“Uma coisa irracional”, diz Bresser sobre o antipetismo

Bresser-Pereira recebe reportagem de Brasileiros em sua casa, em São Paulo. Foto: Luiza Sigulem
Bresser-Pereira recebe reportagem de Brasileiros em sua casa, em São Paulo. Foto: Luiza Sigulem

Um dos fundadores do PSDB, o economista e ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira não escondeu de ninguém a sua preferência pela reeleição de Dilma Rousseff. Ainda assim, não foram poucos os amigos que, no decorrer da última campanha, partiram do pressuposto de que ele compartilhava um sentimento bastante popular na classe social a qual pertence: uma “absoluta, total e definitiva rejeição ao PT, a Dilma e a tudo que ela significa”. Mais do que conservadorismo, ele percebeu em interlocutores um sentimento devastador.“Era ódio”.

Professor emérito de Economia, Teoria Política e Teoria Social da Fundação Getúlio Vargas, Bresser-Pereira acredita que o antipetismo aumentou graças às elites. “Elas têm meios através, fundamentalmente, da grande imprensa, de influenciar os outros”. Na sua opinião, a origem do problema está na relação desse segmento da sociedade com os 12 anos de governo do PT. “Quando um líder de esquerda é eleito, a reação da burguesia é de cooptá-lo. Nem Lula nem Dilma se mostraram cooptáveis.”

Aos 80 anos, Bresser-Pereira encarou um bate-volta internacional para votar no segundo turno. Viajou na quarta-feira para os Estados Unidos, para compromissos no Levy Economics Institute, em Annandale-on-Hudson. Voltou a São Paulo no sábado. Na melhor forma, como mostra a fotografia ao lado, foi à urna no domingo. “Votei na Dilma, mas dentro de um clima de respeito aos outros”, ressaltou. No dia seguinte, embarcou para viagem de mais de um mês, para proferir palestras e participar de workshops na Alemanha, Chipre, Itália e França.

Brasileiros – O Brasil saiu das urnas dividido, depois de uma campanha marcada pela intolerância, até mesmo pelo ódio. Como o senhor analisa esse momento?
Luiz Carlos Bresser-Pereira: São duas expressões muito significativas, o ódio e a intolerância. Percebi esse ódio já há algum tempo. De repente, amigos meus, pessoas que pertencem a minha classe social e são razoavelmente ricas, tinham uma atitude em relação ao PT e a Dilma que não se explica simplesmente pelo fato de eles serem conservadores e o PT de esquerda ou progressista. Era ódio, uma coisa absolutamente irracional. Essas pessoas falavam comigo a partir do pressuposto de que eu estava de acordo com eles na sua absoluta, total e definitiva rejeição ao PT, a Dilma, e a tudo que Dilma significa. Uma coisa que eu nunca tinha visto nas outras eleições.

Nem na campanha de 1989?
Não. A campanha de 1989 foi muito diferente. Houve uma reação do povo brasileiro, que estava indignado com o Plano Cruzado. O plano tinha acabado com a inflação durante um ano. Depois, fracassou. A inflação voltou com toda força, assim como o desemprego. Os salários, que haviam subido, caíram de volta.

A economia pesou nas urnas?
Todos os grandes líderes da transição democrática foram derrotados. Isso porque o Plano Cruzado havia surgido no meio do grande pacto que viabilizou a transição, a eleição da Assembleia Constituinte e a Constituição de 1988. O povo brasileiro culpou os líderes da transição democrática, a começar pelo doutor Ulysses Guimarães, passando por Lula, Mário Covas e Leonel Brizola.

Lula ainda chegou ao segundo turno.
Mas bem atrás do Collor. Essa eleição é outra coisa. Essa eleição é o resultado de 12 anos de governo do PT. Pela primeira vez na história, o Brasil tem um governo de esquerda, social-democrata-reformista, compatível com o capitalismo. Isso nunca aconteceu antes, a não ser que a gente diga que Getúlio Vargas, quando eleito em 1950, fosse de centro-esquerda.

Não dá para dizer que ele foi um líder de esquerda.
Não, de jeito nenhum. E agora é diferente. Quando um líder de esquerda é eleito, a reação da burguesia é de cooptá-lo. Há uma série de estratégias para cooptar o vencedor. Nem Lula nem Dilma se mostraram cooptáveis. Ambos fizeram um grande esforço para entrar em acordo com os empresários, especialmente com os industriais. Sabem que em uma sociedade capitalista não se governa sem os empresários. Eles têm o direito de veto sobre o País.

