“A lei Rouanet deveria ser revista”

Em todo o mundo, a mulher dona de sua batuta continua sendo exceção. No exterior, as britânicas Jane Glover e Sian Edwards, a americana Marin Alsop, a venezuelana Rosa Briceño e a peruana Mina Maggiolo são algumas das poucas que se destacam. E, no Brasil, Érika Hindrikson, Mônica Giardini, Cibele Sabioni e Claudia Feres contrariam a mais machista das profissões. Poucas delas, porém, têm o sucesso de Ligia Amadio, há mais de 12 anos regente titular de uma orquestra. A maestrina comenta as diferenças entre homens e mulheres no pódio, os problemas financeiros das orquestras e as distorções nas leis de incentivo fiscal, que poderiam ser instrumentos mais eficazes para a captação de recursos para as orquestras.

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Brasileiros – Por que há tão poucas mulheres maestrinas no mundo?
Ligia Amadio –
Pela mesma razão que há poucas profissionais em carreiras consideradas masculinas. Além disso, a regência orquestral, assim como a política, ou a presidência de empresas, é uma posição que está relacionada à idéia de liderança e de poder, atributos considerados eminentemente masculinos. Deve haver diferenças determinadas pelas questões físicas e psicológicas. Como eu só conheço um lado da moeda, não saberia analisar essa questão. O que sei é que a competência que se requer de mulheres é ainda maior do que a que se requer no caso dos homens, porque elas têm de ser realmente merecedoras da posição que ocupam. Fora isso, as dificuldades enfrentadas são as mesmas.
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Brasileiros – Há quem considere o regente uma figura dispensável nos concertos, pois o trabalho mais duro é feito nos ensaios. Você concorda?
L.A. –
O concerto é o resultado do progresso realizado nos ensaios mais um plus de emoção, adrenalina, entrega, inspiração. A importância do regente durante os concertos é tão fundamental quanto nos ensaios. Ele é o agente catalisador que coloca em movimento e unifica a interpretação de todo um conjunto de artistas.

Brasileiros – Uma das queixas mais freqüentes das orquestras é a falta de recursos. Com a diminuição do público para a música de concerto, não há outras possibilidades para a orquestra além do mecenato estatal?
L.A. –
O maior aporte de orçamento das orquestras brasileiras provém do Estado. Isso se repete em todo o mundo, salvo exceções como os Estados Unidos, onde há a tradição do mecenato. A falta de público é conseqüência da falta de políticas culturais que visem essa área da cultura, principalmente no âmbito da educação. Com a volta do estudo obrigatório da música nas escolas em nosso País, essa situação poderá ser mudada radicalmente.

Brasileiros – As tentativas de aproximar as orquestras de patrocínios particulares no Brasil, mesmo por meio das leis de incentivo à cultura, mostraram-se ineficientes para as orquestras. Por quê?
L.A. –
Porque quando se entrega a responsabilidade de decisão de políticas culturais à iniciativa privada, como ocorre no caso das leis de incentivo à cultura de nosso País, gera-se um desastre. Dificilmente o interesse público coincide com o interesse privado. As empresas procuram patrocinar produtos que lhes dêem o maior retorno financeiro possível. Obviamente, vão associar-se a manifestações culturais que tenham maior impacto de massa. A pesquisa, a educação, a cultura refinada e a preservação da cultura popular e folclórica deveriam ser sempre preocupação do Estado. Não entendo como nosso Estado permite, como no caso do Cirque du Soleil e em tantos outros, que uma lei de incentivo à cultura desvie dinheiro que seria destinado a essas prioridades para favorecer um empreendimento comercial de alta lucratividade. Penso que a Lei Rouanet deveria ser escrupulosamente revista.

Brasileiros – Muitos jovens compositores aqui no Rio de Janeiro dizem que não escrevem para orquestra porque nunca veriam suas músicas executadas. Qual é a chance de uma música de um jovem artista ser tocada por uma sinfônica?
L.A. –
Essa queixa é pertinente, pois a maior parte das orquestras se preocupa unicamente em agradar ao público e não a educá-lo. Uma orquestra é um organismo muito caro e o risco de perder público pode ser um componente importante na hora da tomada de decisões.

Brasileiros – O repertório da OSN tem sido renovado ou a preferência continua pelos clássicos e românticos?
L.A. –
A Sinfônica Nacional tem como seus principais objetivos promover e difundir a música brasileira. Esse tem sido o motor propulsor de nossas atividades, ainda que não deixemos de fazer todo o repertório internacional, de estilo clássico, romântico e contemporâneo. Temos realizado uma série de gravações sobre a história da música brasileira – intitulada Música Brasileira no Tempo – para o MEC, em forma de CDs e DVDs, com a finalidade de serem distribuídos a todas as escolas públicas do território nacional. Além disso, temos feito turnês pelo País, divulgando a música brasileira, e temos prevista uma turnê internacional com o mesmo propósito.

Brasileiros – Quais são as vantagens e as desvantagens de estarem ligados a uma universidade?
L.A. –
Uma das vantagens é que ficamos em contato com a multidisciplinaridade característica de uma instituição dessa natureza. As desvantagens decorrem, pela mesma razão, por estarmos situados em um organismo com tantos interesses e preocupações, e o nosso é só mais um. Obviamente, a falta de recursos é um complicador imperioso.


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