A república do pemedebismo


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No clímax da corrida eleitoral, em outubro de 2014, o então candidato a presidente da República, Aécio Neves (PSDB), declarou em entrevista coletiva, em Porto Alegre, que, caso fosse eleito, contaria com o PMDB em seu governo
. Nada inusitado, não fosse o fato do PMDB ser o partido do candidato a vice-presidente na chapa da oponente de Aécio, Dilma Rousseff (PT). Assim, de antemão, em meio à eleição presidencial mais disputada desde a redemocratização, já havia uma certeza. O PMDB estaria no poder. A despeito de quem vencesse o pleito.

Um levantamento do panorama eleitoral brasileiro pós-ditadura militar revela que tem sido assim desde 1985, quando a ascensão do pemedebista José Sarney à Presidência da República deu o tom inicial e premonitório. Vinculado às tradicionais oligarquias políticas do nordeste, Sarney foi membro do partido de sustentação à ditadura militar, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), chegando a presidi-lo em 1979. Com a redemocratização, mudou de lado e aninhou-se nos quadros do PMDB, por meio do qual chegou à presidência em 1985, após a morte do titular Tancredo Neves, do qual era vice. Em seu governo, encetou uma sólida aliança com setores conservadores, dos quais se destacava Antônio Carlos Magalhães (1927 – 2007), líder do Partido da Frente Liberal (PFL, atual DEM), outro político oriundo das fileiras do regime militar.

É, no entanto, o pemedebista e presidente do Senado Federal Renan Calheiros que melhor representa o oportunismo inerente ao partido. Senador por Alagoas desde 1995 e, antes disso, deputado federal (1983-1991), Renan é figura cativa no poder, independentemente da suposta matiz ideológica do chefe do executivo. Durante a presidência de Fernando Collor, o parlamentar alagoano foi líder da base de apoio ao governo na Câmara. Durante a gestão de Itamar Franco (1930 – 2011), foi presidente de uma subsidiária da Petrobrás. No governo Fernando Henrique (PSDB), o currículo de Calheiros foi elevado a outro patamar, com a nomeação para o cargo de ministro da Justiça.

Embora tenha militado no PMDB desde a sua fundação, Itamar Franco foi eleito vice-presidente durante a sua curta passagem pelo PRN – partido criado exclusivamente para lançar Collor ao Planalto. Mais tarde, Franco retornaria ao PMDB. Ao falecer, em 2011, contudo, o ex-presidente já havia migrado para o PPS.

A trajetória do atual presidente da Câmara dos Deputados, o pemedebista fluminense Eduardo Cunha também remonta ao governo Collor. Cunha cumpriu importante papel da campanha de Fernando Collor à presidência da república no estado do Rio de Janeiro. Depois de Collor eleito, Cunha foi indicado por PC Farias para ocupar a presidência da Telerj, antiga estatal de telefonia. Ironicamente, Eduardo Cunha, atualmente um dos maiores labutadores do impeachment de Dilma Rousseff, foi um fiel defensor de Fernando Collor, quando este se viu as avessas com um processo de impedimento em 1992 – o qual acabou sendo levado a cabo.

A eleição do deputado fluminense para presidente da Câmara foi apoiada por uma extensa coalizão de partidos a qual abrangeu o DEM, de Agripino Maia, o PSDB, de Aécio Neves, o PP, de Paulo Maluf e o PTB, de Fernando Collor. Ao longo da carreira, o presidente da Câmara acumulou controvérsias e polêmicas. Atualmente, trás no currículo denúncias que o ligam a escândalos tão diversos quanto os de corrupção e lavagem de dinheiro, deflagrados na Operação Lava-Jato, e a posse e venda ilegal de uma emissora de rádio no interior de Pernambuco, em sociedade com o ex-candidato a presidente da república Pastor Everaldo (PSC).

Hoje, na linha sucessória do Planalto, caso Dilma seja efetivamente afastada, três pemedebistas aguardam ansiosamente a operacionalização de seus direitos constitucionais de assumir a presidência: o vice, Michel Temer; o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha; e o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros. Será a terceira vez que um pemedebista chegará ao Planalto. Desde a redemocratização, nenhum outro partido emplacou mais presidentes da república que o PMDB (embora nenhum dos pemedebistas presidentes tenha sido eleito como titular da chapa). O PT encaixou dois chefes do executivo, Lula e Dilma; o PSDB elegeu e reelegeu FHC; e o nanico PRN, por seu turno, legou Fernando Collor.

Agindo como um grande bloco amorfo, sem posicionamento definido, instalando-se no poder sistematicamente ou retirando-se dele em momentos pontuais e oportunamente, para retomá-lo com mais força. Tem minado o debate de idéias, tem diluído os programas dos partidos, sejam de direita ou de esquerda.  Ao obrigar PT ou PSDB, ou quem quer que seja escolhido pela maioria dos eleitores, a ceder a uma matriz precipuamente fisiológica, calcada no aluguel de um apoio político sem o qual presidente nenhum consegue governar, o PMDB aproxima a todos, desloca os partidos e os eleitos de suas posições ideológicas originais em direção ao cume de um muro que redunda na mediocridade.

Os líderes dos partidos parecem não se aperceber que, jogando este jogo, permeados por chantagens e sabotagens, a classe política está contribuindo para a sua própria dilapidação, para a fermentação do cinismo político ao endossar o lema vulgar, mas cada vez mais aplicável, de que “todo político é igual”. Isso, pois, independentemente de quão acirrado for um pleito, já podemos apostar: o PMDB tratará de fincar a sua bandeira no poder. Tratará de homogeneizar as diferentes gestões, tratará de entulhá-las com as suas demandas, com os seus indicados, com os seus comissionados. E assim, é frustrante admitir, torna-se o construtor do Brasil pós-redemocratização: a república do pemedebismo.

*Tiago Eloy Zaidan é mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Pernambuco, coautor do livro Mídia, Movimentos Sociais e Direitos Humanos (organizado por Marco Mondaini, Ed. Universitária da UFPE, 2013) e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB).


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