A legitimidade de um regime democrático se baseia, em última instância, na vontade popular: são os eleitores que escolhem os ocupantes do Executivo e do Legislativo. No Brasil, porém, a dinâmica política vem sendo definida, cada vez mais, pelo Judiciário – o único poder cujos integrantes nunca são eleitos.
Em artigo publicado nesta terça-feira (12) na Folha de S.Paulo, o advogado Ives Gandra da Silva Martins reclama da atuação do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo ele, o “protagonismo crescente” da corte tem provocado “insegurança jurídica”: “Ao invés de ser, como era no passado, uma corte que garantia a estabilidade das instituições”, ela terminou “por trazer um nível de instabilidade maior, visto que contra a lei inconstitucional pode-se recorrer ao Judiciário, mas contra a invasão de competências não há a quem recorrer”.
Os setores de direita representados por Ives Gandra criticam sobretudo o “alargamento de hipóteses de união estável para pessoas do mesmo sexo, instituição da impunidade para o aborto eugênico, culpabilidade sem trânsito em julgado, com encarceramento nas ações penais antes da decisão final, assunção de funções exclusivas do Legislativo para afastamento de parlamentares”. Ou seja, rejeitam a ampliação dos direitos individuais e sociais, ou medidas que prejudiquem os clientes desses escritórios.
Para a esquerda, o que mais chama a atenção é a seletividade com que procuradores e juízes escolhem os alvos de suas ações, como vem ocorrendo na Operação Lava Jato. Como explica o cientista político Armando Boito Jr., professor titular da Unicamp, “a Lava Jato é um setor da burocracia do Estado que passou a vocalizar os interesses e a ideologia dessa classe média abastada”. É isso o que explica “o caráter seletivo das investigações. Quando o combate à corrupção é seletivo, isso significa que existe um critério para fazer a seleção. Esse critério é combater o PT e a sua política”. Segundo ele, “há indícios de que delegados, promotores e juízes preferem, na média, a política de ordem autoritária dos governos do PSDB à política de ordem mais flexível dos governos do PT. Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal estão se convertendo em uma verdadeira trincheira do conservadorismo no Brasil”.
As críticas à judicialização da política vêm se ampliando de todos os lados. Para o jurista Oscar Vilhena Vieira, o problema reside no excesso de atribuições conferidas ao Supremo pela Constituição de 1988, o que obriga o tribunal a se manifestar sobre milhares de temas diferentes: só em 2014, a corte recebeu 78.110 processos novos. Segundo Vieira, “o acúmulo de tarefas vem sendo enfrentado com a crescente ampliação das decisões monocráticas”. E, “pelo fato de se tratar de um tribunal irrecorrível”, o Supremo Tribunal Federal tem o direito de “errar em último lugar”.
Para outros juristas, o maior problema provém do grau de exposição pública dos ministros, fato que vem prejudicando a qualidade dos julgamentos. Segundo Virgílio Afonso da Silva, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, as decisões do STF têm sido prejudicadas pela ausência de um verdadeiro debate entre os ministros. Os problemas começam porque os relatores dos processos nunca divulgam seus votos com antecedência, o que obriga os demais ministros a prepararem votos próprios sobre temas relevantes. E, como as sessões são transmitidas pela TV, cada um resiste a mudar o voto e aceitar os argumentos contrários diante do público. De acordo com Silva, hoje os integrantes do STF estão mais preocupados com as opiniões fora do tribunal do que com os argumentos jurídicos.
“Os magistrados são homens, não são anjos, e a vaidade é própria do ser humano”, disse o ex-ministro do STF Carlos Velloso à Revista Pesquisa Fapesp. O jurista Conrado Hübner Mendes, da USP, vai na mesma linha: “A qualidade das deliberações piorou muito e expôs o tribunal à cacofonia das opiniões individuais dos ministros a respeito de qualquer assunto público sobre o qual são perguntados pela imprensa”.
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