Democracia francesa está doente e silencia a voz da maioria

Primeiro ministro francês usou artigo 49-3 da Constituição para aprovar texto de lei contestado pela maioria da população. Foto: Divulgação/ LEWIS JOLY/SIPA/ L'Obs
Primeiro ministro francês usou o artigo 49-3 da Constituição para aprovar um texto de lei contestado pela maioria da população. Foto: Reprodução/ LEWIS JOLY/Twitter/ L’Obs

Na última terça-feira (10), uma sessão extraordinária do Conselho de Ministros do governo da França permitiu a adoção “forçada” de um projeto de lei trabalhista que prevê o aumento da jornada e maior liberdade às empresas para demissões.

O projeto foi aprovado sem a votação do texto no Parlamento e mandado diretamente ao Senado, ato legitimado pelo artigo 49-3 da Constituição francesa.

Quando o texto foi apresentado pela ministra do trabalho, Myriam El Khomri, em março deste ano, as reações foram imediatas e multidões saíram às ruas para protestar. De acordo com levantamento feito pelo canal televisivo BFMTV em maio, 74% dos franceses se opuseram à lei trabalhista e 48% queriam que fosse retirada na sua íntegra.

Para justificar o projeto de lei, o governo defende a diminuição do desemprego facilitando as contratações, porém precarizando vínculos empregatícios. Para o premiê Manuel Valls “a reforma precisa ser feita” e “o país deve avançar”. Na França a proteção do emprego é assegurada pelo contrato de duração indeterminada (CDI), formato raro, pois os empresários preferem a a alternativa a ele, duração determinada (CDD), sem benefícios ou garantias trabalhistas. Com o projeto de lei, o governo disse querer flexibilizar a legislação do trabalho para que o CDI não assuste mais os empresários.

Ao longo desses meses de tensão, cresceram os protestos em defesa de uma única bandeira: a retirada do texto de lei, já que as negociações entre os sindicatos e o governo não deram em nada. O movimento das “Nuits debout” ou “Noites em pé” encarna o símbolo da luta. Com sede na Praça da República, centro de Paris, manifestantes organizaram, desde março passado, vigílias noturnas em praças públicas das grandes cidades francesas.  

O movimento “Nuits debouts” chamou a ação do premiê de “negação da democracia”. Em comunicado, organizadores lembraram o artigo da Declaração dos Direitos do Homem de 1789 que diz que “ a lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos tem o direito de participar pessoalmente ou em via dos representantes a sua formação”. Com o artigo 49-3, Valls cortou o debate parlamentar.

Outro levantamento feito pela BFMTV revelou que 75% dos franceses são contra o uso do artigo 49-3, que permite a aceleração da aprovação de projeto de lei sem a votação do Parlamento, já utilizado pela quarta vez pelo primeiro ministro Manuel Valls desde que assumiu o cargo. Deputados de esquerda e de direita entraram com recursos para impedir a aprovação da lei, mas não conseguiram o número necessário de assinaturas.

Em 2006, o atual presidente da França, François Hollande, então primeiro secretário do partido socialista, chamava o artigo 49-3 de “brutalidade”, “negação da democracia” e “uma maneira de frear ou impedir o debate parlamentar”.

A lei ainda precisa ser aprovada pelo Senado em junho, antes de voltar para o Parlamento para uma votação final.


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