Saques, perseguições e medo tomam as ruas da Turquia após tentativa de golpe

Evento no Centro Cultural Brasil Turquia - Foto: Brasileiros
Evento no Centro Cultural Brasil -Turquia – Foto: Brasileiros

A tentativa frustrada de golpe na Turquia pode ter sido o pretexto ideal para que o presidente Recep Erdogan acabe de vez com qualquer oposição feita a ele. É o que defendem membros do movimento Hizmet, do líder religioso Fethullan Gulen, inimigo autoexilado de Erdogan, acusado pelo próprio presidente de ser o articulador do movimento golpista. Gulen, antigo aliado e atual opositor ao governo turco, nega qualquer participação e condena a ação militar que deixou quase 300 mortos na última sexta-feira (15).

Correspondente do portal Voz da Turquia no Brasil, o jornalista turco Kamil Ergin descreve um cenário de horror, no qual críticos ao governo estariam sofrendo perseguições nas ruas. Ergin foi um dos participantes de uma coletiva de imprensa organizada nesta quinta-feira (21) pelo Centro Cultural Brasil-Turquia, instituição ligada ao movimento Hizmet. 

Segundo seus cálculos, 58 mil pessoas foram presas ou afastadas desde a tentativa do golpe, incluindo reitores de universidades, professores, policiais, clérigos e membros do judiciário. A revista britânica The Economist, que traz na capa uma reportagem sobre os riscos à democracia turca, calcula 60 mil afetados. O jornalista estima que até o fim do estado de exceção – decretado na quarta (20) e previsto para durar três meses – cerca de 2 milhões de pessoas serão afetadas pela “caça às bruxas” . 

Ergin conta também que a população turca recebe mensagens diárias em nome do governo para sair às ruas e defendê-lo. Além disso, prefeitos teriam divulgado listas de estabelecimentos comerciais que pertencem a membros do movimento Hizmet. Os locais posteriormente foram vítimas de saques e depredação. Uma grande faixa estaria estendida numa das principais praças de Istambul, há três dias, pedindo a morte de opositores ao governo. “Nas redes sociais eu perdi vários seguidores por ser crítico ao governo. Tenho medo de ligar para meus familiares e fazer com que eles sejam considerados suspeitos e perseguidos também”, diz o jornalista.

Assista abaixo a uma livraria sendo depredada:

O presidente do Centro Cultural Brasil-Turquia, Mustafa Goktepe, acredita que todas as violações de direitos humanos serão legitimadas com o estado de exceção. Para ele, a situação caminha para o extermínio do movimento Hizmet na Turquia. “A perseguição não é só ao movimento Hizmet, mas a toda a oposição. E é declarada, oficial, o governo nos chama de “estado paralelo.”

Segundo Ergin, as medidas repressivas de Erdogan podem inclusive gerar uma nova onda de imigração: “O governo agora está falando em voltar com a pena de morte e liberar armas para civis. Ele terá uma população armada nas ruas para defendê-lo”. De acordo com o jornalista, o último jornal independente na Turquia foi fechado nessa quarta-feira: “Não há mais uma fonte confiável de informação”. Goktepe concorda e diz que não há liberdade de imprensa na Turquia. “A mídia turca é a favor do governo ou neutra. Os críticos foram todos fechados”, diz ele.

Para Peter Demant, professor da Universidade de São Paulo e especialista em Relações Internacionais, Erdogan pretende transformar a Turquia em uma grande potência regional do Oriente Médio. Ainda assim, o país teria fortes relações com a Europa e os Estados Unidos, o que o tornaria vulnerável a pressões externas. “Não acho que Erdogan queira implementar uma ditadura completa, mas esse desfecho é terrível para a democracia turca. Por outro lado, se o golpe tivesse acontecido, teria uma guerra civil no país. Qualquer um dos desfechos seria ruim para a Turquia.”


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