Como assim?
Quando os empresários ficam insatisfeitos, inseguros, eles param de investir e a economia entra em crise.

E a governabilidade?
O que caracteriza um partido social democrático é também ser um partido desenvolvimentista. Ele governa a partir de um pacto político. De um lado, envolve os trabalhadores, as novas classes médias e a burocracia pública. De outro, os empresários industriais, principalmente, e os empresários produtivos. Quem fica de fora? Os capitalistas rentistas, aqueles que vivem da aplicação de dinheiro, de aluguéis, de juros, de dividendos, e os financistas, que administram a riqueza deles. Tem ainda uma imensa classe média que também é rentista. É o conflito fundamental, e o PT compreendeu isso. O que aconteceu foi que, no governo da Dilma, esse acordo ruiu por causa das baixas taxas de crescimento. Ainda que Dilma procurasse de todas as maneiras apoiar os empresários industriais, eles também se viram em uma situação muito difícil. Isso facilitou a hegemonia do capitalismo financista e rentista, que domina hoje o mundo.

Análises como essa ainda surpreendem algumas pessoas, como o senhor contou antes. Qual a reação delas?
Dizia com toda clareza quais eram as minhas posições. Mais do que isso, ficava indignado. Ninguém tem o direito de pressupor o que penso nem de imaginar que, se alguém pensa de determinada forma, é um cretino, um inimigo da pátria. E era esse o clima que se formou entre a nossa burguesia. Você falou no começo que era um problema de intolerância. Tem toda razão. Nos séculos 16 e 17, durante as guerras de religião, os católicos eram profundamente intolerantes e mandavam pessoas para a fogueira. Os protestantes, Calvino especialmente, eram de uma intolerância absoluta. Quando chegamos ao século 18, o século do Iluminismo, defendeu-se com muita força a ideia da tolerância. De repente, eu me vejo no Brasil, no século 21, diante de uma situação de intolerância, algo muito surpreendente e triste.

O senhor passou por alguma situação desagradável?
Não, isso não. Senti a intolerância na surpresa, mas ninguém foi indelicado comigo. Também só tive contato com amigos que prezo muito. E os amigos mais próximos são os que fiz no colégio e na universidade, nos tempos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.

O que concluiu?
A tolerância é exatamente essa possibilidade de um liberalismo político. Com o passar dos anos, me tornei ainda mais fortemente crítico do liberalismo econômico, que distingo do liberalismo político. O liberalismo político, a garantia dos direitos civis, das liberdades, do Estado de Direito são conquistas da humanidade. A tolerância é uma ideia iluminista e, portanto, associada ao liberalismo político.

E o liberalismo econômico?
É profundamente ineficiente, porque não consegue coordenar um sistema econômico. Leva esse sistema a crises, uma atrás da outra, maiores e menores. Isso é o que define o capitalismo quando ele é liberal. Enquanto o desenvolvimentismo, quando bem administrado, evita essas crises, proporciona crescimento muito maior.

A que o senhor credita o recrudescimento da intolerância em pleno século 21?
Creio que foi mesmo o problema dos 12 anos de um partido de esquerda que não se deixou cooptar. É claro que houve o caso do Mensalão. Foi um grande erro de alguns líderes do PT, que raciocinaram, a meu ver, da seguinte maneira: “Sabemos que a lógica do capitalismo é corrupta. No Brasil, a forma de governar é comprando os deputados com cargos e emendas ao Orçamento. Então, tem um jeito mais fácil de fazer isso, conseguindo dinheiro e pagando direto aos parlamentares”. Isso foi feito. Um grande equívoco, no meu entender, uma grande burrice de um homem muito inteligente que é José Dirceu. As regras do jogo social e político não são tão simples assim. Comprar deputado com emenda, tudo bem. Comprar deputado com dinheiro, de jeito nenhum.

Com a emenda, o deputado atende o eleitorado dele.
Isso todos os governantes fizeram. O Sarney fez. O Collor fez. O Fernando Henrique fez. O Itamar Franco e o Lula também. Todos têm de fazer. Essa é uma condição inerente ao sistema atual. No Mensalão, houve o erro da compra direta. Depois desse erro, aconteceu um grande espetáculo circense, em que apareceu um juiz, a meu ver, muito pouco neutro, muito pouco equilibrado, que resolveu reinterpretar a lei.

