“Lewandowski autorizou separação de votações por saber que julgamento era político”, diz professor da FGV

Julgamento do processo de Impeachment de Dilma Rousseff (sexta-feira 26/08) - Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Julgamento do processo de Impeachment de Dilma Rousseff (sexta-feira 26/08) – Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

O professor adjunto e coordenador de Graduação em Direito da Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro, Thiago Bottino, disse que ao separar as votações do impeachment e da manutenção dos direitos políticos da presidenta cassada Dilma Rousseff, o Senado contrariou a expectativa de que a questão fosse votada de maneira conjunta. Segundo ele, a decisão mostrou que o o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, que conduziu o julgamento no Senado, reagiu no momento, considerando que era um julgamento político e, portanto, caberia ao Senado decidir se haveria o voto em separado. “Foi uma surpresa para as pessoas verem o Senado fazer essa separação. A gente fica imaginando o porquê da separação e aí, embora não vá mudar nada, fragiliza um pouco o reconhecimento de que houve de fato um crime ou improbidade, por essas pessoas que votaram de forma diferente”, afirmou.

Para o professor, Lewandowski sabia se tratar de um julgamento político e, portanto, caberia ao Senado decidir se haveria o voto em separado. “Ele não estava agindo como juiz, estava agindo muito mais como um árbitro, como uma pessoa que conduz as discussões”. A atitude de Lewandowski, de deixar que os senadores decidissem, no voto, os efeitos foi uma forma de não se imiscuir na atribuição de outro poder, dado que é um julgamento político – a decisão não tem que ser de um membro do Judiciário. “Dizer não votem significaria limitar o direito de escolha deles [senadores]”, afirmou.

De acordo com Bottino, com a segunda votação, o Senado preferiu não impor todas as consequências do processo de impeachment. “O que o Senado fez foi a opção de umimpeachment sem todas as consequências, quer dizer, limitar as consequências daquela decisão de tirá-la. Reforça a ideia de que ‘não queremos que ela seja presidente, porque não tem condição de gerir a nação, porém, não vamos aplicar os efeitos de inelegibilidade, isso é só para quem é culpado, quem foi condenado pela Justiça e não é o que nos move’ ”, comentou.

Jurisprudência

Thiago Bottino descartou a possibilidade de a separação das votações criar uma jurisprudência, porque o conceito não pode ser aplicado em casos isolados. “Poderia falar que há um precedente, mas não é aquela ideia de um posicionamento reiterado, consolidado, até porque a gente teve dois impeachments com regras diferentes. É muito complicado falar de uma jurisprudência, de um precedente”, informou, lembrando que a separação das duas questões durante o julgamento não chegou a ser suscitada quando o processo começou no STF.

Ficha limpa

O professor contestou a aplicação da Lei da Ficha Limpa para esta situação, porque os conceitos são diferentes. A doutora em direito público e mestre em teoria do Estado e direito constitucional Silvana Batini, que tem o mesmo entendimento, disse que embora se aplique a outros cargos eletivos, a Lei da Ficha Limpa não pode ser usada em casos de afastamento de presidentes da República, para a interrupção de direitos políticos, porque essa possibilidade não foi incluída nessa legislação, uma vez que estava impressa na Constituição. Mas lembrou que a decisão acabou por provocar uma distorção.

“Com a decisão, o Senado retirou a consequência da inelegibilidade sobre a presidente da República e fez com que o presidente da República fosse o único cargo da República hoje que, sendo cassado, não sofre a consequência da inelegibilidade. Então, houve uma quebra do sistema das inelegibilidades no Brasil”, disse.

A professora acrescentou que, teoricamente, o precedente aberto nessa quarta-feira só poderá ser usado em outro impeachment de presidente da República. “A inelegibilidade, supressão de direito político de deputados cassados, governadores e prefeitos, decorre da Lei da Ficha Limpa e não da Constituição. Embora o sistema das inelegibilidades seja o único harmônico, tem fontes normativas diferentes. No caso de presidente da República, diretamente na Constituição e nos outros casos, na Lei da Ficha Limpa”.

Apesar disso, observou que como houve quebra desse sistema, é de se esperar que seja invocado em questões futuras de cassação de deputados. “É possível que a Câmara dos Deputados queira trazer para si o mesmo poder que o Senado demonstrou e atraiu”, afirmou, destacando que não acredita que isso possa prevalecer juridicamente, mas abre discussão, cria instabilidade e pode implicar mais questionamentos.

Bottino não acredita que possa prosperar no STF qualquer ação de questionamento das decisões do Senado. “O Judiciário tem buscado em todo o processo de impeachment dar o maior espaço possível para o Poder Legislativo. Interferir o menos possível. Mesmo os argumentos processuais não tiveram muito sucesso. Foi como eu vi o Supremo se comportando, deixando a maior parte das decisões com o próprio Legislativo”.

Para Silvana Batini, no entanto, como houve uma quebra no rito processual adotado pelo próprio STF, o tribunal pode ter que se posicionar no futuro sobre a questão. “Quando o ministro Lewandowski autoriza a votação em duas etapas, ele está alterando o rito. Por isso, estou dizendo que eventualmente o Supremo pode vir e decidir sobre isso, porque é uma questão de rito, de procedimento”.

*Com reportagem de Cristina Índio do Brasil, da Agência Brasil


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