Operação Lava Jato reflete fortalecimento da PF, dizem juristas

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Foto: Divulgação/Polícia Federal

Deflagrada em 17 de março pela Polícia Federal, a Operação Lava Jato é um marco no direito penal brasileiro. A investigação daquele que pode ser um dos maiores escândalos de corrupção da história do Brasil colocou atrás das grades diretores das maiores empreiteiras do País, envolvidos em um esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Os empresários são acusados de pagamento de propina a políticos de empresas estatais, com destaque para a Petrobras. Segundo o Ministério Público Federal, é possível afirmar que há pelo menos 15 anos o esquema criminoso atuava na estatal. A informação é do jornal O Estado de S. Paulo.

Para entender melhor a operação da PF, Brasileiros conversou com três juristas: Luiz Flávio Gomes, diretor-presidente do Instituto Avante Brasil, Pedro Estevam Serrano, advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP, Luiz Guilherme Arcaro Conci, professor de Direito Constitucional da PUC-SP. Leia abaixo as análises sobre a operação:

Brasileiros – Qual a importância da Operação Lava Jato?
Luiz Flávio Gomes: A operação é um marco divisor de águas do direito penal brasileiro porque os poderosos econômicos sempre foram tidos como acima da lei. De repente, eles estão na cadeia, estão sentindo o império da lei. Isso já tinha ocorrido na década de 40 nos Estados Unidos e o Brasil, com 70 anos de atraso, está fazendo agora.

Pedro Estavam Serrano: É a operação no campo do combate à corrupção mais importante que eu já ouvi falar no Brasil. Investiga grandes contratos e grande quantidade de lavagem de dinheiro envolvendo figuras importantes do meio empresarial e político.

Luis Guilherme Arcaro Conci: Trata-se de mais uma operação conduzida pela Polícia Federal. Todavia, aponta para um esquema de propinas sacadas de dinheiro público a partir de contratos principalmente com a Petrobras. Nessa última fase, chega a grandes figuras ligadas a importantes empresas, o que causa mais estupor e gera surpresas.

Brasileiros – Porque essas irregularidades, que acontecem pelo menos desde o governo FHC, estão aparecendo agora?
LFG: Por uma serie de fatores. Dentre eles, temos que considerar a autonomia da PF. A PF faz investigações de maneira autônoma. Isso é um fator que distingue a polícia brasileira da do resto da America latina. A PF fazia investigações esporádicas ate 2002. A partir de 2003, com Lula, ela passou a fazer, em média, 200 investigações por ano.  Aí começaram a aparecer todos os casos de corrupção.

PES: Porque agora é que se tem uma polícia com autonomia suficiente para fazer a investigação. Uma das características boas do governo Lula foi ter estabelecido um corpo policial com independência e boa remuneração para fazer o trabalho, o que não havia anteriormente. Outra razão é que agora é que foi pego. Não sei se havia corrupção no FHC, mas agora é que foi pego. Não pega todo mundo que comete crime.

LGAC: Inegavelmente, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal têm a cada dia mais liberdade para conduzir seus afazeres, o que demonstra o fortalecimento de tais instituições. Apesar de algumas más conduções, as instituições estão mais fortalecidas.  

Brasileiros – Houve irregularidades nos vazamentos que se deram em meio à campanha eleitoral?
LFG: Não houve irregularidade do ponto de vista legal. O que houve foi uma falta de cuidado do juiz porque estávamos em meio às eleições.

PES: Pode ter havido uma motivação política nos vazamentos ilegais. Houve uma conduta muito negativa dos agentes públicos que vazaram porque é crime e contraria os interesses da própria investigação.

LGAC: Sim, houve, pois tais questões estavam sob sigilo.

Brasileiros – Os vazamentos podem estar relacionados com o que foi revelado sobre a partidarização de agentes da PF?
LFG: Alguns policiais realmente se posicionaram em favor do Aécio. Isso é um absurdo porque a polícia é órgão de estado e não pode se meter na política. Foi um erro clamoroso. Não pode acontecer porque tira a credibilidade do próprio policial.

PES: Isso para mim é secundário. O que não estamos observando é que uma investigação envolvendo empresários e políticos dessa importância não pode vazar informações que prejudicam o interesse da própria investigação. Você previne os lobistas, os empresários e os políticos envolvidos. Tanto que houve lobista que fugiu e não foi cumprida a ordem de prisão porque estava há mais de um mês essa lista já tinha sido anunciada pela imprensa.  Acho inclusive que o governo tem assumido uma posição muito amena em relação a isso porque não pode ter vazamento de investigação. Se há a menor suspeita de que agentes policiais podem ter contribuído para o vazamento, tem que afastá-los da investigação. Já deveriam ter sido afastados. Pessoas podem ser presas por suspeita de atrapalhar uma investigação. Para o Estado, existe o principio da impessoalidade. Tanto faz o delegado da polícia ou agente policial encarregado pelo caso.

LGAC: Não é possível saber. É, sim, claro, que se tornou comum chegarem à imprensa informações acobertadas por sigilo. O problema é que no Brasil isso se tornou praxe.

Brasileiros – Você concorda com o sistema de delação premiada?
LFG: Eu sou favorável à delação, desde que feita rigorosamente dentro da lei. Não pode haver pressão, nem extorsão, nenhum tipo de coação contra o colaborador. Se ele faz tudo livremente, na presença de advogados, tudo é válido e é muito importante para o atual momento do Brasil. Estamos inaugurando uma nova forma de justiça no Brasil, do consenso, do acrdo, da delação, cópia do sistema americano.