O senhor está falando do ex-presidente do Supremo.
Joaquim Barbosa. Ele inventou uma jurisprudência nova, impôs penas muito altas. Tudo isso foi criando um clima de emoção. Era o Joaquim Barbosa apoiado pela imprensa.

Aguçou o antipetismo?
Aumentou porque existe uma classe dirigente, burguesa, com hegemonia ideológica. Ela tem meios, através da grande imprensa, de influenciar os outros. E por que a imprensa é sempre muito conservadora? A meu ver, é por causa de seu público. Quem lê os grandes jornais? É a classe média alta e os ricos. São mais ou menos 300 mil pessoas no Estado de São Paulo, em 35 milhões de habitantes. É uma minoria. E essa minoria é conservadora.

Eles se retroalimentam?
Exatamente. Por isso, qualquer que fosse o eleito, precisaria fazer o mesmo esforço para um grande entendimento. E entendimento se faz no centro. Não adianta querer fazer entendimento com mercado financeiro. Pela primeira vez na vida, vi um mercado financeiro reagir da forma que reagiu. Ele se tornou de tal forma interessado na eleição do candidato de direita que fazia baixar e subir as ações conforme o resultado das pesquisas.

O senhor nunca ti­n­ha visto o mercado fi­nan­ceiro agir dessa ma­­neira?
Desse jeito, nunca. O mercado financeiro é especulador por definição. Faz parte da lógica dele reagir. Mas dessa maneira tão primária? Era como dizer que, se Aécio fosse eleito, nós viveríamos no paraíso. Se Dilma fosse eleita, viveríamos no inferno. Uma tolice imensa. Nem uma coisa nem outra é verdade. E cada um tem direito a ter a sua preferência. Eu tenho as minhas. Votei na Dilma, mas dentro de um clima de respeito aos outros.

O que motivou a sua escolha?
É uma questão de coerência pessoal. Sempre fui um social democrata, ou seja, de centro-esquerda. E sempre fui desenvolvimentista. Ainda muito jovem, aprendi que a forma mais justa de desenvolver um país é fazer um acordo entre empresários e trabalhadores. Um acordo básico, excluindo os rentistas, os financistas, os especuladores e os interesses estrangeiros. O desenvolvimentismo implica em nacionalismo econômico. Essa sempre foi minha posição. Aos 20 anos, eu era do PDC, Partido Democrata Cristão, o partido dos católicos da JUC, a Juventude Universitária Católica. Naquela época, o PDC era um bom partido, tinha bons líderes, entre eles Franco Montoro.

Era um partido de centro-esquerda?
Era de centro, mas eu achava que era meio de esquerda. Em 1955, lendo os textos do ISEB (Instituto Superior de Estudos Sociais), aprendi sobre desenvolvimentismo, nacionalismo e industrialização. Nas eleições do mesmo ano, o PDC apoiou o candidato da UDN, Juarez Távora, em vez de Juscelino Kubitschek, que representava a industrialização, o desenvolvimento e o pacto nacional popular iniciado por Getúlio Vargas. Rompi com o partido.

Curioso, porque em 2011 o senhor rompeu com outro partido, o PSDB.
Fiz a mesma coisa. Foi um longo processo. Voltei a me interessar por política quando passei a apoiar o MDB, contra a ditadura. Em entendimento com Plínio de Arruda Sampaio, chegamos à conclusão de que precisávamos de um candidato a senador de esquerda. O melhor nome era o Fernando Henrique. Mais tarde, em 1988, fui um dos fundadores do PSDB. Como fundador, o que estava pressupondo? Que o PSDB era um partido social democrata de esquerda, de centro-esquerda. Portanto, estava ótimo. Mas eu me lembro bem de que Franco Montoro, que foi um grande líder político, não queria o nome Social Democracia.

Por que não?
Ele era democrata cristão e, na Europa, a Democracia Cristã se opunha à Social Democracia, ainda que o Montoro fosse bem mais à esquerda do que os democratas cristãos europeus. Então, enquanto assinava a ata de fundação do partido, pensei que poderia acontecer o mesmo que havia ocorrido na Europa, onde viraram à direita.

