Beijo, abraço ou salada mista?

A mentalidade está mesmo mudando em relação à homossexualidade? Para se chegar a uma resposta – ou próxima a ela -, a Brasileiros resolveu ouvir a nova geração. Reunimos um grupo com dez adolescentes, entre 13 e 17 anos, metade de uma instituição particular e a outra, da rede pública de ensino, para um bate-papo franco sobre homossexualidade. Seus nomes verdadeiros, assim como a escola em que estudam, foram preservados, a fim de que se sentissem à vontade para falar.

A mesa redonda estava marcada para as 14 horas na escola particular, e os alunos da escola pública, um pouco tímidos, começaram a chegar. No entanto, depois que todos estavam reunidos em uma das salas de aula, o acanhamento inicial foi passando.

Durante a conversa, como era de se esperar, as opiniões se chocaram diversas vezes. Alguns tinham um discurso politicamente correto que, no entanto, se desfez ao longo do debate. Outros mostravam encarar o assunto com mais naturalidade. Mas algo unia a todos: o modo como falam sobre sexualidade, sem nenhum pudor.

“Tem muita menina que se beija, já vi amigas que se beijaram só para ver se a outra beijava bem”, afirmou Karina, de 17 anos. O assunto, levantado por ela, parece ser natural, corriqueiro, nessa faixa etária. “Algumas fazem para aparecer. Acabam se beijando para se mostrar”, comentou Matheus, de 16 anos, apoiado por seu colega, Ronaldo, da mesma idade, que disse se tratar de “moda”. Alice, de 16 anos, entrou na conversa e afirmou que a maioria dos homens tem fetiche por mulheres que se envolvem com outras mulheres.

E os homens, podem? Não, eles não podem! Aparentemente liberais, a maioria se transformou quando o relacionamento entre dois homens entrou em pauta. “Acho que, quando um menino é gay, ele fica mais marcado do que a menina. Ele ganha um rótulo”, analisou Bruna, de 14 anos, que citou o caso de um menino que se assumiu homossexual em sua escola e sofre até hoje com preconceito de boa parte dos colegas. Matheus concordou que, se isso acontecesse só de “brincadeira”, na experimentação, todos acabariam, nas palavras dele, “caindo em cima”.

Falando sobre um hipotético relacionamento heterossexual com uma pessoa que já tenha tido uma relação com alguém de mesmo sexo, pela primeira vez, genericamente, os homens se mostraram mais flexíveis que as mulheres, porém, motivados pelo machismo excessivo. “Uma menina nunca iria beijar um menino que já beijou outro”, afirmou Karina.

O curioso é que a grande maioria falava em terceira pessoa – e nunca em primeira – quando recriminava uma atitude considerada errada para o senso comum. “Tem menino que…” e “Elas fazem…” Foram as frases mais mencionadas. Foi quando, questionados sobre o que fariam se o homossexual fosse seu melhor amigo, seu pai ou sua mãe, que cada um começou a se revelar.

“Se fosse pai de um amigo, eu acharia normal. Mas se fosse meu pai, eu não ia gostar nem um pouco”, comentou Ronaldo. Coincidência ou não, o jovem respondeu de maneira muito semelhante quando questionado sobre a reação de seu pai se ele, hipoteticamente, se revelasse homossexual. “Meu pai não tem problema nenhum com gays, mas ele não gostaria que acontecesse com um filho seu.” Sentado a seu lado, Matheus reforçou o coro ambíguo. “Eu ia continuar a gostar do meu pai, mas não aceitaria sair com ele e o namorado.”

Enquanto isso, a maioria das meninas iria contra o que estava sendo dito, inclusive uma delas, Bruna, afirmou que ficaria até chateada se os pais não confiassem essa revelação a ela. Quieto em um canto, sem muito se manifestar, Leandro resolveu, sob alguns olhares surpresos, revelar que já viveu essa experiência na pele. “Para mim, sempre foi normal. Quando meus pais se separaram, minha mãe começou a sair com mulheres e eu sempre soube disso. Nunca me importei.” Bem resolvido com a situação, Leandro estava aberto para conversar, porém, o assunto fora da teoria e levado à realidade pareceu assustar o grupo.

A fim de transpor uma barreira que talvez impedisse respostas mais francas e atiçar o debate, um de nossos repórteres resolveu contar uma história pessoal. “Quando estava no 1o colegial, um amigo resolveu se assumir e confesso que não soube muito bem como reagir. E vocês, aceitariam sem problemas?” “Primeiro, eu iria rever tudo que eu já fiz com esse amigo e, só de encostar nele, eu já iria achar que era uma coisa estranha. Vai saber como ele vai reagir a isso?”, começou Matheus. Nesse assunto, até algumas meninas se mostraram receosas, como foi o caso de Karina, que disse manter a amizade, porém, iria ser mais reservada com certas intimidades, como se trocar ou tomar banho em frente à “amiga diferente”. Teve até quem foi ainda mais radical. “Eu não tenho vontade, por exemplo, de ir a uma balada gay. Por que iria continuar amigo dele?”, confessou Ronaldo. Bruna pediu a palavra e tocou em um ponto que, às vezes, acaba sendo a triste realidade. “Acontece que os meninos também têm medo de serem tachados de gays só porque têm um amigo que é”. Matheus comentou: “Acho que um dos problemas é que o que aparece na TV são os extremos. Ou é o Bolsonaro ou é o Clodovil. Ou você é um hétero que odeia gay ou você é gay que fala afeminado, rebola e é estilista.”

Embora seja uma pequena amostra – dez jovens apenas -, o grupo parece refletir a forma de pensamento dominante na atualidade. O conceito de “dois pesos, duas medidas” ainda é aplicado quando se trata de homessexualidade no Brasil. A boa notícia é que existe abertura para o diálogo.

O assunto não é mais tabu. Ele é colocado na mesa, e existe a liberdade para se mudar de opinião. A complexa cabeça dos jovens pode ser sintetizada em um verso do eterno adolescente Raul Seixas: “Eu prefiro ser uma metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo“.

*Os jornalistas, repórteres do site da Brasileiros, não estão muito longe da geração entrevistada. Têm, respectivamente, 22 e 24 anos.


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