PES: Não acho que seja em si uma forma de obtenção de prova inadequada. É uma forma útil, principalmente em condutas criminosas em caráter organizado. O crime organizado é geralmente composto por pessoas poderosas que vivem ou na marginalidade, como o traficante de droga, ou no empresarial, como o corruptor. A delação é útil para apurar esse tipo de envolvimento. Só que tem que ser tomada com cautela. O sujeito que faz uma delação premiada pode envolver indevidamente pessoas inocentes no meio de sua delação, pode mentir. Não deve ser vista como prova para condenar ninguém. Deve levar a outras provas que tragam consistência para condenar. É bom que exista a delação premiada, mas desde que ela seja considerada com cautela e nunca como prova isoladamente que leve sequer à denúncia de alguém. Delação é um mero indício, não prova.

LGAC: Sim, concordo. Trata-se de um meio eficiente para colher provas especialmente em esquemas em que há mais facilidade de escondê-las. Especialmente em crimes de colarinho branco, são eficientes. Mas devem ser muito bem conduzidas pelo Ministério Público, pois há risco de desvirtuamento político de seus fins.

Brasileiros – As prisões  de empresários que ocorreram nesses dias são um exagero ou estão dentro da lei?
LFG: Pela lei vigente, a prisão deles não é necessária. Porem, é preciso entender que está mudando tudo no Brasil. A prisão tem a finalidade de possibilitar a delação premiada. No novo contexto, a prisão é coerente. Pelo sistema antigo penal, não seria necessária.

PES: Havia empresários que se ofereceram para depor e foram presos temporariamente. A única função da prisão temporária é a pessoa não fugir. Não tem sentido se a pessoa se ofereceu. Convoca para depor. Prender as pessoas é algo muito radical, não pode ser banalizado. No Brasil, isso está se banalizando. As prisões cautelares estão sendo usadas como forma de punição antecipada. Isso é um atentado ao Estado de Direito, à presunção de inocência, aos valores fundamentais da vida democrática.

LGAC: Não penso que seja um exagero. Esgotadas as prisões cautelares, verifica-se se foram eficientes ou não, pois há grande risco, em esquemas como esses, de fuga de pessoas e de provas.

Brasileiros – A operação teria uma motivação política, de desestabilizar o governo?
LFG: Não concordo com a motivação política. Tudo está acontecendo porque a PF tem mais autonomia e é preciso investigar. Todos os partidos políticos estão envolvidos. O PSDB também, é que ainda não foi noticiado. Daqui a pouco será.

PES: Não acredito nisso. Sou muito crítico ao caso do Mensalão. Para mim é um caso “fake”, fabricado, sem consistência. Esse é correto, tem que ser investigado com profundidade, tem provas e pessoas importantes envolvidos. É um caso sério. Falar em golpismo é uma atitude inadequada porque esse caso é sério. Não dá para uma democracia conviver com um caso assim sem investigação.

LGAC: Seria mera especulação dizer que sim, pois a investigação é mais antiga que a própria campanha.

Brasileiros – O escândalo das construtoras reforça a necessidade do financiamento público de campanha?
LFG: Indiscutivelmente. Pelo fim do financiamento de campanha pelas empresas. Não tem mais moral nenhuma. Fim.

PES: Não tenho dúvidas disso. O financiamento público de campanha diminuiria dois problemas criminais grossos no Brasil: corrupção e Caixa 2, a lavagem de dinheiro. Corrupção sempre vai haver, mas diminuiria.

LGAC: Já existe um sistema misto de financiamento de campanhas (público e privado). E existem algumas modalidades de financiamento público possíveis. Na minha opinião, um sistema misto, que permita unicamente, no campo privado, a doação por pessoas físicas e não jurídicas, seria um grande avanço. Mas o grande problema desse jogo está no controle desses financiamentos. Imagine que mesmo com a limitação às pessoas físicas, se não houver controle, poderia tal dinheiro das empresas migrar para institutos ligados aos partidos (que não têm fins lucrativos) que por sua vez poderiam alavancar eventos, contratações, etc. Esse é apenas um exemplo, de tantos outros que podem minar uma reforma que pense unicamente nesse ponto e não na criação de mecanismos mais transparentes de prestação de contas.

 Brasileiros – A cobertura da imprensa pode prejudicar o processo? Os juízes são pressionados e influenciados por ela?
LFG: A grande maioria da imprensa tem preferência partidária. Não tem isenção para analisar tudo isso, ela se posiciona. A imprensa, no entanto, tem direito de fazer isso. O importante é que os leitores saibam qual mídia é partidária. É inevitável a influência da mídia nas decisões dos juízes. Eu tenho um livro sobre isso. A mídia interfere automaticamente. Pode ser que a mídia esteja defendendo algo positivo para o país. Mas se defenderem coisa ruim, os juízes fazem coisa ruim.

PES: Não é a cobertura que prejudica. O jornalista está no papel dele quando ele obtém informações e divulga. Quem erra é o agente político que divulga informações sigilosas. Houve um retorno a um passado ruim, que parecia que tinha acabado no Brasil, de espetacularização dessas operações. Investigação é séria, correta, mas a forma foi inadequeda. Foi transformada num espetáculo midiático e isso pode prejudicar as investigações.

LGAC: Se juízes ficam pressionados pela imprensa deveriam escolher outra profissão. Juízes, promotores e policiais que tenham sede de publicização de sua imagem não merecem deter o poder que lhes é conferido pelo Estado para o exercício de suas atribuições e competências. A cobertura da imprensa é parte do ambiente democrático e ocorre em todos os lugares do mundo, ao menos aqueles em que ela é livre. Livre, mas responsável, claro.

 


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