Uma política cambial mais ativa

Desindustrialização:  A política cambial adotada no Brasil facilitou as importações e desmantelou diversas cadeias produtivas internas
Desindustrialização: A política cambial adotada no Brasil facilitou as importações e desmantelou diversas cadeias produtivas internas

A taxa de câmbio sempre foi uma variável crucial para o desenvolvimento econômico do Brasil. Basta lembrar que a industrialização do País decolou durante o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-145), época marcada por forte depreciação cambial, como explicou Celso Furtado em seu clássico Formação Econômica do Brasil. E, não por acaso, as altas taxas de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) alcançadas durante o chamado “milagre brasileiro” devem muito à política de minidesvalorizações cambiais adotada pela ditadura militar (1964-1985).

Toda essa estratégia desenvolvimentista, contudo, começou a ser revertida na década de 1990 pelos governos de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso. A apreciação do câmbio, que se acentuou a partir do Plano Real (1994), provocou um processo generalizado de desindustrialização: a participação da indústria de transformação no PIB despencou de 32,4%, em 1989, para apenas 13,1%, em 2013. Em consequência disso, a economia nacional acabou refluindo para a produção de bens pouco sofisticados. Os produtos básicos, que representavam 22,9% da pauta de exportações em 1995, atingiram 48,9% já em 2011.

Esse, contudo, não é o único prejuízo que uma taxa de câmbio inadequada pode acarretar para o País: os movimentos especulativos envolvendo a cotação da moeda também têm deixado algumas baixas no setor produtivo. Em 2008, a desvalorização abrupta do real levou a Sadia a registrar um prejuízo de R$ 2,48 bilhões. Fragilizada, a empresa teve de se fundir com a Perdigão no ano seguinte. A Aracruz Celulose, por sua vez, sofreu um prejuízo líquido de R$ 4,4 bilhões, o que motivou sua incorporação pela Votorantim, em 2009.

As coisas não precisam ser assim. Como explica o economista Pedro Rossi, “não há nenhuma lei econômica que imponha à moeda brasileira o respeito diário aos movimentos da liquidez global, nem a reagir instantaneamente às transitórias expectativas dos agentes financeiros”. Na realidade, todo “esse padrão de flutuação cambial é uma opção política que decorre de uma institucionalidade politicamente construída e de um determinado modelo de atuação da política cambial que pode (e deve) ser aprimorado”.

Taxa de Câmbio e Política Cambial no Brasil. Pedro Rossi. FGV Editora,176 páginas
Taxa de Câmbio e Política Cambial no Brasil. Pedro Rossi. FGV Editora,176 páginas
Em seu livro Taxa de Câmbio e Política Cambial no Brasil, recém-lançado pela FGV Editora, Rossi desmonta vários mitos sobre o tema e sinaliza os caminhos para alcançar “uma taxa de câmbio mais adequada ao desenvolvimento econômico, que permita a passagem para outro padrão de flutuação cambial, menos volátil e mais apropriado às necessidades do parque produtivo brasileiro”. A obra é muito clara e bem estruturada. Rossi expõe inicialmente as relações da taxa de câmbio com os preços internos, os salários reais e a estrutura produtiva. A seguir, examina as teorias sobre o câmbio, o sistema monetário internacional e os ciclos de liquidez e, por fim, explica o funcionamento do mercado de câmbio no Brasil e a política cambial implementada pelo Banco Central.

Professor do Departamento de Economia da Unicamp, Rossi explica que nos últimos 20 anos a elevada taxa de juros adotada no Brasil e a permeabilidade da economia nacional à especulação financeira estimularam fortemente a entrada de capitais externos, que modificaram completamente a paisagem econômica nacional. “O câmbio funcionou como um ‘choque de competição’. Uma grande parte dos setores industriais não resistiu, e os setores que resistiram se tornaram ocos por dentro, importando cada vez mais peças e componentes”, observa Rossi: “O longo período de câmbio valorizado no Brasil transformou o industrial brasileiro em importador”.

Segundo o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira, o Brasil é vítima da chamada “doença holandesa”. Ela foi identificada na Holanda, durante a década de 1960, quando os economistas perceberam que o ingresso de divisas provocado pela descoberta do gás natural provocou uma apreciação da taxa de câmbio que ameaçava destruir toda a sua indústria. O fenômeno, contudo, é muito mais antigo: os economistas espanhóis na era colonial perceberam claramente que a descoberta do ouro e da prata na América praticamente liquidou com as manufaturas na Espanha. A maldição dos recursos naturais afeta boa parte das nações latino-americanas.

A doença holandesa define um ciclo de variações cambiais bastante comum: se o Banco Central permanece omisso, a moeda nacional tende a se valorizar em razão das altas taxas de juros, o que provoca um déficit crescente em conta corrente, até que uma crise no balanço de pagamentos acarreta uma desvalorização abrupta e violenta. Os economistas neoliberais criticam a adoção de medidas para combater essa apreciação, mas com isso jogam o País num “populismo cambial”. A classe média abastada defende ferrenhamente essa política, porque os juros altos aumentam a rentabilidade de suas aplicações financeiras e fundos de previdência privada, enquanto o dólar baixo viabiliza suas viagens internacionais. Não é por acaso que essa classe média se revoltou contra o governo Dilma Rousseff quando a Selic foi reduzida a 7,25% ao ano e o Banco Central adotou medidas para conter a apreciação do real.

Como explica Rossi, “até 2011 a política cambial se restringiu à regulação dos fluxos de capital e às intervenções nos mercados à vista e de derivativos, com os swaps reversos e tradicionais”. Em janeiro daquele ano, contudo, o BC passou a atuar sobre “a estrutura regulatória do mercado interbancário” e começou a limitar as operações especulativas. “Essa regulação teve efeito direto sobre o circuito especulação-arbitragem, uma vez que aumentou o custo de captação dos bancos pelas linhas interbancárias e modificou a formação do preço do dólar futuro, aumentando o cupom cambial e onerando também a especulação no mercado futuro.”

Essas medidas foram reforçadas pelo aumento da alíquota do IOF sobre as captações externas, em março, e pela Medida Provisória 539, que regulou o mercado de derivativos. Essa estratégia conseguiu conter os movimentos especulativos: no segundo semestre de 2012, a taxa de câmbio em relação ao dólar flutuou no intervalo de R$ 2 a R$ 2,05, o que representou sua menor volatilidade desde 1999. Infelizmente, quando o mercado iniciou um ciclo de especulação na direção inversa, no sentido da depreciação do real, o BC desmontou o seu aparato regulatório, o que nos conduziu à situação atual.

De acordo com Rossi, “naquele tempo havia uma vontade política de não deixar a taxa de câmbio se apreciar, mas essa vontade política se dissipou. No mercado financeiro, há uma forte rejeição à ideia de se usar a taxa de câmbio como instrumento de desenvolvimento, assim como à própria ideia de industrialização”. Essa curta experiência, porém, demonstrou que o governo tem condições de regular o mercado e “neutralizar o efeito da especulação sobre a taxa de câmbio, que poderá flutuar mais próxima aos fundamentos, sem distorções financeiras”.


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