No momento da criação do PSDB?
Sim. Na hora que assinei a ata. Depois, o que me surpreendeu não foi isso acontecer, mas ocorrer tão depressa. O PT só se tornaria um partido social democrata quando, na campanha de 2002, Lula fez a Carta aos Brasileiros. Muito antes, nos oito anos do governo Fernando Henrique, fiquei extremamente surpreso quando, na maioria dos problemas, ele deu uma guinada muito forte para a direita.

Em termos de alianças partidárias ou decisões de governo?
As duas coisas. Foi uma aliança partidária à direita e a adoção de uma política econômica absolutamente ortodoxa, embora o Plano Real tivesse sido totalmente heterodoxo. Feito no governo Itamar Franco, o Plano Real aplicou a teoria da inflação inercial para acabar com a inflação.

E foi bem-sucedido.
Absolutamente bem-sucedido, porque aplicou uma teoria nova, que os ortodoxos não conheciam. Mas depois, quando começou o mandato Fernando Henrique, virou um governo neoliberal do ponto de vista econômico. Só não foi neoliberal do ponto de vista social. Acho que a influência de Ruth (a antropóloga Ruth Cardoso, então primeira-dama) foi importante, como também a de Vilmar Faria (sociólogo, assessor especial e FHC para a área social). Daí, o PSDB continuou sendo um partido que dá grande importância à educação e à saúde, apoia o aumento das despesas públicas nessas áreas, etc.

Esse é o custo.
De fato. Mas o PSDB também se revelou um partido que não tinha nenhuma identificação com a ideia de nação. Isso me surpreendeu muito. Durante todo o governo, eu fazia comentários ao Fernando, um homem da melhor qualidade, mas que mudou de posição. Ele era de esquerda e virou de direita. Moderada, nos dois casos. Eu fazia as minhas críticas e ele, sempre muito amável, ouvia, e ficava por isso mesmo.

A decisão de sair do PSDB se deu em que momento?
Foi um processo. Eu saí do governo, e como sempre fui político só quando convocado, nunca me candidatei a nada. Quando era governador, Mário Covas quis que eu me candidatasse a deputado federal. Pensei seriamente no assunto. Tinha recursos financeiros para me candidatar, mas concluí que seria melhor contribuir para o País como intelectual.

Ainda estava no PSDB.
Sim. Quando saí do governo, voltei para a vida acadêmica, mas não deixei de participar de nenhum evento do partido. Em certo momento, fiz um artigo a pedido da Presidência do PSDB. Tão crítico que não foi nem discutido. Depois, escrevi outros, mas a distância entre nós aumentava cada vez mais. Quando chegou 2010, na eleição da Dilma, eu já estava indignado com as posições direitistas dos economistas.

Foi quando decidiu sair do partido?
Tomei a decisão em meados de 2010. Surgiu então o problema de quando informar minha decisão, escrevendo um artigo. De um lado, não parecer um traidor, ao anunciar antes da eleição presidencial. Mas havia o problema de, avisando depois, e vencendo Dilma, parecer oportunista. Foi nesse quadro que a jornalista Maria Inês Nassif quis me entrevistar. Disse que só daria a entrevista depois das eleições. Afinal, foi publicada no Valor, em 4 de abril de 2011, com o título “Por uma Ideia de Nação”. Em seguida, no dia 18 de maio, saiu um artigo meu na Folha, “Adeus à Vida Partidária”. A história demorou quase um ano.

Qual foi a reação?
As pessoas me disseram que fui corajoso em fazer isso. Um pouco é verdade, porque posso ter perdido amigos. Não sei, espero não ter perdido amigos como Fernando Henrique. Vejo pouco, mas gosto muito dele. Aprendi muita coisa com ele e espero que ele tenha aprendido alguma coisinha comigo.
Em 2010, o senhor votou na Dilma?
Não, ainda era do partido. Votei no Serra. Eu me dava ao luxo de votar inclusive em candidato do PSOL para os cargos não majoritários. Mas, nos cargos majoritários, votei no PSDB até 2010, porque achava que tinha obrigação de votar.

Depois o senhor se filiou a outro partido?
Não. Naquele momento, eu já tinha 78 anos. Era época de aproveitar a minha independência. A sociedade precisa de pessoas que tenham compromissos ideológicos, mas independência partidária. Estar em um partido significa perder algumas liberdades.

