Crítica – O poema infinito de Wlademir Dias-Pino

"Enciclopédia Visual", Wlademir Dias-Pino
“Enciclopédia Visual”, Wlademir Dias-Pino


Em 1957
, quando houve a itinerância da Exposição Nacional de Arte Concreta (1956) da capital paulista para o Rio de Janeiro, os 700 mil exemplares da revista O Cruzeiro circularam com a seguinte chamada no texto sobre a mostra: “O Rock’n’Roll da Poesia”. Segundo o próprio poetartista Wlademir Dias-Pino, trata-se do documento mais importante do Concretismo no Brasil – em 1956 e 1957 não havia manifesto da poesia concreta. Ao lado de Ferreira Gullar e dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, a poesia de Dias-Pino é destacada, pois “chega ao ponto da eliminação do alfabeto, que é substituído por lugares geométricos, formas e cores”. Radical desestabilização, a palavra não era mais o ponto central do poema. Em suas análises, Dias-Pino friccionou as crenças de seus próprios pares, como Décio Pignatari, ao criar seus textos, imagens e formas a partir de um sistema lógico próprio e complexo, pela formação de um contraestilo que revoga o sentido em nome da investigação da estrutura. Questões fundamentais à poesia de Dias-Pino reiteram seu caráter fundador também para o terreno poético das artes visuais, com reflexões acerca da materialidade e da participação ativa do leitor.

A estratégia do curador Evandro Salles para a exposição O Poema Infinito de Wlademir Dias-Pino no Museu de Arte do Rio (MAR) tem o mérito de reconhecer a poesia como um sistema de programação visual – com especial orientação para a forma. De maneira eficaz, a exposição lida com a complexidade da produção poética de Dias-Pino a partir de quatro poemas do próprio autor. Se em O Dia da Cidade (1946) Dias-Pino conecta versos a linhas – e toma Cuiabá como centro geodésico da América do Sul, revogando o universo formal das cartografias –, uma mesma vontade de fruição pode ser notada no espaço. Em Ave, o movimento do autorartista é o da superposição de leituras através da transparência de seu suporte, a página, e dos furos que provoca nela. Solida investiga as possibilidades de interpretação da forma através da retirada de elementos que fazem o sentido primeiro da palavra aparecer: nem sólida nem solidão, solida é uma investigação também do acento como sinal gráfico, para além da modulação sonora que provoca no leitor. Em Solida, o ineditismo de Dias-Pino – inventor do poema semiótico – fica claro nas próprias palavras do artista: “Descobri uma outra coisa importante: o alfabeto era muito mais interessante como combinação matemática do que os próprios números da matemática. Isto porque a matemática tinha por base nove números, mas o alfabeto tinha 26 letras.” Ao expandir o sistema por trás de “Numéricos”, revela-se a complexidade em torno da produção de Wlademir: não se trata de uma iluminação do poeta, mas de sua capacidade de gerar poesia por meio de cálculos aritméticos.

A produção de Wlademir Dias-Pino ganha, em 2016, uma outra mirada na 32ª edição da Bienal de São Paulo. O tema Incerteza Viva desta edição poderia também fazer menção à forma despreocupada com que o poeta lida com a autoria. Em sua primeira participação na Bienal de São Paulo (1977,) o artista propôs a espacialização de Solida em três dimensões: convidou os membros do movimento a colar poemas em sua obra ou pregar cartazes de universidades nas esculturas, tornando seu poema suporte dos poemas/processo de outros participantes.

A partir da incursão pelo pensamento poético e de sua investigação formal, é possível compreender então a poesia como um sistema visual. Pensar nos desdobramentos de uma fronteira – seja poesia, seja pintura – é pensar na sua expansão. Na poesia de Dias-Pino, o procedimento inventivo é feito a partir de questões e elementos relativos à própria poesia. Poema expandido. Poema reprojetado. Poema reencarnado.Poema ampliado. Mas também evidenciam o borramento entre as fronteiras, o esgotamento dos campos e a pluralidade das práticas.


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