“Não dá para aceitar essa prática autoritária”, diz Erundina sobre manobra de Cunha

Deputada Luiza Erundina considerou manobra de Cunha um "golpe" - Foto: Reprodução/ Facebook
Deputada Luiza Erundina considerou manobra de Cunha um “golpe” – Foto: Reprodução/ Facebook

A deputada Luiza Erundina (PSB-SP) está preocupada. É a segunda vez que ela vê o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) realizar uma manobra por meio do regimento interno da Casa para aprovar uma medida de seu desejo. A primeira, no mês passado, aconteceu na votação sobre o financiamento de campanhas eleitorais, um dos itens da reforma política. A segunda foi nesta quinta-feira à noite (2), quando, 24 horas depois que um projeto substitutivo que reduzia a maioridade penal para 16 anos em casos de crimes hediondos foi reprovado pelos congressistas, Cunha modificou alguns termos do texto e o recolocou no plenário, desta vez aprovando o projeto.

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Nesta quinta-feira (2), o debate em torno da legalidade da manobra de Cunha ganhou destaque nas redes sociais e nos bastidores políticos do País. Erundina, que é contra a proposta, viu quatro companheiros de partido mudarem de opinião entre uma votação e outra, uma parte dos 24 que tornaram-se favoráveis à redução da noite pro dia, literalmente. “Não entendo os motivos, o que convenceu esses parlamentares a uma mudança tão rápida de posição. Ainda não estive com meus companheiros do PSB, mas vou querer ouvir de cada um as razões pelas quais eles mudaram seus votos”.

Ainda em Brasília, Erundina falou rapidamente à Brasileiros sobre a aprovação da nova medida, que prevê redução da maioridade para outros tipos de crimes. Para ela, a democracia sofreu um abalo com a manobra de Cunha:

Brasileiros – Eduardo Cunha deu um “golpe” ao organizar uma nova votação sobre a redução da maioridade penal?
Luiza Erundina: Não é a primeira vez que ele faz isso. Cunha utilizou a mesma saída regimental na votação da reforma política em relação ao financiamento privado de campanha. Agora novamente, com a PEC da redução da maioridade penal. Isso é muito grave. Depois que o plenário da Câmara dos Deputados vota majoritariamente em torno de uma matéria, o presidente, no dia seguinte, resolve apresentar um [projeto] substitutivo sobre a mesma matéria alterando pouca coisa da forma original, agregando aquilo que era tratado separadamente, como as questões do estupro e do tráfico de drogas, que são considerados hediondos. A matéria [aprovada] não inova, simplesmente se apresenta em um formato diferente, ou seja, uma forma de apresentar a questão que não significa que melhorou aquilo que consideramos danoso aos adolescentes. Os jovens terão que cumprir medidas extremas de irem para presídios cumprir penas como adultos. É um absurdo. Fere a soberania dos mandatos para representar nossos eleitores e, inclusive, fera a soberania do plenário da Câmara. É inaceitável. Entendo até que se deve submeter ao Supremo Tribunal Federal para que essa prática não se torne uma praxe que fira a soberania dos mandatos. Temos responsabilidade de representação da sociedade nesta Casa, o que torna as coisas muito mais sérias. Não dá para aceitar passivamente essa prática autoritária, desrespeitosa com a instância máxima da Câmara, que é o plenário.

A lista de votação mostra que 24 deputados mudaram de voto em menos de 24 horas, inclusive alguns do seu partido, o PSB. Como explicar essas mudanças?
Lamento. Não concordo que companheiros que, inclusive na primeira votação seguiram a orientação do partido, e não apenas da liderança da bancada, transformem o voto da primeira sessão no oposto em uma madrugada. É estranho. Não entendo os motivos, o que convenceu esses parlamentares a uma mudança tão rápida de posição. Ainda não estive com meus companheiros do PSB, mas vou querer ouvir de cada um as razões pelas quais eles mudaram seus votos. Pode ser que tenham sido enganados, imaginando que a proposta que foi votada ontem [quarta-feira] melhoraria ou atenuaria os agravantes daquela primeira proposta. É repudiável e inaceitável. Daqui a pouco essa prática pode ser reiterada numa mesma matéria seguidas vezes. Vamos supor que esse projeto substitutivo que apresentaram ontem fosse uma proposta aglutinativa da medida rejeitada no dia anterior. Imagina que essa proposta rejeitada ficasse replicando inúmeras vezes até chegar ao resultado onde o Eduardo Cunha pretendia. É inaceitável porque ele está em uma função de árbitro, de mediador, de ponderador das decisões para poder chegar aos resultados que correspondam ao que é melhor para a sociedade.

Tem gente argumentando que a matéria deveria ser aprovada pelo fato de quase 90% da população estar a favor da redução.
Não é só aquilo que a sociedade diz. Temos responsabilidade porque temos o domínio sobre aquilo que votamos e temos um papel pedagógico, de educação política, junto a eventuais pessoas que possam nos procurar para explicar as razões para nossas posições. Não é ficar evitando porque a sociedade diz isso e eu defendo aquilo. Não devo ficar seguindo a sociedade automaticamente. Se num determinado momento uma posição minha não for compreendida pela sociedade, por alguém da sociedade ou por algum setor da sociedade, devo me empenhar para que essas pessoas entendam as razões da minha posição e percebam até seus equívocos. A população também se equivoca, até por falta de ter todos os elementos, todas as informações para fazer uma análise. Essa é uma questão polêmica, mais complicada, complexa, em que nem sempre as pessoas têm todas as condições para analisar. Enfim, estranho que haja uma posição em uma sessão, no dia seguinte haja outra posição, e mais ainda essa atitude do presidente da Câmara. Não é aquilo que cabe ao presidente, porque ele foi eleito por todos. A maioria dos parlamentares votou nele, então tem que ter respeito à instância da decisão máxima da Casa, que é o plenário.

A democracia fica em risco com a manobra?
Evidente. Sem dúvida nenhuma o pluralismo partidário, democrático, a liberdade de manifestação, de posição, de voto, tudo fica prejudicado. Esse comportamento coíbe que o mandato se exerce plenamente. Fere a democracia interna da Câmara. É um mau exemplo para a sociedade e só desmerece a instituição, que já tem uma imagem abalada com a sociedade. Saí muito preocupada da sessão de ontem e sem aceitar absolutamente o que vem acontecendo. Insisto: não é a primeira vez que ele fez isso. Aconteceu exatamente há poucos dias, em relação a outra matéria. Isso pode se repetir quantas vezes ele entender que o resultado da votação não é aquele que ele quer.


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