Pablo Ortellado: “Crise de representatividade atravessa todas as instituições”

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Uma crise relativamente antiga que se aprofundou nos últimos anos a um nível sem precedentes.  O governo interino de Michel Temer inicia a gestão do Brasil em um momento conturbado de desconfiança nas instituições, nos políticos e em seus partidos.

É a análise do professor de Ciência Política da USP Pablo Ortellado em entrevista à Brasileiros. As razões são muitas e atingem diversas instituições. “Acho que alguns meios trocaram há muito tempo o jornalismo pela ação política, estão utilizando essa janela de oportunidades para atender seus interesses.”

 O principal agora é a ascensão de novas correntes de direita, que têm em Jair Bolsonaro um de seus ídolos. “Ele está encostando perigosamente nos 10% de intenção de voto, ele é o primeiro mais votado entre os mais ricos.”

O PMDB, que após mais de 20 anos na coxia dos governos do PSDB e do PT, sobe ao palco como protagonista pela primeira vez, e a esquerda passa a exercer um novo e complicado papel, o de oposição. O PT precisa aprender a receber as reivindicações de movimentos sociais que não estão em sua base.

Leia entrevista completa:

Revista Brasileiros – O senhor acredita que vivemos uma crise institucional?

Pablo Ortellado – A crise de representatividade atravessa as instituições representativas, o Executivo e o Legislativo. Uma crise relativamente antiga que se aprofundou muito nos últimos anos. O nível de confiança nas instituições, nos políticos e nos partidos brasileiros está muito baixo, um nível baixo sem precedentes. A gente tem um processo de politização na tentativa de aproveitar a brecha aberta pela crise de legitimidade para substituir quem está no poder.

A mídia exerce papel importante nessa crise?

Eu acho que os meios de comunicação não são a causa, acho que alguns meios trocaram há muito tempo o jornalismo pela ação política, estão utilizando essa janela de oportunidades para atender seus interesses políticos de fazer avançar uma agenda liberal no Brasil. Os casos mais claros são a revista Veja e o jornalismo da TV Globo.

O senhor acredita que existe um golpe em curso?

Eu não gosto muito da expressão golpe porque eu acho que ela torna “mais preto e branco coisas que são mais cinzas”. Acho que aconteceu um jogo sujo de trapaça institucional. Qual é o grande problema do processo de impeachment? É a caracterização, as pedaladas fiscais são obviamente um motivo irrelevante para um processo de impeachment. Ninguém acha que uma manobra contábil, por mais grave que ela tenha sido, é motivo para revogar mandato de um presidente da República, e não é por isso que houve o processo de impeachment. Ele veio de uma enorme perda de popularidade casada com essa oportunidade política de nossa lei do impeachment, que permite que uma coisa trivial seja usada como pretexto, como um processo de impedimento, casado com a enorme revolta popular pelo escândalo da Lava jato. Existe uma espécie de trapaça no sentido de que a maior parte da população brasileira acha que o impeachment diz respeito ao envolvimento dela na corrupção da Petrobras, o que obviamente não é verdade. Isso gerou uma guerra aberta institucional, na qual se usa qualquer artimanha regimental para se forçar qualquer coisa. É um jogo sujo, aberto e franco que a gente tem vivido nos últimos anos. O que aconteceu com o Waldir Maranhão foi uma tentativa de entrar nesse jogo sujo. Obviamente que em circunstâncias normais, revogar uma votação de impeachment  com base no não comprimento das ordens ou formalidades menores seria completamente absurdo, mas foi tão absurdo todo processo que passa a ser do jogo.

Como os movimentos sociais devem reagir caso ocorra o impeachment?

Eu acho que setores dos movimentos sociais que são historicamente ligados ou próximos ao PT, que estão na luta política para evitar a destituição da presidenta e a narrativa o golpe tornam a situação muito urgente e geram muita mobilização. Tem outros setores preocupados com outras coisas. Grande parte do Movimento Secundarista anda mais preocupada com suas próprias reivindicações, suas questões políticas. Essa diferença de abordagem tem um pouco a ver com a importância dos partidos políticos.

É necessária uma rearticulação da esquerda?

