Diversos intelectuais se reuniram nesta sexta-feira (16) no centro universitário Maria Antônia, da USP, local icônico de resistência à ditadura militar, para discutir a ameaça de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff.
Nomes como Paulo Sergio Pinheiro, ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos de Fernando Henrique Cardoso, Fabio Konder Comparato, jurista, André Singer, cientista político, Marilena Chauí, filósofa, e Fernando Morais, escritor, estiveram presentes para se posicionar contra e apresentar os riscos de um possível golpe. Petistas como o deputado federal Paulo Teixeira e Paulo Vannuchi compareceram. Foi assinado um manifesto ao fim do evento e proposto um grande ato para condenar a possibilidade de um impeachment.
Comparato argumentou que não há embasamento jurídico para derrubar o governo. “Essa é uma utilização perversa do sistema de impeachment. É lamentável que essa discussão toda esteja se dando por uma questão absolutamente secundária. O mundo vive uma grande crise financeira e política, que ainda vai piorar”.
O professor da faculdade de Direito da USP Sérgio Salomão complementou a fala do jurista. “Ainda que admitíssemos que alguma irregularidade tenha ocorrido, a matéria avaliada pelo TCU não é um crime de responsabilidade e se refere ao primeiro mandato de Dilma. Portanto só poderia acarretar em uma inelegibilidade futura”.
Marilena lembrou de experiências passadas no local histórico e comparou o momento atual ao golpe civil-militar de 1964. “Quando estive nesse prédio havia nas ruas as botas do exército vindo em nossa direção. Formamos uma corrente para defender a porta do Maria Antônia. Era o último instante de defesa contra o golpe. Estávamos eu, Antônio Cândido, Fernando Henrique Cardoso… É insuportável pensar que quem lutou contra o golpe naquela época são os golpistas de hoje. Isso é uma obscenidade histórica”, disse Marilena. “Os que sabem o que é exclusão social e cultural, e o que foi o custo de vidas e ações durante 20 anos de ditadura, se prestarem a fazer uma irresponsabilidade desse tamanho… Querem colocar um freio num esforço prolongado de fazer valer a Constituição, da criação de direitos, de um espaço republicano e democrático”.
Singer ressaltou a importância em defender a democracia no País, independentemente das críticas que possam ser feitas às políticas públicas do atual governo. “O impeachment seria um grave atentado à democracia, um retrocesso institucional. Não há neste momento nenhuma justificativa racional para derrubar o governo eleito. A democracia é uma enorme conquista, não podemos deixá-la ser arranhada por esse movimento golpista”.
Anivaldo Padilha, pai do secretário municipal de Saúde de São Paulo, Alexandre Padilha, e exilado político durante a ditadura militar, falou sobre o que chamou de “verdadeiro alvo” de impeachment: “Não é somente um golpe contra Dilma. O alvo principal é uma reversão de todas as conquistas alcançadas até agora. É isso o que está em jogo. É um avanço da direita que atinge todos os setores da nossa vida. Quando as classes dominantes estão perdendo, elas sempre apelam para a corrupção porque sabem que não podem colocar suas demandas às claras”.
Leia o manifesto na íntegra:
A sociedade brasileira precisa reinventar a esperança
A proposta de impeachment implica sérios riscos à constitucionalidade democrática consolidada nos últimos 30 anos no Brasil. Representaria uma violação do princípio do Estado de Direito e da democracia representativa, declarado logo no art.1o. da Constituição Federal.
Na verdade, procura-se um pretexto para interromper o mandato da Presidente da República, sem qualquer base jurídica para tanto. O instrumento do impeachment não pode ser usado para se estabelecer um “pseudoparlamentarismo”. Goste-se ou não, o regime vigente, aprovado pela maioria do povo brasileiro, é o presidencialista. São as regras do presidencialismo que precisam vigorar por completo.
Impeachment foi feito para punir governantes que efetivamente cometeram crimes. A presidente Dilma Rousseff não cometeu qualquer crime. Impeachment é instrumento grave para proteger a democracia, não pode ser usado para ameaçá-la.
A democracia tem funcionado de maneira plena: prevalece a total liberdade de expressão e de reunião, sem nenhuma censura, todas as instituições de controle do governo e do Estado atuam sem qualquer ingerência do Executivo.
É isso que está em jogo na aventura do impeachment. Caso vitoriosa, abriria um período de vale tudo, em que já não estaria assegurado o fundamento do jogo democrático: respeito às regras de alternância no poder por meio de eleições livres e diretas.
Seria extraordinário retrocesso dentro do processo de consolidação da democracia representativa, que é certamente a principal conquista política que a sociedade brasileira construiu nos últimos trinta anos.
Os parlamentares brasileiros devem abandonar essa pretensão de remover a presidente sem que exista nenhuma prova direta, frontal de crime. O que vemos hoje é uma busca sôfrega de um fato ou de uma interpretação jurídica para justificar o impeachment. Esta busca incessante significa que não há nada claro. Como não se encontram fatos, busca-se agora interpretações jurídicas bizarras, nunca antes feitas neste país. Ora, não se faz impeachment com interpretações jurídicas inusitadas.
O processo de impeachment sem embasamento legal rigoroso de um governo eleito democraticamente causaria um dano irreparável à nossa reputação internacional e contribuiria para reforçar as forças mais conservadoras do campo internacional.
Não se trata de barrar um processo de impeachment, mas de aprofundar a consolidação democrática. Essa somente virá com a radicalização da democracia, a diminuição da violência, a derrota do racismo e dos preconceitos, na construção de uma sociedade onde todos tenham direito de se beneficiar com as riquezas produzidas no pais. A sociedade brasileira precisa reinventar a esperança.
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