Donald John Trump foi eleito, no dia 8 de novembro, o 45º presidente dos Estados Unidos da América. Aos 70 anos de idade, ele é a pessoa mais velha a ganhar o cargo. A jornada desse triunfo se deu por dois caminhos: Inferno e Paraíso. Na primeira porção, o candidato, tanto a nomeação pelo Partido Republicano, quanto a disputa contra a democrata Hillary Clinton, angariou o repúdio da elite política, econômica e militar da nação devido ao discurso ultraofensivo, as ideias esdrúxulas, os escândalos envolvendo sua vida pregressa e a total ausência de esclarecimentos sobre seus planos.
Nesse percurso, ele esteve atrás nas pesquisas de opinião e, até a abertura das urnas, nem agregadores de estatística nem analistas independentes acreditavam em sua vitória. Na verdade, nem mesmo os membros de seu staff apostavam em bons resultados. Até que veio o Éden: 290 delegados no Colégio Eleitoral (20 a mais do que o número necessário para a consagração), contra 232 de sua rival.
Dizer que o resultado foi uma surpresa seria minimizar um drama de proporções globais. Até o dia das votações a média das pesquisas dava a Hillary entre 3% e 4% de vantagem. O diário The New York Times imprimiu que a democrata tinha 95% de chances de vencer a corrida e outros veículos da mídia chegaram a apostar em 99%. Antes da uma da manhã do dia 9, o planeta estremeceria com a revelação do novo líder da maior potência. Era como se Calígula houvesse tomado novamente o trono do Império.
Antes da meia-noite o mercado futuro na Bolsa de Valores de Nova York já havia caído 800 pontos, mas a sangria parou nesse patamar. Ao final do pregão daquele dia, o índice Dow Jones subiu para 256.95 (apenas 50 pontos a menos do recorde). O restante dos mercados de ações seguiu a escalada.
Não que isso tivesse qualquer importância para os milhões de eleitores do milionário nova-iorquino. Esses saíram dos grotões mais obscuros da nação: locais onde os pesquisadores de opinião não vão. Aliás, Washington e as elites das duas costas americanas não davam a mínima para as opiniões dessa gente. São, na maioria, cidadãos brancos, sem diploma superior (ou sem diploma algum), além de subempregados ou simplesmente desempregados, nostálgicos de eras passadas que, na verdade, só existem na imaginação deles e de Hollywood.
Querem de volta empregos que não retornarão, vítimas da economia globalizada e, especialmente, dos avanços tecnológicos que cada vez mais tornam as pessoas dispensáveis. São agora cidadãos sem cidadania. Apavorados com mudanças radicais nos valores considerados ideais nacionais e com o influxo de imigrantes com outras pigmentações de pele e costumes nada ortodoxos.
Donald Trump canalizou de modo estupendo essas inseguranças e os desejos de reversão no tempo. Um tempo onde quem gritava mais alto era o povo caucasiano. Vendedor astuto, ele usou a linguagem da tribo: aquilo que é considerado “politicamente incorreto”. Nenhum escândalo ou malcriação foi capaz de abalá-lo. Deu-lhe, diga-se, força.
Nem mesmo quando foi ouvido afirmando, numa gravação acidental, que atacava mulheres por ser famoso, agarrando-as pela genitália. Ação comprovada por uma dúzia de mulheres que se dizem suas vítimas. O diário canadense Toronto Star publicou uma lista de quase 500 ofensas diversas proferidas pelo republicano durante a campanha. Uma única delas teria derrubado outros candidatos imediatamente. Mas “Teflon Don” saiu-se incólume da verborragia e, como disse no Estado de Iowa, em fevereiro último, poderia ter aparecido na Quinta Avenida de Manhattan – onde está seu quartel-general e residência na Trump Tower – e matado alguém diante da multidão. Os eleitores, garantiu, continuariam apoiando sua jornada rumo à Casa Branca.
Hillary Clinton contou com seu exército de latinos (que bateram recorde de votação), afro-americanos (que não compareceram como se desejava) e mulheres (as republicanas engoliram o orgulho ferido pelas ofensas várias do misógino Donald e “voltaram para casa”: o Partido Republicano). Feitas as contas, os Estados Unidos da América ainda são um país onde quem manda são os brancos, ainda que estes sejam pouco educados.
Nem todos esses brancos são boa gente, pessoas com quem seria um prazer tomar uma cervejinha num bar. Trump recebeu entusiasmado apoio de grupos segregacionistas, neonazistas e membros da direita ultrarradical do país. Repudiou o suporte do editorial do jornal Crusader, órgão oficial da Ku Klux Klan, mas, claro, aceitou seus votos e o trabalho voluntário de um exército de membros dessa velha organização racista.
Fez mais: chamou para seu comitê de campanha gente do porte de Steve Bannon, ex-editor do site ultradireitista Breibart News. O homem é considerado Belzebu por todos aqueles que estão à esquerda de Mussolini – e Bannon foi nomeado estrategista chefe e conselheiro sênior. Junto, desde antes da campanha, estava o velho amigo Roger Stone – sem vínculos empregatícios, mas com voz ativa, um velho conspirativo que, desde os tempos de Richard Nixon, inventa histórias fantasiosas sobre democratas ou diversos órgãos e pessoas que compõem sua absurda relação de inimigos. A lista dos agregados da campanha Trump é enorme e inclui alguns dos maiores paranoicos (medicamente diagnosticados) dos Estados Unidos.
Há também os cães de ataque que são nomes mais conhecidos da política americana, já capengas e cuja única chance de voltar à ribalta seria mesmo embarcar no encouraçado Trump. Caso do ex-prefeito nova-iorquino Rudy Giuliani, que cuspiu fogo durante dez meses defendendo seu chefe e amigo e, hoje, é cotado para cargo graúdo no governo (quem sabe diretor da CIA). Ou Newt Gingrich, ex-presidente da Câmara, que navegava na lama pegajosa dos programas de análises políticas das TVs a cabo. Irá para algum posto ministerial, depois de ter sido escanteado na disputa pela vice-presidência.
E tem também o governador de Nova Jersey, Chris Christie: um homem que está sob suspeita de ter ordenado a interrupção do fluxo de veículos na ponte George Washington somente para se vingar do prefeito democrata do município de Fort Lee que não quis apoiá-lo na corrida pela reeleição. Existem sérias possibilidades de que a investigação sobre o caso – que já condenou três de seus assessores diretos – se estenda ao governador também. Um cargo de Attorney General (ministro da Justiça) o livraria dessa encrenca. Como ele é ex-promotor federal, o posto lhe serviria como uma luva.
As especulações sobre os ministeriáveis são muitas, é claro, mas os pesos-pesados em elaboração de planos de governo, por enquanto, estão fora: uma incógnita que traz calafrios. Por isso e pela imprevisibilidade de Trump, quem se atrever a antecipar minimamente seu governo estará falando daquilo que não sabe. “Nem Trump sabe como será seu governo e o que fará a partir de janeiro”, disse à Brasileiros o deputado nova-iorquino Peter King, que, diga-se, é apoiador de primeira hora do novo presidente.
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