Bancada dos sem-voto vai definir destino de Dilma

O suplente Raimundo Lira, que preside a Comissão do Impeachment - Foto:   Antonio Cruz/Agência Brasil
O suplente Raimundo Lira, que preside a Comissão do Impeachment – Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Uma bancada de 16 parlamentares sem voto vai definir o destino dos 54,5 milhões de votos obtidos pela presidenta Dilma Rousseff na eleição de 2014. Hoje, um em cada cinco senadores exerce o cargo sem ter sido votado. Desses 16 suplentes, nove já foram efetivados em suas cadeiras, por três motivos: renúncia dos titulares (4), morte (3) ou cassação (2). Os outros sete exercem o cargo interinamente porque os parlamentares eleitos estão no atual ministério (4) ou afastados por razões de saúde (3).

Os suplentes que exercem o cargo interinamente não necessariamente vão participar da votação final do impeachment: os quatro ministros de Michel Temer podem voltar ao Senado, caso julguem que seus suplentes não seguirão a orientação do governo. Mas o governismo também predomina amplamente entre os nove titulares. Desses, 7 votaram a favor do afastamento de Dilma, um votou contra (o outro não tinha tomado posse).

Como o impeachment de Dilma exige 54 votos, e os aliados de Temer tiveram 55, é fácil perceber o quanto esses 7 votos poderão pesar na aprovação do afastamento definitivo.

A rigor, os suplentes vêm influindo decisivamente até na forma como o processo está sendo conduzido: basta lembrar que o presidente da Comissão do Impeachment é o Raimundo Lira (PMDB-PB), suplente de Vital do Rêgo, que renunciou para virar ministro do Tribunal de Contas da União. Lira não só votou a favor da admissibilidade do impeachment como, no comando da comissão, tentou cortar ao máximo os prazos da defesa. Só recuou porque percebeu que sua decisão seria anulada pelo STF.

Como explicam os cientistas políticos Pedro Neiva e Mauricio Izumi no artigo “Os sem-voto do Legislativo brasileiro” (2012), os suplentes são, além dos vices, os “únicos ‘representantes’ do povo que exercem o poder sem terem obtido um único voto”. Mas, embora não tenham qualquer respaldo popular, “nem por isso são impedidos de participar das discussões e das decisões mais complexas e controversas”.

O grande problema é que esse processo de ascensão ao poder tem impactos significativos sobre as decisões desses senadores. A pesquisa realizada por Neiva e Izumi demonstrou que em geral os suplentes não possuem experiência política anterior nem se candidatam a uma eleição subsequente. Como não representam ninguém, “eles não se sentem obrigados a conquistar a simpatia e a confiança do eleitor”. Por essa razão, esses senadores tendem a se descolar das preferências do eleitorado para apoiar o governo.

Em entrevista à Brasileiros, Mauricio Izumi destacou essa característica: “Os suplentes tendem a apoiar mais o governo do que os titulares. Em nossa pesquisa sugerimos que isso ocorre porque os suplentes não têm que prestar contas ao eleitorado. Assim, eles poderiam votar favoravelmente em matérias apresentadas pelo Executivo que teriam um impacto eleitoral negativo para os titulares”. 

Mais ainda: como os suplentes não têm necessidade de prestar contas aos eleitores, eles podem ser utilizados para “tarefas embaraçosas, que poderiam gerar impacto eleitoral negativo” para os  titulares, como a presidência do Conselho de Ética, de Comissões Parlamentares de Inquérito ou da atual Comissão da Impeachment (no caso dos suplentes dos ministros, essa fidelidade ao governo é até maior, já que se sabe que eles perderão suas cadeiras caso os titulares venham a deixar o governo).

A orientação governista dos suplentes varia, porém, com a natureza do governo. Ela não existiu, por exemplo, durante as gestões de centro-esquerda, como as de Lula e Dilma. Segundo Izumi, “o padrão de governismo apresentado pelos titulares e pelos suplentes variou ao longo do tempo. No último ano do governo Sarney, nos dois anos do governo Itamar e durante quase todo o governo Lula, a diferença entre titulares e suplentes (no que diz respeito ao governismo) foi praticamente inexistente. Isso pode estar relacionado com o tipo de coalizão partidária formada pelos presidentes. Nos governos Collor e FHC, a aliança foi feita principalmente com partidos de direita (que possuem uma frequência relativamente maior de suplentes). Já os governos Sarney, Itamar e Lula, o centro teve uma participação maior, particularmente o PMDB”.

Essa redução do apoio dos suplentes às gestões de centro-esquerda, como Lula e Dilma, deriva do fato de que os suplentes se concentram nos partidos de direita. Em 2002, 41% dos senadores do PFL (atual DEM) tinham suas vagas ocupadas por suplentes, contra apenas 7% no bloco liderado pelo PT. Essa orientação governista é reforçada pelo perfil social desses políticos: dos suplentes que tomaram posse entre 1988 e 2008, 34,5% eram empresários, segundo a pesquisa. “Os partidos de direita têm mais suplentes”, diz Izumi: “Uma possível explicação para isso está relacionada com a hipótese de que os suplentes são, em boa parte, financiadores das campanhas dos titulares. Em geral, os suplentes são empresários, ricos e com pouca experiência política”.

Em seu estudo Suplentes de Senadores: Legitimidade e Perfil, o cientista político Francisco de Assis Soares da Costa também menciona a suspeita de que esse percentual elevado de empresários provém do fato de que muitos suplentes são financiadores de campanhas.  Ele aponta que, na 52ª (2003-2007), 41% dos suplentes eram empresários; na 53ª (2007-2011), essa taxa alcançou 50%. 

Como explica Soares da Costa, “o ordenamento jurídico brasileiro permite que um empresário invista na campanha de um candidato ao Senado ou a qualquer outro cargo eletivo, mas o investidor condicionar sua colaboração ao fato de ser o suplente de senador é antiético e inaceitável em uma democracia. Infelizmente no Brasil é muito comum a ascensão desse suplente-investidor”.
 
Segundo ele, a presença dos suplentes viola o princípio da representação popular: “O atual paradigma brasileiro de ascensão ao Senado pelos suplentes de senadores assemelha-se ao período ditatorial militar”, que criou a figura dos senadores biônicos, e o sistema adotado na Roma Antiga, quando a posse de riquezas e o prestígio junto aos governantes eram os critérios de escolha dos senadores. Algo semelhante ocorre nos dias de hoje, pois os atuais suplentes “são escolhidos, na sua grande maioria, entre amigos e parentes que representam a elite dominante – detentora dos recursos naturais e financeiros da nação”. Nesse sentido, a figura do suplente distorce a representação popular num sentido bastante preciso: ela reforça o conservadorismo do Senado.

Na opinião de Soares de Costa, uma solução muito mais democrática “seria empossar, em caso de renúncia, morte ou licença, aquele candidato que automaticamente obteve, no pleito eleitoral, o maior número de votos depois do candidato eleito no respectivo Estado. Este sim seria um critério de representação livre, direta e democrática, e evitaria a presença de financiadores de campanha ou parentes despreparados para um cargo de vital importância para o Brasil”.


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