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Entre os meses
de março e junho de 2013, aconteceu na Escola São Paulo o curso Curadoria: Histórias das Exposições, coordenado por Lisette Lagnado e Mirtes Marins de Oliveira. O seminário, formado por 16 aulas ministradas por pesquisadores, curadores e artistas, tinha como objetivo refletir sobre os processos da curadoria a partir da análise de exposições das últimas décadas.

A expressão “histórias das exposições”, presente no título, faz referência ao campo de pesquisa em que a história da arte é investigada a partir do momento da relação entre as obras e o público, de modo que, em vez de priorizar a análise formal ou conceitual, são estudados os efeitos das exposições e o que os motivou no processo de construção das mostras.

Pouco tempo depois da realização desse seminário, em sua prática como professor e coordenador do curso Arte: História, Crítica e Curadoria na PUC-SP, o crítico Fabio Cypriano percebeu que, mesmo que tenha havido recentemente relativa profusão de livros sobre histórias das exposições, ainda há no Brasil carência por bibliografia especializada. Entendendo ser urgente a construção e divulgação de conhecimento nessa área, Cypriano e Marins organizaram o livro Histórias das Exposições/Casos Exemplares, formado por uma sequên­cia de artigos de oito autores.

A publicação começa com uma entrevista em que os organizadores do livro questionam o curador Pablo Lafuente sobre sua atuação na revista Afterall e sobre a importância da série de livros Exhibition Histories para o fortalecimento das pesquisas sobre o assunto. Entre demonstrações de como é um privilégio ter Lafuente entre nós no Brasil, o espanhol deixa claro que o sucesso de uma exposição não depende apenas de boas ideias do curador e que há sempre uma rede de colaboradores e um contexto institucional, político, econômico e cultural fundamentais para a execução de uma mostra. Lafuente nos aponta as dificuldades de tratar de exposições ocorridas há anos e nos faz refletir sobre as razões de se realizarem exposições. A partir dessa entrevista, talvez possamos dizer que o sucesso de uma mostra deve ser medido a partir de seus efeitos, das transformações geradas pelo evento em todas as partes envolvidas: artistas, curadores, instituição, jornais, público, cidade, etc.

Mirtes Marins de Oliveira segue o livro com um texto sobre a história da criação e disseminação do modelo expositivo do cubo branco no MoMA, de Nova York, na primeira metade do século XX e nos fornece reflexão importante para que sejamos capazes de desnaturalizar as formas de expor e para que estejamos abertos a maneiras originais e singulares de dispor espacialmente obras de arte.

Vinicius Pontes Spricigo critica outras publicações sobre Histórias das Exposições e relaciona o pensamento de Vilém Flusser, Giorgio Agamben e Walter Benjamin para propor uma Arqueologia das Exposições, que, em vez de estudar mostras emblemáticas, investigaria as bases ideológicas que dão razão às formas de expor.

Ana Maria Maia trata, em seu capítulo, do mesmo conteúdo trabalhado em 2013, quando foi uma das professoras convidadas no curso organizado por Lagnado e Marins: o legado experimental dos Domingos da Criação, organizados por Frederico Morais no MAM Rio, em 1971, e do 6º Jovem Arte Contemporânea, organizado por Walter Zanini, em 1972, no MAC USP. Maia detalhou o cenário cultural e político no Brasil dos anos 1960 e 1970 para contextualizar a ocorrência dessas ações e fez questão de caracterizar Frederico e Walter não como autores protagonistas, mas como os provocadores capazes de ativar suas redes e de propor formas experimentais de relação entre artistas, curadores, instituições, públicos e mídia.

Fernando Oliva compartilha parte da pesquisa que baseou o projeto A Reencenação, sua colaboração para a 3ª Bienal da Bahia em 2014, em que retomou as duas primeiras edições, acontecidas em 1966 e 1968, tendo sido a segunda delas encerrada pelos militares no dia seguinte à abertura. Além de o texto ser, em alguns momentos, excessivamente descritivo e elogioso para quem escreve do ponto de vista do autor da mostra, ele falha pela parcimônia de autocrítica e por deixar de relacionar suficientemente A Reencenação com o restante da exposição. A 3ª Bienal da Bahia foi marcada por polêmicas com artistas e pelo afastamento de parte do corpo curatorial durante o processo de trabalho. Mesmo que sua realização tenha sido de fato uma vitória simbólica histórica, é bom assinalar que, na entrevista que abre o livro, Pablo Lafuente é categórico ao afirmar que “fazer história não é uma questão de celebração”.

Priscila Arantes lembra que a história está sempre em construção e relaciona a importância do arquivo para a contemporaneidade, com a necessidade de “escrever a história a contrapelo”, como disse Benjamin. A curadora descreve experiências seminais para as formas de relação com arquivos, entre elas projetos de Duchamp, André Malraux, Okwui Enzewor, Hans Ulrich Obrist e da própria autora, além de A Reencenação, de Fernando Oliva.

A exposição Projeto Construtivo Brasileiro na Arte foi objeto da pesquisa de Cauê Alves, que, para investigar a mostra, que já nasceu envolta por contradições em 1977, se valeu não apenas dos materiais da exposição, mas também de depoimentos, muitas vezes contraditórios, de Ferreira Gullar, Lygia Pape, Frederico Morais, Décio Pignatari e da própria curadora da mostra, Aracy Amaral. O texto propõe análises ponderadas, enfrentando criticamente todos os posicionamentos pessoais para finalmente entender a exposição a partir de seu legado para a forma como o Brasil passou a lidar com sua herança moderna construtiva.

No último capítulo do livro, Fabio Cypriano faz um estudo sobre a 27ª Bienal de São Paulo, em que dá o devido valor a essa mostra que reconfigurou definitivamente a própria instituição. Para isso, Cypriano relacionou a história da BSP com a série de mudanças estruturais que “Como Viver Junto”, com curadoria de Lisette Lagnado, deixou como herança para as edições seguintes. Cypriano tratou também da importância do papel dos presidentes das Bienais (normalmente esquecidos pela história da arte) para os momentos históricos da instituição.

Diversas mostras que alteraram a forma como artistas, curadores, instituições e público lidam com trabalhos de arte no Brasil ainda não receberam o devido crédito. Muito além das Bienais e das exposições em grandes museus, há mostras alternativas imprescindíveis sobre as quais há muito pouco material de pesquisa. Esse é o caso, por exemplo, dos Orlândias, ambientes para experiências radicais no Rio de Janeiro no começo da década de 2000, onde Tunga fez seu muro de sal, peixe, vinho e gesso (chamado Pequeno Milagre) e Márcia X se cobriu de leite condensado (Pancake), além de ter trabalhos de Laura Lima, Marcos Chaves, etc. No momento em que o modelo das grandes exposições é questionado, talvez seja importante se debruçar também sobre casos em que não foram exposições isoladas, mas projetos a longo prazo, que transformaram seu cenário, como é o caso do Arte Pará, em Belém, e da Bienal do Mercosul em Porto Alegre. O livro Histórias das Exposições/Casos Exemplares estreia esse campo de pesquisa no Brasil, reunindo um conjunto forte de pesquisas muito diversas e nos deixa a clara sensação de que ainda há muito trabalho a ser feito nesta área no Brasil.


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