade, o Papa, realmente está fazendo a sua parte e está tratando de ajudar a por um fim às vítimas desse conflito. Ele visitou a Palestina, Israel, Jordânia, rezou no Muro das Lamentações… Ele recebeu elogios de todos aqueles que amam a paz.

Brasileiros – O secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon, disse que procurou os dois lados para discutir o conflito na reunião de hoje (sexta-feira, 11) na ONU. Quais são as atualizações desta mediação?

Ibrahim: Eu acho que a ONU é um órgão muito importante, mas é um tigre sem dentes. Se ela não implementa o artigo 7 da Carta [das Nações Unidas, que fala sobre agressões entre países], fica apenas uma condenação de palavras. Quando um país ameaça a segurança mundial deve ser implementado o artigo 7. A paz mundial está sendo ameaçada novamente com esta ofensiva de Israel. Eles já estão cometendo crimes contra a humanidade e o Conselho de Segurança deve agir, mas para a ONU fazer isso precisa que os cinco membros permanentes deste Conselho não usem o poder de veto, coisa que os Estados Unidos está fazendo e protegendo Israel nessa ofensiva. 

Brasileiros – Então a reunião de emergência da ONU não deu certo? 

Ibrahim: Não deu certo. Fracassou. Isso não quer dizer que não vamos continuar tentando e pedindo para os EUA utilizarem a sua influência e o seu poderio para acabar com este massacre.

Brasileiros – E o que pode ser feito para cessar os bombardeios?

Ibrahim: Somente os membros do Conselho de Segurança, os grandes países do mundo, encabeçados pelos Estados Unidos, podem forçar o cessar-fogo. Os EUA têm que utilizar a sua influência para exigir que Israel pare. Acreditamos que o Conselho de Segurança poderia se reunir para convencer o Estado americano a não usar novamente o poder de veto.

Brasileiros – Quais são as orientações feitas pelas autoridades aos cidadãos palestinos neste momento?

Ibrahim: Que sigam trabalhando conforme o Conselho de Segurança e no nível dos países amigos que façam pressão. É importante que eles solicitem aos países amigos que se manifestem sobre a agressão. Enquanto a situação, tanto em Gaza quanto na Cisjordânia, seguir aguentando o máximo possível vamos tentar impedir que mais civis morram. Se protejam. É muito difícil. Temos que enfrentar nosso destino. Nós não temos muito o que fazer nessa ofensiva, você não pode fazer nada quando um avião surge para bombardear. Lamentavelmente agora temos mais de 100 mortos e cerca de 600 feridos… Ontem (quinta-feira, 10) de madrugada eu perdi um amigo que era médico em Gaza. Ele foi perseguido e morto, e sabiam que ele era médico. E ele tinha perdido os seus pais na ofensiva de Israel em 2008.

Brasileiros – A Cisjordânia está a salvo desses ataques?

Ibrahim: Estamos sob ocupação militar e intervenção de Israel. Eu acho que a situação na Cisjordânia nunca esteve tão pior, conforme os contatos que eu tenho tido com as pessoas comuns que vivem lá e com autoridades do governo. Os israelenses entram em todas as cidades na hora que querem, perseguem, prendem cidadãos… Hoje, por exemplo, é a segunda sexta-feira do Ramadã, em que o ritual dos muçulmanos é visitar antigos locais da religião deles, e foram impedidos e atacados por Israel. As imagens são claras. A Cisjordânia vive um bloqueio, os colonos atacam os carros que transitam nas ruas, o movimento está praticamente paralisado por causa do medo das represálias. A vida está paralisada na Cisjordânia neste momento.

Brasileiros – E qual é o posicionamento da comunidade internacional? O que deveria ser feito sobre as violações de direitos humanos?

Ibrahim: Eu acho os sequestros e os assassinatos devem ser condenados. Os três meninos israelenses foram assassinados e um rapaz palestino foi queimado vivo. Os autores desses atos devem ser punidos. Mas também não podemos nos esquecer dos crimes que estão sendo cometidos agora. O que está acontecendo agora são crimes de guerra. Não deixam de ser abomináveis assim como foram também o assassinato dos três jovens israelenses e do menino palestino. O que está acontecendo em Gaza é a destruição total de uma sociedade. Nós somos solidários com as famílias das vítimas dos dois lados, mas também queremos que os autores do que está sendo feito agora também sejam levados aos tribunais.

Brasileiros – E qual é a posição do Brasil? 

Ibrahim: Sim, estamos em contato com o Brasil. Até agora tivemos o apoio solidário por parte da sociedade civil e eu acredito que o governo brasileiro vai se pronunciar sobre o assunto. A posição brasileira sempre foi clara e contundente contra a agressão, a violência e a favor da paz e das negociações.


Comentários

4 respostas para ““A ONU é um tigre sem dentes”, diz embaixador da Palestina”

  1. Não sou a favor da guerra,mas os próprios palestinos colocam os seus civis como escudo humanos,sem se preocupar com isso,só para acusar Israel de crime de guerra , sei que não é fácil viver uma guerra ,mas todos chefe de estado tem que cuidar em primeiro lugar em proteger os seu civis, coisa que os palestino não estão fazendo ao contrário, e a ONU tem que tomar as redias e acabar com esses conflitos onde quem mais sofre ´são os civis

  2. Avatar de Alex Machado
    Alex Machado

    Se tivéssemos alguém de pulso firme na Presidência do Brasil, cortaria as relações diplomáticas e comerciais com Israel agora e forçaria os aliados da América do Sul a fazer o mesmo.

  3. Sou totalmente contra GUERRA! Até que em fim leio uma notícia que de fato que nos faça conhecer a posição da Palestina. Parabéns pela iniciativa! A grande mídia faz com a Palestina o que fazem com o governo do PT.Para eles se trata de terrorismo e no entanto se trata de uma agressão desmedida para expansão territorial!

    1. Avatar de Bernardete Baronti
      Bernardete Baronti

      Concordo com as palavras de Gutierres. A grande mídia sionista/imperialista mostra o Povo Palestino como sendo “terroristas”. Infelizmente, muitos passam a acreditar porque pensam que o que escutam é a verdade. Na verdade, o Povo Palestino tem vivido uma catástrofe desde a criação do Estado Sionista de Israel em 1948.

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