Tanto que o senhor votou nos cargos majoritários no PSDB.
Até 2010. E fiz a contragosto, posso lhe garantir. Eu estava indignado. A campanha que José Serra fez foi muito feia, muito agressiva, de direita.

Dessa vez, também dominou a agressividade. Não se discutiu projeto.
Existe um mal-estar. As elites não têm nenhum projeto para o Brasil. Percebem que a situação econômica não é boa, mas não têm um bom diagnóstico nem uma receita para sair disso. Na campanha, o que Armínio Fraga ou Marina diziam é que a inflação era o maior problema do Brasil. Isso é ridículo. Eles pretendiam fazer um ajuste fiscal e ponto final. O projeto de Dilma é progressista e nacionalista.

O senhor não está otimista com o futuro imediato. Por quê?
Não vejo grandes perspectivas para o Brasil no futuro próximo. Nos últimos 14 anos, desde que saí do governo, desenvolvi uma teoria, chamada Novo Desenvolvimentismo. Nesse trabalho, a grande novidade é que a variável econômica mais importante para um país é a sua taxa de câmbio e o seu déficit ou superávit em conta-corrente. Não é a taxa de juros e o déficit público, como toda a macroeconomia heterodoxa ou ortodoxa pensa. A taxa de câmbio pode ficar sobreapreciada no longo prazo. Por outro lado, o Brasil está com a sua taxa de câmbio sobreapreciada desde 1990, 1991, quando deixou de ter uma política em relação à taxa de câmbio correta. Não vejo perspectivas de voltar a ter, porque não vejo disposição nem dos economistas e políticos ortodoxos, nem dos desenvolvimentistas meus amigos.

O programa de Dilma fala em busca de competitividade.
Ela foi a única que teve coragem para mexer com a taxa de câmbio, no começo do governo, seis meses depois que começou o governo para ser mais preciso. Ela iniciou uma corajosa redução da taxa de juros e, ao mesmo tempo, promoveu uma depreciação cambial de cerca de 20%. Era insuficiente, mas foi um ato corajoso.

Mas não teve continuidade.
Essa depreciação não era suficiente para tornar as empresas brasileiras competitivas. Por outro lado, a situação internacional estava piorando seriamente. A economia não reagiu com crescimento. Não veio o crescimento e a inflação aumentou um pouquinho. Aí o mercado financeiro começou a tocar a sua banda de música, a falar em PIBinho e em inflação explodindo. Foi uma pressão violenta. Vem também pressão de fora, como da revista The Economist.

A The Economist fez até capa defendendo a mudança do governo brasileiro.
É um grande sistema contra tudo o que for progressista. Dilma não teve alternativa senão retroceder. Minha esperança é que ela recuou, mas é boa de briga. Espero que tenha sido um recuo estratégico, que ela volte ao ataque.

Quais os principais desafios do Brasil hoje?
O desafio fundamental é voltar a investir mais. O Brasil investe 17% do PIB. Precisa investir 25% do PIB. Primeiro, é preciso que o Estado invista um pouco mais, que faça grandes investimentos em infraestrutura. Segundo, é preciso que o setor privado invista mais também. Como o setor privado investe mais? Quando tem oportunidades de investimentos lucrativas. É preciso ter demanda, interna e externa. Isso ajuda muito, mas é preciso também que haja acesso a demanda, que depende de a taxa de câmbio não estar apreciada no longo prazo. No final do governo Lula, tinha uma grande demanda. O mercado interno cresceu enormemente, graças ao aumento do preço das commodities e à distribuição de renda.

O que aconteceu com toda essa demanda?
Foi totalmente capturada pelas importações, porque as empresas industriais brasileiras, devido à taxa de câmbio apreciada, não tinham acesso ao nosso mercado interno.

O senhor já teve oportunidade de conversar com a própria presidenta sobre isso?
Não, nunca tive oportunidade. Ela nunca me convidou para conversar com ela. Acredito que ela entenderia o que estou falando.

No ato de apoio de intelectuais e artistas à candidatura Dilma, no Teatro Tuca, em São Paulo, o senhor foi uma das personalidades mais aplaudidas. Qual a sensação?
Fiquei feliz, é claro. Foi o aplauso mais extraordinário que tive na vida. Talvez um pouco exagerado da parte deles. Eu só tinha feito a minha obrigação.


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