Manobra de Cunha é legal mas contestável, dizem cientistas políticos

Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados - Foto: Antônio Cruz/ Agência Brasil
Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados – Foto: Antônio Cruz/ Agência Brasil

A manobra política que permitiu aprovação do texto que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos em casos de crimes hediondos (e que retirou alguns itens da primeira proposta votada na quarta-feira) gerou contestação em diversos setores da sociedade brasileira. Nesta quinta-feira (2), a medida utilizada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para votar novamente um projeto que havia sido reprovado 24 horas antes foi tema de discussão nas redes sociais, nos corredores do Congresso Nacional e nos meios acadêmico e jurídico.

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Os cientistas políticos Humberto Dantas, do INSPER e da FESP, de São Paulo, e Maria do Socorro Sousa Braga, da UFSCar, ouvidos pela reportagem de Brasileiros, afirmam que a manobra de Cunha contém elementos muito mais complexos do que apenas a sua legalidade ou não e, mais do que isso, a disposição com que o parlamentar que preside a principal Casa do parlamento brasileiro em propor agendas políticas até ao Executivo mostra que há uma nova conjuntura no País, em que o Legislativo está mais forte. Leia a seguir duas rápidas análises:

“O pior é que, regimentalmente, o Eduardo Cunha tem o poder de fazer o que fez. A regra está a favor dele neste caso. É claro que, em termos de democracia, temos um problema. Se novos elementos surgem a cada votação sobre projetos de lei, acabam as medidas em si. A vitória foi do próprio Cunha, que quer reduzir a maioridade. Ele é muito esperto, sabe usar todos os dispositivos a favor dele. É a segunda vez que usa esse artifício: na votação sobre financiamento de campanhas foi a mesma coisa. Basicamente, o que Cunha fez votar de novo um projeto com a adição de novas emendas em relação ao que havia sido votado um dia antes. A obrigação é apenas passar por votação, e isso aconteceu. O regimento permite essa manobra. Claro que, quando se usa esse recurso, a meta é passar o projeto de qualquer jeito”.

“Cunha está alterando a conjuntura da relação entre o Legislativo e o Executivo. Faz tempo que não temos um parlamento tão ativo, atuante, propondo agenda. Desde que ele assumiu a presidência da casa que percebe-se essa mudança. Os objetivos do grupo político do qual ele faz parte são determinantes para esse processo. Ao mesmo tempo em que ele se fortalece, o Executivo enfraquece com a conjuntura da economia e a baixa aprovação da presidenta. Ou seja, está se invertendo a situação do presidencialismo de coalização, em que o Executivo é quem propõe agenda. Diria que, como a base aliada está fragmentada, e o presidente da Câmara tem essa base nas mãos, a atividade da Casa se torna pró ativa”.

Maria do Socorro de Sousa Braga
Professora de Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

“Se a manobra feita pelo Eduardo Cunha não fosse permitida, as pessoas teriam esvaziado o Congresso. Ele mesmo disse que fez o que fez amparado por técnicos do parlamento. O que fica claro com essa aprovação é que, independentemente de ser contra ou a favor da redução da maioridade penal, a sociedade brasileira precisa, de fato, prestar atenção no Legislativo. O que o Cunha está fazendo é mostrar a força que o parlamento tem. A manobra pode até ser contestável, mas dificilmente é ilegal. Podemos até descobrir que sim, que é ilegal, mas acho improvável. O mais correto a se dizer é que ela é contestável”.

“Cunha foi muito esperto. Usou uma maneira muita clara de manobrar o Legislativo: pegou os textos substitutivos e foi votando. O primeiro tinha perdido por pouca diferença, cinco votos, o que deu para sentir o clima. Daí foi só tirar três coisas, que passou. As pessoas que são contrárias ao projeto foram dormir na quarta-feira achando que o problema tinha acabado”.

“Há outra questão: vamos ficar ajustando os projetos até serem aprovados? É claro que existe um limite, que é pautado pela regra. Portanto, precisamos conhecer a regra. Se a lei não é democrática, ou seja, existem manobras regimentais que são legais, a legalidade está afrontando a democracia. Isso é um problema sério para resolver. Se o regimento da Câmara permite que a regra seja alterada, então a democracia pode estar sendo afetada. Não estou dizendo nem que sim nem que não, estou dizendo que esse é um debate que podemos fazer. Se não for democrático, vamos discutir a democracia. A lei é o resultado de uma construção conjunta”.

Humberto Dantas
Professor de Ciência Política do Insper e da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP)


Comentários

5 respostas para “Manobra de Cunha é legal mas contestável, dizem cientistas políticos”

  1. “a legalidade está afrontando a democracia”
    Isso vem desde o surgimento de um estado democrático indireto.

  2. A manobra de CUNHA foi legal e ele mostrou que sabe as normas regimentais e deu um baile nos demais deputados… Alem de aprovar o que a opiniao publica queria…

  3. Avatar de Alexandre
    Alexandre

    O que esse palhaço do Cunha fez pode até ser legal, mas é completamente imoral. Aliás, como tudo que sai da cabeça dele.

  4. Democracia e fazer o que 95% da população quer e cunha fez logo foi democrático. acho que esse advogado precisa estudar mais sobre democracia.

  5. Nunca o parlamento brasileiro teve em sua presidência, alguém com tanto conhecimento regimental.

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