GARÇON AMIGO

Em uma lanchonete, por volta de uma hora da manhã, observo o quase fim de expediente. São todos homens, elegantes com suas camisas branquíssimas, gravatas borboleta e aventais brancos na cintura. Perambulam por entre as mesas com um passo marcado e apressado. “Devem andar por este salão até de olhos fechados”, penso. Profissão partilhada também por mim, se torna um vício aos desavisados. Uma vez garçom, você nunca mais será o mesmo! Noites mal dormidas, noites não dormidas. Às vezes, por insônia, outras, por preocupação, e muitas, por festejos. O balé de linhas retas e passos apressados é hipnotizante.

É inacreditável como em um intervalo de menos de cinco minutos, eles servem águas e cervejas na mesa 5, levam os hambúrgueres na mesa 15, com uma menção de cabeça e um sorriso cortês, pedem um instante ao cliente mais aflito, levam o troco à mesa 8 e depois voltam para tirar o pedido da enorme mesa 10 e seus nove famintos comensais. Apesar das inúmeras grosserias que vez por outra os acometem – e um bom garçom nunca vai admitir que é acometido por elas -, eles voltam no dia seguinte, no mesmo horário, às vezes 15 minutos atrasados por causa do ônibus que demorou a passar (mas na verdade foi o filho que, com saudade do pai quase sempre ausente, principalmente aos sábados e domingos, fez aquele escândalo quando o viu calçando os lustrosos sapatos pretos), e vestem suas bem passadas camisas branquíssimas, abotoam suas elegantes gravatas borboleta, enlaçam seus aventais brancos na cintura e estão sempre ali, naquela sala para recebê-lo, alimentá-lo e, muitas vezes, mimá-lo. Sim mimá-lo, pois o bom garçom sabe como fazê-lo, sabe o que você gosta de beber, o que você gosta de comer e como gosta de comer. Sabe a mesa em que você prefere sentar, sabe que o seu filho não come nada com salsinha, e carinhosamente se despede de você no final da sua refeição. Cresci em restaurantes, vendo o corre-corre desses homens (a maioria desses profissionais ainda são homens). E como os presentes mais gostosos de receber são aqueles que ganhamos fora de datas instituídas, esse é meu presente aos tão queridos colegas de profissão, fora do dia 11 de agosto, quando é comemorado o dia do garçom!

O JEREZ DO SOL E DA BRISA

Sem dúvida nenhuma, o coração da indústria vinícola na região de Andaluzia há mais de dois mil anos é Jerez de la Frontera. Lá, são produzidas maravilhas de diferentes tipologias denominadas “xerez”. Um vinho fortificado com aguardente de uva, com teor alcoólico que varia entre 15,5% e 22%. E que, além de fortificado, sofre uma oxidação lenta e cuidadosa para aportar qualidades distintas aos diferentes estilos que possui. No sudoeste da Espanha, essa região banhada pelo mar possui um terreno formado por três tipos de solos: albariza, barro e arena. Tem como exclusividade plantações de uvas brancas (Moscatel, Palomino e Pedro Ximénez). O xerez varia do seco ao doce. É elaborado com vinhos de diferentes safras e amadurecido de maneira especial e complexa, por um sistema chamado solera. No sistema de solera, de forma simplificada, os barris mais velhos são preenchidos com um vinho mais novo do mesmo tipo e assim sucessivamente para evitar variações.
O xerez se divide em duas categorias: Fino e Oloroso. Dentro dessas categorias, temos os sete diferentes estilos de xerez. Nos Finos, encontramos
o Manzanilla, o Fino, o Amontillado e o Palo Cortado, que possuem mais leveza e frescor, são mais secos e vivos. Os da categoria Oloroso são mais encorpados, com sabores e aromas amendoados e, às vezes, são doces de doer os dentes. São eles: Oloroso, Cream Sherry e Pedro Ximénez. Esse vinho, tão versátil e de estilos tão diferentes, permite ser apreciado em situações extremamente diversas. O do tipo Fino, com um belo prato de mariscos, faz explodir toda a salinidade da combinação, enquanto o dulcíssimo Pedro Ximénez casa de maneira exata e quase sensual com uma sobremesa de chocolate. Beber uma taça de xerez é viajar pela Espanha em um só gole, sentindo o sol dos dias quentes e a brisa das noites frescas de um país de música, comida e histórias fascinantes!

*Gabriela Monteleone é graduada em Gastronomia, com especialização em Enogastronomia, e maître-sommelier do restaurante Gero, em São Paulo.

BEBIDAS – Edição 39


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