Na noite da última quinta-feira, dia 12, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a interrupção da gravidez em casos de fetos anencéfalos (sem cérebro) não pode ser considerada um aborto, portanto não é crime. Após dois dias de debate, oito ministros votaram para descriminalização do aborto em caso do feto anencéfalo, enquanto apenas dois foram contra. Para entender melhor o que significará esta decisão, a Brasileiros conversou com Thomaz Gollop, coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA), livre-docente em Genética Médica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor-adjunto de Ginecologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí.
Brasileiros – O que essa decisão representa para o Brasil?
Thomaz Gollop – O julgamento da ADPF-54 – Anencefalia surpreendeu pela profundidade com a qual a questão foi analisada. No voto do relator, ministro Marco Aurélio, ponderaram-se valores fundamentais como direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, autonomia, direitos humanos, dignidade das mulheres e laicidade do Estado. Portanto, enfatizaram-se questões muito importantes para a sociedade brasileira que vão além da discussão focada na anencefalia. Acima de tudo, é uma decisão que respeita as mulheres.
Brasileiros – Em sua opininião, por que demoramos tanto tempo para finalmente permitir que mães pudessem ter o direito do aborto em caso de anencefalia?
Gollop – Dada a profundidade das discussões e a reconhecida lentidão no processo de reformulação e alteração de leis no Brasil, foi este um caso que não fugiu a regra.
Brasileiros – O alto número de ministros que votaram pela discriminalização surpreendeu?
Gollop – Foi um resultado muito auspicioso e que respeitou as expectativas das mulheres, da sociedade civil, médicos, cientistas e psicólogos que lidam nesta e nas demais áreas do conhecimento. Logo após a votação foram feitas pesquisas que mostraram que a maioria da população apoiou a decisão do STF. Além disso, há uma pesquisa da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia – Febrasgo – mostrando que mais de 70% dos obstetras é favorável à autorização dada pelo STF. O que falta no Brasil é informação acessível à população. Fiquei impressionado ao ver, no decorrer deste processo prolongado até chegarmos no julgamento do Supremo, como muitas pessoas são desinformadas. Mas é preciso reconhecer que elas são ávidas por informação e nossa obrigação é fornecê-la de maneira clara e concisa.
Brasileiros – Qual será o procedimento que as mulheres grávidas de feto anencéfalo terão que tomar a partir de agora caso queiram usar o direito do aborto?
Gollop – É necessário um esclarecimento importante: há 23 anos foram concedidos alvarás judiciais autorizando interrupções de gestação em casos de anencefalia. Foram mais de 10 mil alvarás. Nunca se soube de uma mulher que, tendo obtido o alvará, tivesse ficado sem assistência médico-hospitalar. Assim o voto favorável do STF não modifica a realidade de atendimento que já vinha ocorrendo. Não estamos introduzindo um procedimento novo na rede de saúde. O que será feito, sim, é uma Norma Técnica através da Área Técnica da Saúde da Mulher do Ministério da Saúde que vai sistematizar o atendimento no país todo.
Brasileiros – Em sua opinião, a Igreja será mais flexível a respeito da questão, agora que a lei respaldou o aborto de fetos anencéfalos?
Gollop – Em hipótese alguma. Aliás, isto é compreensível, pois a Igreja tem dogmas cujo teor nunca está sujeito a ser discutido. A posição da Igreja deve ser respeitada. Não concordamos todavia com a pretensão dela em determinar que toda a população brasileira seja submetida a seus dogmas. Aliás repetidas vezes foi citado o conceito de laicidade do Estado durante o julgamento. Estado Laico significa que todas as religiões são respeitadas no País, assim como aqueles que não tê nenhuma. Entretanto não deve haver interferência de nenhuma religião em questões que dizem respeito ao Estado. Questões de Estado são públicas e questões de fé são privadas.
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