70 anos e mais de 1 milhão de mortos depois

Muro das Epidermutações -  Mosaico fotográfico com texturas das peles machucadas pela idade ou com as violências praticadas pelos nazistas em sobreviventes judeus - Foto: Marian Starosta
Muro das Epidermutações – Mosaico fotográfico com texturas das peles machucadas pela idade ou com as violências praticadas pelos nazistas em sobreviventes judeus – Foto: Marian Starosta

No dia 27 de janeiro de 1945, tropas do Exército soviético entraram no complexo de extermínio de Auschwitz, na Polônia ocupada pelos nazistas. Encontraram 7 mil sobreviventes famintos e 648 corpos. O Obersturmbannführer da SS, Rudolf Hoess, comandante do campo, testemunhou em Nuremberg, em 15 de abril de 1946, para o coronel John Amen, oficial de inteligência norte americano: ‘‘A ‘solução final’ para a questão judaica significava o completo extermínio de todos os judeus da Europa. Eu fui encarregado de estabelecer instalações para extermínio em Auschwitz em junho de 1941. Naquele momento já existiam três outros campos de extermínio: Belzec, Treblinka e Wolzek. Esses campos estavam sob o Einsatzkommando da SD, Sicherheitsdienst (a polícia de segurança da Gestapo). Visitei Treblinka para ver como era feito o trabalho de extermínio. O comandante do campo me disse que tinha liquida- do 80.000 no espaço de meio ano. Ele estava

preocupado principalmente em acabar com os judeus do gueto de Varsóvia e, para isso, usava gás monóxido. Eu não achava que seu método era eficiente, então, quando implantei o prédio para extermínio em Auschwitz, usei Cyklon B, acido prússico cristalizado, que despejávamos na câmara da morte através de uma pequena abertura. Sabíamos quando as pessoas tinham morrido quando cessavam os gritos. Esperávamos uma meia hora antes de abrir as portas e remover os corpos, em segui- da os nossos Kommandos Especiais tiravam os anéis e o ouro dos dentes’’.

Rudolf Hoess foi enforcado em 16 de abril de 1947.

Em Auschwitz morreram mais de um milhão de pessoas. Assassinadas. A maioria judeus. Alguns dos sobreviventes – de lá e de outros campos de extermínio – vieram para o Brasil.

A seguir, o relato e o trabalho da fotógrafa Marian Starosta, que conviveu com alguns deles. 

Certo dia, vi um aluno meu postar no Facebook uma foto do senhor Aleksander Laks, sobrevivente polonês que esteve durante cinco anos nos campos de concentração nazistas. O senhor Laks tinha ido à escola de meu aluno falar sobre suas experiências com o holocausto. Pedi o contato, pensando em fotografá-lo. Falamos ao telefone, marcamos um dia para a sessão de fotos, mas o senhor Laks estava com uma forte tosse. No dia marcado, quando liguei para confirmar, tive a triste notícia de que ele estava internado. Durante os nove dias em que ele esteve internado, mantive contato, até que em um domingo pela manhã, liguei e ele disse que estava entrando em casa, fui até lá e foi muito emocionante nosso primeiro encontro. Continuamos amigos e tivemos vários encontros para conversar, fotografar e gravar seus depoimentos.

Após esse episódio, me dei conta de que Davi, meu filho, então com 9 anos, não teria a sorte de ver os testemunhos vivos desses verdadeiros heróis. Isso me despertou o interesse em criar um inventário de imagens dos sobreviventes do holocausto no Brasil. Judeus, que depois de sobre- viverem aos campos nazistas, escoheram o Brasil para reconstruir as suas vidas. Pessoas que, hoje, após 70 anos, finalmente conseguem rela- tar o que viram e viveram.

A partir daí, teve início a série Viventes (2013-em processo), que está sendo construída de encontros com cada sobrevivente (hoje com idades entre 75 e 105 anos) que se dispõem a falar, posar e dividir o relato de algumas de suas traumáticas experiências. Além disso, a série mostra como essas pessoas vivem hoje no Brasil, pois as fotos estão sendo feitas em suas casas ou nos lares geriátricos, onde alguns moram. Já foram realizados registros no Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Paulo.

Desde a série denominada Mikvot (banhos de purificação dos judeus), iniciada em 2003, meu interesse tem sido os judeus e suas vidas, pois minha família veio da Europa e sou uma das netas do holocausto, fato que me leva a querer saber mais sobre as minhas origens.

Convivendo com essas pessoas reconheço minha tradição, minha história e, de alguma forma, produzo um inventário dos últimos sobreviventes no Brasil. Os momentos passados ao lado dos sobreviventes têm sido mui- to gratificantes, experiência única de compartilhamento e intimidade. Pessoas que lutaram para sobreviver e, hoje, se encontram, muitas vezes, bastante sozinhas.

De alguma forma, todos eles têm marcas pelo corpo, seja pelos mal- tratos dos kapos ou pelos avançados anos de vida. Com isso, está sendo montado um mosaico com texturas das peles (machucadas ou com os números tatuados de Auschwitz), denominado Muro das Epidermutações.

Também estão sendo gravados depoimentos em vídeo.

* Este trabalho foi apresentado para leitura de portfólio no Madalena Centro de Estudos da Imagem

 


Comentários

Uma resposta para “70 anos e mais de 1 milhão de mortos depois”

  1. Avatar de Karina Tatim
    Karina Tatim

    Querida Marian, fiquei profundamente emocionada ao ler sobre esse trabalho, é impossível não chorar pela dor de tantas vidas, uma dor que permanece nos corações de todos os seres humanos, mesmo os que pensam não sentir.

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