30 anos sem John Fante

Fotos reprodução

Há exatos 30 anos o mundo literário perdeu um dos autores mais expressivos da produção romanesca norte-americana. Em 8 de maio de 1983, depois de sucumbir as complicações de um diabetes que, pouco antes, o havia deixado cego, John Fante morreu aos 74 anos. Autor de clássicos como Espere a Primavera Bandini (1938) e Pergunte ao Pó (1939), por meio de seu alter-ego, Arturo Bandini, Fante desfrutou de pouco êxito como escritor, enquanto vivo. Atuou, por décadas, como roteirista de filmes medianos em Hollywood, mas foi influência capital para a chamada beat generation – movimento literário norte-americano que agrupou nomes como Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William S. Burroughs – e escritores como Charles Bukowski, grande deflagrador de sua redescoberta, ao propor a reedição de seus títulos à editora Black Sparrow Press, no final dos anos 1970. Ao travar contato com a obra de Fante, qualquer leitor de Bukowski, perceberá que seu alter-ego, Henry Chinaski, é nitidamente inspirado em Bandini.

No Brasil, Fante é publicado pela José Olympio. Em homenagem aos 30 anos da morte do escritor, a editora acaba de anunciar o lançamento de três títulos inéditos. O primeiro deles, o romance A Irmandade da Uva (originalmente lançado como The Brotherhood of Grape, em 1977). Outros dois livros, ainda sem título em português, Dago Red (1940) e Full of Life (1952), também serão lançados em 2013.

O escritor e jornalista Gonçalo Junior, editor da Brasileiros e grande entusiasta da obra de Fante, assina a orelha de Irmandade da Uva e concedeu, com exclusividade para nosso portal, a íntegra da apresentação do livro. Leia abaixo:

Romance inédito no Brasil, A irmandade da uva (1977) é um livro extraordinário e pouco citado no conjunto da obra de John Fante (1909-1983). Escrito num momento em que lhe faltava a visão – no ano seguinte, ele ficaria completamente cego – e após um jejum de 25 anos sem lançar nada novo, esta narrativa mostra o escritor norte-americano em grande forma. É evidente a objetividade do roteirista de Hollywood para contar esta história. Mas aparece aqui também a densidade do romancista outsider, consagrado por Pergunte ao pó (1939), marco da moderna literatura norte-americana, precursor do movimento beatnik e que fez a cabeça de outro autor maldito, Charles Bukowski (1920-1994), que certa vez, disse que ele era seu “deus”.

Mais uma vez, Fante recorre às memórias para contar um mês na vida do escritor não tão famoso, Henry Molise, de 50 anos, que tem sua rotina interrompida por um telefonema do irmão mais novo, Mário, com uma notícia ruim: depois de 51 anos de casados, seus pais vão se divorciar. Para uma família católica italiana, claro, não podia haver tragédia maior. A Henry, como filho mais velho, cabe a missão de contornar a crise e não deixar ruir o frágil cordão que ainda une seu temperamental clã. Principalmente dialogar com o pai, Nick Molise, de 75 anos, alcoólatra, jogador compulsivo, péssimo marido e um sujeito de mal com a vida.

Henry se vê diante do desafio de atender à convocação de Nick para realizar seu último desejo, provar que ainda é o pedreiro da região. A apoiá-los, uma turma de veteranos unida pelo hábito de jogar cartas e beber um vinho famoso na cidade, o Ângelo Musso – daí o título do livro. A experiência do regresso e da viagem com o pai aproxima o narrador dos fantasmas do passado e o faz relembrar as dificuldades que enfrentou na juventude, quando desafiou o pai e saiu pelo mundo em busca de espaço para publicar suas histórias – uma passagem de fome e sofrimento que remete à história de Pergunte ao pó. Só então, nessa convivência intensa, os dois finalmente começam a se entender e a se respeitar.

Um humor irônico, muito próximo do surreal, permeia esta narrativa quase autobiográfica, tão real e próxima do leitor, carregada de sentimentos típicos do temperamento italiano. Fante trata de temas recorrentes em sua obra, como pobreza, religião e vida familiar, que mais parece uma comédia ácida de costumes. Aqui, ele não idealiza muito. Apenas dá vida a personagens encantadores, mais por seus defeitos e fracassos que por suas virtudes. Aos poucos, esta envolvente trama de autodescoberta arrebata pela densidade com que foi construída.

Do ponto de vista histórico, John Fante ressurge neste A irmandade da uva como um autor em plena forma e que faz pulsar a vida em suas páginas tão intensamente quanto em suas melhores obras.


Comments

2 respostas para “30 anos sem John Fante”

  1. legal o texto, mas olha, esse cara da foto não é o fante.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.