Aliança entre PMDB e PSDB não tem futuro, diz cientista político

Geraldo Alckmin, José Serra, Fernando Henrique e Aécio Neves - Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Geraldo Alckmin, José Serra, Fernando Henrique e Aécio Neves – Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Autor dos livos Classe Média e Sistema Político no Brasil (1975) e A Formação do Estado Burguês no Brasil (1985), o cientista político Décio Saes sustenta que a aliança PMDB-PSDB não tem futuro: não há condições políticas para viabilizar as propostas neoliberais dos  tucanos. A única opção do governo é manter a estratégia de desenvolvimento moderado adotada na gestão Lula (2003-2010). Michel Temer pode até utilizar a retórica neoliberal para garantir o apoio do bloco PSDB-DEM até a votação do impeachment, mas o Planalto não vai de fato colocá-la em prática. Tanto é assim que já vetou a abertura de até 100% do capital das empresas aéreas ao capital estrangeiro.

Ex-professor titular da USP e da Unicamp, e hoje na Universidade Metodista de São Paulo, Saes argumenta que “em um primeiro momento Temer lançou algumas propostas de medidas reacionárias, mas que não têm nenhuma chance de passar no Parlamento, porque os peemedebistas e seus aliados, em sua maioria, têm medo de não conseguir a reeleição em 2018”. No início deste mês a Câmara rejeitou até mesmo um pedido de urgência para o projeto que alongaria a dívida dos Estados com a União.

“Todas essas medidas anunciadas tendem a fracassar”, diz Saes: “Qual é o maior inimigo da proposta de idade mínima para a aposentadoria? É a Força Sindical do Paulinho, que apoiou o impeachment, um sindicalista de direita”. A mesma coisa aconteceu com a tentativa de abrir radicalmente o País ao capital estrangeiro: “O presidente da Gol deu uma entrevista dizendo que não aceita a abertura total do setor em hipótese nenhuma”. O Senado exigiu mudanças no projeto, e Temer vetou o dispositivo aprovado: “O presidente lançou todo aquele pacote, mas depois não fez nada para implementá-lo”.

De acordo com Saes, “não existe uma crise de hegemonia no País. Não concordo com a ideia de que a burguesia interna se afastou do governo. As pessoas dizem que a burguesia se descolou do governo, mas que críticas os bancos fizeram ao governo Dilma? Nenhuma. Que críticas o agronegócio fez ao governo? A Kátia Abreu permanece ao lado de Dilma até hoje. O que há é que a burguesia interna se retraiu: ela achou que não deveria se envolver em uma crise governamental. Ela só ficou assistindo da camarote. E eles sabiam que, se houvesse um impeachment, assumiria o PMDB”.

O que provocou essa crise? Dois fatores. O primeiro deles foi a reação do PSDB à derrota de 2014: “Depois de perderem quatro eleições consecutivas, os tucanos viram que o PT, exercendo o presidencialismo de coalizão, poderia ficar 40 anos no poder, como ficou o Partido Radical na França, ou mais de 40 anos, como aconteceu no México com o Partido Revolucionário Institucional. Quando ele venceu sua quarta eleição, o PSDB e as frações de classe associadas ao partido perceberam que iria se instalar no Brasil um sistema de partido dominante baseado numa proposta de centro-esquerda. O PT tinha descoberto a pólvora: uma política de desenvolvimento moderado, que contempla a burguesia, e uma política de distribuição de renda, que contempla as massas populares”.

Para o PSDB, “a única saída era tentar reverter essa situação por meios escusos, mas aparentemente constitucionais, e entrou na estratégia do impeachment. Mas o PSDB precisava contar com aliados para conseguir isso. Uma grande parte do aparelho de Estado tende a se aproximar do PSDB porque este partido representa ideologicamente a classe média antipetista. A massa de advogados, promotores e juízes tem de fato um compromisso ideológico com o PSDB. Aí começou a mobilização para a derrubada. Há de fato um envolvimento do Ministério Público, da Polícia Federal, do Supremo”.

O segundo fator que desencadeou o impeachment surgiu quando “Dilma tentou violar as regras do jogo do presidencialismo de coalizão”, diminuindo o espaço do PMDB no governo: “Dilma não tem a flexibilidade do Lula. Ela quis abafar o espaço do PMDB e lançou um candidato à presidência da Câmara. Resultado: o PMDB deu um passo atrás. A crise se deveu, de um lado, ao temor da oposição tucana de que se instaurasse definitivamente um sistema de partido dominante centrado no PT e, de outro, na decisão do governo petista de aumentar seu espaço em detrimento do espaço do PMDB, que era o partido majoritário. Isso foi um verdadeiro suicídio. O governo petista colaborou para que a crise se ampliasse. Houve amadorismo político da Dilma”.

