Manual do perfeito midiota – 53

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Renan Calheiros fotografado na primeira sessão que presidiu após o STF decidir mantê-lo no cargo. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)


Você certamente acompanhou com indignação o episódio em que o presidente do Senado, Renan Calheiros, deu uma banana para o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, que havia emitido medida liminar determinando seu afastamento do cargo.

Marco Aurélio Mendes de Farias Mello ocupa há 27 anos uma cadeira na corte. Foi nomeado em 1990 por seu primo, o então presidente da República Fernando Collor de Mello.

Trata-se de figura polêmica na história recente da República, e há quem o julgue extremamente personalista, tendendo a votar contra seus pares. Chamam-no, por isso, de “senhor voto vencido”.

Em abril deste ano ele já havia sido acusado, inclusive por outros ministros, de extrapolar de suas atribuições, invadindo a soberania do Congresso, ao determinar que o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, não poderia ter arquivado o processo de impeachment do vice-presidente Michel Temer.

A questão jurídica e política provocada por Mello ocupou o tempo da mídia brasileira nos últimos dias, fazendo ferver o cérebro de alguns colunistas e comentaristas onipresentes no rádio, na televisão e nos chamados jornais de circulação nacional.

Alguns analistas da mídia, que eventualmente confundem “mandado” com “mandato”, ficaram, como se diz, de saia justa e salto agulha em terreno de pedregulho: a saída de Renan poderia colocar sob risco a frágil governabilidade da aliança que ocupa o poder em Brasília; mas o apoio à permanência no cargo de um senador cercado por acusações e objeto de denúncia colocaria em dúvida a disposição da mídia tradicional de ver saneada a política.

A questão foi resolvida com uma negociação na qual foi essencial a postura do vice-presidente do Senado, o petista Jorge Viana, do Acre. Viana sabia que, se contribuísse de alguma forma para o afastamento de Calheiros, mergulharia sua bancada numa crise da qual convém manter distância.

Um contramandado votado às pressas decidiu que Renan Calheiros continua presidente do Senado, mas impedido de assumir a Presidência da República na ausência ou eventual desaparecimento do atual inquilino do Planalto: se Michel Temer for abduzido por alienígenas interessados em pesquisar mentes complexas, por exemplo.

Segundo consta, no Estado de S. Paulo e no Grupo Globo alguns desses especialistas em generalidades, que tudo sabem e sobre tudo opinam, esperaram conhecer o teor do editorial que traria a opinião do patrão para soltar suas imprecações.

Mas não há muito o que considerar: a crise desta semana, assim como a da semana anterior e aquelas que as antecederam, bem como as que estão por vir, resultam da ilegitimidade do atual governo.

Numa democracia jovem e vulnerável como a nossa, o equilíbrio entre as forças políticas depende sempre do voto popular referendado pelas instituições públicas, mas se complementa com a capacidade do gestor de manter satisfeitos seus aliados e permitir que a oposição tenha seu protagonismo.

O afastamento da presidente eleita em 2014 desatou as hostes do inferno em Brasília. Um presidente “carisma zero”, que depende de negociações cotidianas para manter um mínimo de respeito, não consegue governar nem o clube de carteado clandestino da Rua Padre João Manuel, em São Paulo.

A crise detonada com a quebra da harmonia entre os poderes só pode acabar de duas maneiras: pelo caos, que se avizinha, ou pela eleição direta, livre, sem condicionamentos por parte da imprensa reacionária.

Agora que o Supremo Tribunal Federal foi envolvido na barafunda que se criou em Brasília, a segunda alternativa ficou mais difícil.

Resta esperar que o caos do campo político não vaze para o campo social.


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