Rir para não chorar

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 Em meio à polarização do eleitora­do, aos escândalos bilaterais e aos vilipêndios recíprocos, a balbúrdia que tomou conta da reta final da sucessão presidencial nos Estados Unidos deixou boa parte dos norte-americanos em um misto de ansiedade e tensão.

Para milhões deles, desde o início das prévias de republicanos e democratas, válvula de escape das mais eficazes tem sido assistir aos episódios semanais do televisivo Saturday Night Live para conferir os impagáveis esquetes cômicos protagonizados pelo ator Alec Baldwin e pela atriz e comediante Kate McKinnon, respectivamente travestidos de Donald Trump e Hillary Clinton.

Desde 8 de outubro último, quando incorporou, de forma hilária e fidedigna, os trejeitos do bilionário que assumirá em janeiro de 2017 o comando da maior potência mundial, Baldwin, de cabelos dourados e rosto grotescamente alaranjado, tem superado seus antecessores, Darrell Hammond e Taran Killam, na missão de fazer rir ao replicar os maneirismos do candidato republicano e reproduzir o arsenal de declarações xenófobas, misóginas e intolerantes de Donald Trump, expressas com uso recorrente de contorcionismos labiais e o famigerado indicador da mão direita em riste.

Classificada pelo republicano em sua página oficial no Twitter como “sem graça” e “irritante”, a imitação de Baldwin “fedia”, nas palavras do magnata, e não passava de uma tentativa da grande mídia de manipular a opinião pública para influenciar o resultado das eleições presidenciais. Em resposta, Baldwin provocou: “Na verdade, Trump é o roteirista de sua própria série de comédia. Todo o material que usamos, foi ele mesmo que nos deu”.

No dia 8 deste mês de novembro, que antecedeu o resultado final das eleições, em entrevista ao programa The Brian Lehrer Show, da rádio WNYC’s, Baldwin falou sobre a efusiva reação popular à caricatura de Trump: “Chega a ser inquietante, para mim, a quantidade de pessoas que todos os dias me agradecem porque precisavam de algo para rir, precisavam de uma libertação”.

Cético sobre a vitória do republicano, na entrevista o ator também fez prognósticos para o personagem: “Espero que isso chegue ao fim, mas, se ele vencer, imagino que haverá a oportunidade de continuar”.

Ainda na véspera do resultado, horas depois de ser entrevistado por Brian Leher e no comando de seu talk-show, Here’s The Thing, Baldwin foi questionado por Michael Stipe sobre um possível efeito reverso da paródia. “É sátira, é feita brilhantemente, mas pode funcionar como publicidade.” O ator não discordou do ex-líder da banda R.E.M., seu convidado naquela noite, mas ponderou. “Eu não o odeio, ele só não é alguém que eu admire. Imitar alguém que você admira é mais fácil. Mas acho que fomos sortudos, porque as pessoas estavam prontas para aceitar essa versão agressiva de Trump.”  

Celeiro de talentos criado em 1975 pelo humorista Lorne Michaels, o Saturday Night Live foi ao ar em outubro daquele ano e consagrou-se como um dos programas de TV mais amados pelo público norte-americano. Ao longo de quatro décadas, teve dezenas de apresentadores e revelou talentos como Dan Aykroyd e John Belushi, protagonistas do esquete cômico-musical que originou o longa-metragem The Blues Brothers (no Brasil, Os Irmãos Cara-de-Pau), Chevy Chase, responsável por impagáveis paródias de George W. Bush, os atores Bill Murray e Eddie Murphy, e a dupla de nerds metaleiros Mike Myers e Adam Sandler, protagonistas do fictício programa de TV a cabo Wayne’s World, do filme homônimo. Outro grande imitador de Donald Trump, o apresentador Jimmy Fallon, que passou os últimos meses alfinetando a verborragia inconsequente do republicano, também surgiu no Saturday Night Live.

No último dia 19, uma semana após a vitória de Trump, Baldwin voltou a imitar o republicano (os esquetes podem ser vistos no canal do YouTube do SNL). A reprovação do bilionário foi novamente expressa no Twitter. “Assisti trechos do SNL da noite de ontem. Um show parcial e nenhum pouco engraçado. Tempo igual para nós?”, questionou. Como resposta, Baldwin afirmou o que faria se estivesse no lugar do parodiado. “Assumiria compromissos que encorajem as pessoas, e não que gerem medo e dúvida. Se quiser mais conselhos, me ligue”, provocou o ator.

Aos desafetos de Trump resta torcer para que Baldwin continue a invadir a transmissão televisiva para, com doses generosas de bom humor, redimi-los da amargura dos próximos quatro anos. Rir para não chorar.


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