O PT, a não ser que o PSOL resolva sair da posição de oposição parlamentar para assumir mais responsabilidades políticas e assumir mais compromissos políticos, o que é improvável, vai permanecer como a grande alternativa eleitoral para a esquerda no País e tem que passar por um processo de cura. Ele, por exemplo, não fez a alto critica necessária no envolvimento da corrupção da Petrobras. Fizeram declarações protocolares. Mas um escândalo dessa magnitude que aconteceu dentro de uma administração petista não foi enfrentado de uma maneira adequada. Em geral, o argumento de quem está no poder, de uma alternativa eleitoral de esquerda, é de que para fazer conquistas é preciso fazer compromissos e que não se avança com a mesma velocidade do que as pessoas que estão fora da situação de poder acreditam. Acontece é que no ultimo mandato houve praticamente regressão, eu acho que essa é também uma avaliação que precisa ser feita para o PT, depois dessa crise profunda se reestabelecer como alternativa eleitoral de esquerda. Paralelamente, o que a gente está vendo é o surgimento e a consolidação de novos movimentos sociais que estão descolados do PT e que vão precisar aprender a colaborar de maneira separada. O PT precisa aprender a receber reivindicações desses movimentos que não estão na sua base, que não são controlados por ele, e os movimentos precisam aprender que é necessário um locutor institucional para fazer avançar suas demandas. Acho um grande desafio para a esquerda. Um arranjo que será construído nessa próxima etapa

O senhor acredita na formação de uma frente de esquerda?

Eu acho que é uma tentativa de reconectar o PT com a base social onde se distanciou um pouco na luta institucional. Acho que isso faz parte do processo de cura e autocritica no momento em que o PT vai voltar a ser oposição no país. Além disso, acho que o desafio é conectar as forças sociais que estão desconectadas deles, como o MBL, os secundaristas e o novo feminismo, todos esses novos movimentos sociais, as agendas novas que o PT precisa saber estudar e incorporar de maneira diferente da qual ele lida com o MST,o movimento sindical.

Esse impeachment vai ser um desgaste muito profundo para a esquerda. Vai forçar o PT a fazer uma rearticulação, essa reflexão, essa mudança que é tão necessária. Ele precisa entender por que que ele se corrompeu, por que ele virou uma alternativa eleitoral que consegue fazer poucos avanços. Enquanto ele não fizer essa reflexão, ele não vai se recolocar no cenário eleitoral que está disputando.

Como o senhor vê os próximos passos do País?

Essa situação só vai se resolver quando a crise política passar. Essa crise política é fruto da crise de legitimidade, de um escândalo de corrupção gigante, uma crise econômica e uma perda de popularidade da presidenta. Tudo isso gerou uma situação de enorme vulnerabilidade na qual as forças políticas estão tentando por todos os meios e condições para derrubar o PT. Esse conjunto de estratégias gera uma insegurança muito grande. Até porque o PT não é Collor, é um partido que está enraizado na sociedade brasileira, controla os sindicatos, movimentos sociais importantes, ong´s, pessoas importantes no judiciário, nas administrações públicas. Tudo isso gera uma instabilidade institucional enorme. A gente precisa superar isso com alguma solução. Uma delas é o impedimento da Dilma, que provavelmente vai tornar a crise um pouco menor. Ou então talvez  a presidenta Dilma consiga reverter isso e aumentar sua popularidade. Alguma dessas3 saídas pode tornar a crise menos aguda, embora eu acredite que a gente  vai voltar para uma situação de normalidade, porque qualquer um desses desfechos vai ser considerado tão absurdo pelo outro lado que um dos lados não vai entregar o jogo. Se a presidenta for destituída, o PT vai voltar a plena atividade, vai ser uma oposição incômoda, os movimentos sociais vão fazer forte pressão para desestabilizar o governo Temer e vice-versa. Eu não consigo ver a gente passar por essa crise, talvez em 2018

Novas eleições podem ser consideradas uma solução?

É uma saída de tentar resolver a crise. Tem pontos positivos e pontos negativos. O ponto positivo é que, no meio da crise de legitimidade, daria para zerar o jogo e tentar reconstruir o governo federal a partir do zero. Por outro lado, tem um enorme risco em um momento de crise aparecer um aventureiro, alguém que vem de fora do estado de bem político com promessas perigosas. Nosso principal risco hoje em dia é Jair Bolsonaro. Ele está encostando perigosamente nos 10% de intenção de voto, ele é o primeiro mais votado entre os mais ricos. 


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