Com o afastamento de Dilma, o PSDB voltou ao governo, mas numa posição acessória: “A entrada do PSDB no governo tem a cara de uma manobra política para aplacar um setor que foi muito importante na agitação do impeachment. Mas acho que a presença dessas pessoas no governo não é duradoura. Elas não vão ficar muito tempo devido à inviabilidade das políticas que defendem. Não vão passar no Congresso. Veja o caso do José Serra. Ele começou com essa política de relações prioritárias com Estados Unidos, que não querem comprar nada do Brasil, e se aproximou do Mauricio Macri, que é um hiperliberal. O que aconteceu? Hoje a fronteira com a Argentina está bloqueada, não entra mais nada lá. E esse era o maior aliado do Serra. A gestão que o Serra propôs no Itamaraty é puramente ideológica, não tem o mínimo de pragmatismo comercial”.

“Toda a política que Temer anunciou parece um produto de marketing para legitimar o processo de impeachment para iludir os neoliberais. Só que os peemedebistas não vão fazer nada disso. Então vamos para a questão histórica de fundo: a única política viável no Brasil é a política de centro-esquerda que contempla os interesses da burguesia interna e os interesses de curtíssimo prazo das massas populares. Não existe alternativa. É por isso que tende a se instaurar um sistema de partido dominante no Brasil centrado num partido de centro-esquerda. É por isso que o PSDB é um partido inviável”.

“Vamos privatizar tudo? Ninguém vai aparecer aqui para comprar. Quantas vezes não fizeram licitações para portos e aeroportos e não apareceu capital estrangeiro nenhum? Os jornais diziam que as condições não eram suficientemente flexíveis. Não era nada disso. O capital estrangeiro percebeu que aqui não existe infraestrutura para fazer grandes investimentos. A China pretendia instalar uma grande fábrica de carros elétricos em Minas. Quando o grupo chinês foi analisar a cidade, percebeu que não havia condições mínimas para instalar a fábrica lá. Desistiu. Aqui eles não conseguem fazer nem os Jogos Olímpicos. O pessoal está saindo do alojamento e indo para o hotel.” 

A única estratégia possível, segundo o cientista político, é a do desenvolvimento capitalista moderado, com poucas mudanças. O empresariado brasileiro não ajuda muito, porque tem receio de investir em novos setores: “O Carlos Lessa [que presidiu o BNDES de 2003 a 2004] disse que chamou várias vezes o Antônio Ermírio de Moraes, quando ele estava vivo, e falou: ‘Você não quer sair do cimento e passar para a informática, telecomunicações, novas tecnologias’. O Ermírio respondia: ‘Eu não saio do cimento. Eu não saio porque não confio no governo. Estou negociando com você hoje, mas daqui a dois anos você não estará mais aqui para garantir o que me disse. Então eu não saio do cimento’. A burguesia nacional é uma burguesia fraca. Ela não é capaz de ousar uma estratégia de avanço na substituição de importações”.

Que partido poderá retomar o modelo de desenvolvimento moderado definido pelo PT durante a era Lula? “Talvez o PT tenha cumprido o seu ciclo histórico, talvez não seja mais o PT. O problema é saber quem cumprirá esse papel. Talvez seja um PMDB renovado após um saneamento interno, ou algum outro partido que surja para preencher esse espaço. Eu apostava minhas fichas no Ciro Gomes, do PDT. Mas o Ciro, pelo que me disseram, é muito complicado, tem épocas que ele desaparece do mapa. E o PSOL é um partido pequeno. Não sabemos ainda, mas um partido vai preencher esse espaço de centro-esquerda. E o PSDB continuará sendo um partido que permanecerá fazendo oposição neoliberal e pró-imperialista a esse governo”. 

Talvez isso nem demore muito: “Há uma perspectiva de que o PSDB acabe saindo do governo, o que coincide com a fraqueza crescente do partido. Ele conseguiu participar do processo de impeachment graças sobretudo à força dele em alguns setores do aparelho de Estado. Mas o PSDB é eleitoralmente fraco: o único candidato que ele dispunha, que é o Aécio Neves, está envolvido nas denúncias de corrupção. O PSDB não tem cacife. Se o PMDB quiser reformular o ministério para se manter até 2018, ele pode tirar o PSDB, tirar o Serra. O Henrique Meirelles nunca foi verdadeiramente do PSDB. Aos poucos a presença do PSDB vai diminuir, até porque eles não têm nenhum nome para compor o governo. Eles não têm ninguém. Eles não têm ninguém nem para ganhar a prefeitura de uma cidade reacionária como São Paulo. Vão perder essa eleição. Vão perder outra vez. E provavelmente o Alckmin nem vai conseguir fazer seu sucessor”.


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