Voltamos às Diretas Já

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Foto: Célio Azevedo

De uma forma perversa e inesperada, o Brasil estará, no próximo domingo, em situação semelhante à de 32 anos atrás, quando terminou em derrota a gigantesca campanha das Diretas Já.

No dia 25 de abril de 1984, uma quarta-feira, quando a emenda por eleições diretas foi derrubada no Congresso, teve início uma transição conservadora que pôs fim à ditadura iniciada em 1964 sem mexer no poder dos grupos beneficiados por ela. Foi uma mudança operada em nome do povo, mas sem voto.

Agora, depois de três décadas de democracia, o país é empurrado a uma aventura de bastidores mais perigosa. Nela, cidadãos contra e a favor do governo viraram espectadores e massa de manobra na votação do impeachment da presidente Dilma. Decide-se o futuro do país com o povo nas ruas, mas sem direito a voto.

Discute-se, na verdade, a cassação de 54 milhões de votos.

Há um padrão que se repete na história brasileira. Toda vez que existe uma ameaça de ruptura da ordem vigente – como ocorreu inesperadamente em junho de 2013 – arruma-se um jeito de retirar o poder das ruas e recolocá-lo em mãos seguras, como se fez em 1984 e se repete agora.

Foi em junho de 2013 que a instabilidade que o país vive agora teve início. Naquele momento, a turba que ameaçou invadir o Congresso foi calada com repressão e promessas, mas a crise prosseguiu, subterrânea. Aflorou novamente depois da eleição de Dilma – por força da crise econômica, da operação Lava Jato e da traição da presidente ao seu programa de campanha –  e segue entre nós até agora, com idas e vindas. É improvável que o impeachment consiga suprimi-la.

Somente os anti-petistas mais fanatizados podem se dar por satisfeitos com a possível condução de Michel Temer ao governo por votação desse Congresso de investigados que opera sob a batuta do deputado-réu Eduardo Cunha, a quem o procurador-geral da República chama de “delinquente”.

Se vier a ser presidente dessa forma sorrateira, depois de envolver-se pessoalmente na conspiração contra a sua parceira de chapa, Temer terá contra si, de acordo com as últimas pesquisas, ao menos 40% da opinião do país, incluindo aí todos os movimentos sociais, parte enorme dos sindicatos e dos intelectuais, e uma grande parcela da juventude, inconformada com o conservadorismo do grupo de Cunha e com o golpe contra a democracia que está sendo perpetrado por ele.

Nas manifestações públicas como as que ocorreram esta semana no Largo da Batata, em São Paulo, oradores costumeiramente moderados conclamavam os jovens a resistir e derrubar o governo ilegítimo que poderia ser instalado com a posse de Temer na presidência. Talvez seja apenas bravata, mas a mensagem está se repetindo em toda parte. A sensação é de profunda inconformidade.

Com intenções de voto que variam de 1 a 2%, sem carisma e sem histórica política fora das sombras, Temer não tem estatura pessoal e nem terá apoio popular para dirigir um país em turbulência política e econômica, onde uma larga parcela da população sequer o admite como presidente.

Ele contaria com o apoio inicial da imprensa e do mercado, mas isso talvez não seja suficiente. Sua base parlamentar é volátil como a de Dilma, ele não tem a aura dos votos para protegê-lo e a sublevação iniciada em junho de 2013 continua rosnando nas ruas, agora voltada contra ele, caso tome posse.

Em 1964, última vez que se removeu um presidente que tinha apoio popular, foi preciso o aparato militar de uma ditadura para recolocar ordem na casa. Agora, sem ditadura, é provável que recaia sobre as PMs estaduais o trabalho de garantir pela violência a nova ordem política criada por um impeachment. Não seria fácil e nem bonito, e há uma chance enorme de que não funcione. O pacto da democracia pressupõe legitimidade dos governantes. Na ausência dela, tudo é possível, menos a tranquilidade.

*Ivan Martins é jornalista, escritor e colunista do site da revista Época


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