Os integrantes do Comitê de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) têm “plena convicção sobre as violações de preceitos fundamentais ocorridas no caso de Lula”. Quem assegura é o advogado Cristiano Zanin Martins, um dos autores do recurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à entidade. Segundo o magistrado, que falou com Brasileiros, os integrantes da entidade estão bastante habituados a processos como esse.
Segundo Martins, não há a menor dúvida de que “o juiz Sergio Moro perdeu a imparcialidade para conduzir o julgamento”, um direito que precisa ser assegurado aos acusados, segundo o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, ratificado pelo Brasil em 1992: “Todas as disposições contidas no Pacto têm de ser seguidas pelos países signatários”, diz.
O advogado acredita que a ONU não irá se esquivar da responsabilidade em julgar a petição de Lula. A estranheza quanto ao pedido resulta apenas do fato de que, “até agora o Brasil ainda não havia feito nenhum comunicado à ONU”. Em outros países, contudo, esse recurso é bastante comum: “Nos últimos dez anos a ONU recebeu 2.756 comunicações de violação de cidadãos de 94 países”.
As petições resultaram em condenações a Bélgica, Finlândia, França, Canadá e Austrália: “Os países recebem uma condenação para que reparem as violações cometidas e não voltem a incidir nos mesmos erros. Já que o Brasil aceitou o protocolo, ele tem de aceitar as recomendações”.
Segundo Martins, não resta nenhuma dúvida de que o Judiciário brasileiro infringiu quatro dispositivos em três artigos do pacto sobre os direitos civis e políticos: a proteção contra prisão ou detenção arbitrária; o direito de ser presumido inocente e assim ser tratado até que se prove a culpa na forma da lei; o direito a ser julgado em um tribunal independente e imparcial; e a proteção contra interferências arbitrárias ou ilegais na privacidade, família, no lar ou correspondência e contra ofensas ilegais à honra e à reputação.
Em relação ao dispositivo previsto no artigo 9º que estabelece que “ninguém poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente”, Martins observa que tal preceito não foi respeitado quando Lula foi levado coercitivamente para depor, embora nunca tenha se recusado a comparecer à Justiça: “Não houve nenhuma situação que justificasse essa violência”. Uma medida como essa “só se justifica se a pessoa for intimidada para prestar o depoimento e não comparecer”, o que jamais aconteceu no caso do ex-presidente.
O advogado observa que houve duas violações ao artigo 14 do pacto: a primeira reside no fato de que toda pessoa tem direito a ser julgada por um “tribunal competente, independente e imparcial”, e, a segunda, de que todo acusado “de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”.
Martins afirma que nada disso tem acontecido. Em primeiro lugar, Lula não está sendo julgado por um tribunal independente e imparcial. No Brasil, ao contrário do que ocorre em outros países, “não se faz a necessária separação entre o juiz de instrução, responsável pela coleta das provas, e o juiz responsável pelo julgamento da causa”.
De acordo com o advogado, “quando o juiz faz a colheita das provas, ele acaba ficando impregnado pela acusação, pois adere ao discurso do Ministério Público ao deferir medidas cautelares. Daí a necessidade de separar o processo de coleta do julgamento da ação, para que o magistrado possa efetuar uma análise imparcial do processo”. Essa sobreposição que caracteriza a Justiça brasileira é muito criticada no exterior.
No caso de Lula, ficou evidente a ausência de imparcialidade: “o juiz Sergio Moro não só aderiu às acusações formuladas pelo Ministério Público Federal como já fez outras 12 acusações contra o ex-presidente Lula em documento enviado ao STF em março”. Ele deixou, assim, de representar a figura do juiz imparcial e se transformou num juiz acusador, figura incompatível com as garantias do devido processo legal.
A Lei Orgânica da Magistratura dispõe claramente que o juiz não pode “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem”. No caso de Moro, ele não só manifesta sua opinião como chegou a prestigiar o lançamento de um livro sobre a Operação Lava Jato que tem uma posição bastante parcial sobre o tema. “Isso é complicado porque compromete a isenção do juiz”, afirma Martins. “Ele já assumiu como versão oficial a história contada no livro. O juiz assumiu posições públicas e terá dificuldade para que possa julgar o caso com isenção”.
Segundo o advogado, “isso confirma a perda de imparcialidade: como ele poderá depois ir contra as posições que assumiu, mesmo que apareçam evidências contrárias à sua tese?” Ele observa que Moro admitiu ter cogitado decretar a prisão temporária de Lula sem que houvesse pedido de órgão policial ou do Ministério Público Federal.
Martins concluiu afirmando que o conhecido advogado inglês de direitos humanos Geoffrey Robertson, também contratado para representar o ex-presidente Lula junto à ONU, “tem plena convicção de que o juiz Moro violou as disposições do pacto e que Lula está sendo submetido a constrangimento, não havendo nenhum fato concreto que justifique as suspeitas levantadas contra ele”.
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