Ação de Serra contra Venezuela é midiática, diz especialista

José Serra visita o presidente da Argentina, Mauricio Macri, que se ofereceu para presidir o Mercosul - Foto: Embaixada do Brasil em Buenos Aires / MRE
José Serra visita Mauricio Macri, que se ofereceu para presidir o Mercosul – Foto: Embaixada do Brasil / MRE

Para Maria Antonieta Del Tedesco Lins, professora associada do Instituto de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo), a ofensiva do chanceler interino José Serra (PSDB) para impedir que a Venezuela assuma a presidência do Mercosul tem como principal objetivo impedir a aplicação da cláusula democrática do bloco ao próprio Brasil.

A cláusula foi aplicada em 2012, quando o Paraguai foi suspenso temporariamente do bloco por causa do processo de impeachment contra o então presidente Fernando Lugo. Isso poderia se repetir agora, por iniciativa do presidente Nicolás Maduro. Como observa Lins, a imprensa internacional tem clareza de que o processo de impeachment não ocorreu perfeitamente dentro das normas legais, e por isso contesta a legitimidade do governo de Michel Temer: “Esse é um ponto muito importante a ser levado em conta”.

Hoje o Paraguai pede a aplicação da cláusula democrática contra a Venezuela. Na opinião de Lins, existem de fato problemas com a democracia na Venezuela: “Eu preferiria que a Venezuela não tivesse entrado no Mercosul, pois ela não é um país totalmente democrático. Mas, uma vez que já está no Mercosul, esse problema não deve ser colocado de uma forma midiática”.

De acordo com a professora, a iniciativa de Serra, de barrar a passagem da presidência do bloco, ocorreu inteiramente fora do arcabouço institucional do Mercosul: “A discussão acerca da ausência de democracia na Venezuela é legítima, mas precisa ocorrer dentro dos marcos institucionais do Mercosul, e não fora deles. Isso precisaria ser colocado por meio de um documento oficial, seguindo os caminhos institucionais do bloco, e não por meio de um gesto midiático, fora de uma reunião agendada. Isto não está previsto. Por que Fernando Henrique Cardoso viajou juntamente com ele? Isso não faz sentido”. 

Ela explica que os impasses no Mercosul começaram no final dos anos 90, com as crises monetárias no Brasil (em 1999) e na Argentina (em 2001). Mas, apesar de todos os problemas, o bloco continuou tendo um grande fluxo de comércio e se manteve  como uma iniciativa política importante nos governos do PT: “Havia vários pontos que iam muito além da questão comercial. Existia uma agenda que, mesmo não tendo sido totalmente implementada, previa uma solidariedade regional, uma união de forças”.

Ela destaca que, apesar das afirmações de que o bloco acabou, “o Mercosul continua funcionando para o setor privado. O Mercosul continua existindo, a despeito dos impasses políticos e de todos os obstáculos. O ideal seria que ele avançasse, mas ele nunca deixou de funcionar para as empresas dos países membros”.  O problema é que esses impasses transformaram o bloco em algo difícil de entender.  

“O discurso do governo interino de Michel Temer é dizer que eles vão fazer uma outra política externa, que eles vão abandonar a política Sul-Sul do governo Lula e vão negociar mais com os países ricos, vão fazer outras alianças. Mas faz sentido jogar o Mercosul no lixo?”

Lins observa que a união aduaneira do Mercosul começou a desmoronar quando Serra anunciou a necessidade de “flexibilizar” o bloco para permitir que cada um de seus integrantes feche acordos bilaterais com outras nações. Com isso, o Mercosul tende a regredir a uma zona de livre comércio.

Uma das razões que teriam levado o governo Temer a tentar barrar a passagem da presidência do Mercosul para a Venezuela teria sido o receio de que o governo de Nicolás Maduro poderia emperrar a assinatura de um acordo do Mercosul com a União Europeia, que está sendo negociado há 16 anos.

O problema é que o principal fiador do acordo era justamente o Reino Unido, que decidiu, em plebiscito, deixar a União Europeia. “Eu acho que o Brasil perde um aliado nessa negociação com a União Europeia, mas era um aliado que sempre jogava contra a própria União Europeia”, esclarece Lins. “As implicações da saída do Reino Unido da União Europeia são negativas, mas é preciso lembrar que o Reino Unido sempre puxou todas as negociações para trás. Ele sempre ia contra a União Europeia, procurando diminuir a proteção aos produtores agrícolas do continente. O Reino Unido sempre olhou mais para seu próprios interesses do que para os interesses do bloco. Nunca aceitou a moeda comum e sempre freou os avanços da integração europeia, bloqueando os esforços para alcançar uma união política”.

Segundo a professora da USP, “o Reino Unido recebeu todos os benefícios possíveis, mas ofereceu em troca um mínimo  de concessões. Eles conseguiram ficar fora do euro, mas podiam negociar títulos denominados em euros”. Para ela, “a decisão de sair foi um tiro no pé, pois a economia britânica é deficitária”. A União Europeia, por sua vez, não vai acabar, mas terá de ser repensada.

Quais são as perspectivas do Mercosul? “A trajetória do Mercosul dependerá dos governos que estarão no poder. Se esse governo interino permanecer no poder até 2018, e com o Mauricio Macri na Argentina, existe a possibilidade de que o Mercosul deixe de ser uma prioridade para a região. Não acho que ele está totalmente morto, mas não deve ter avanços daqui para a frente. Deve haver uma rediscussão de todos os processos de integração”. Para a economista, todos esses projetos de integração regional terão de ser necessariamente repensados em razão da crise pela qual passa a União Europeia.


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