Dois anos de neoliberalismo no poder: da recessão à depressão

Este texto faz parte do especial 2017 x 24 – visões, previsões, medos e esperanças da edição número 113 da Revista Brasileiros, onde articulistas e colaboradores foram convidados a pensarem sobre o que e o quanto podemos esperar – se é que podemos – para nosso País no próximo ano.  

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Neste mês de dezembro, comemoram-se dois anos de vigência da ideologia neoliberal/ortodoxa no comando da economia brasileira. Foi no final de novembro de 2014 que Dilma, após ter vencido a eleição com um discurso de aumento de investimentos sociais e produtivos, sucumbiu às pressões políticas e decidiu nomear Joaquim Levy como ministro da Fazenda. Desde então, a ideologia neoliberal implantou seu “projeto de país”, promovendo ajustes recessivos, cortes em gastos sociais e investimentos, aumento de juros, liberalização dos preços e contenção do crédito. O resultado de uma política contracionista aplicada a uma economia estagnada não podia ser diferente: recessão e, após longa persistência na aplicação do “amargo remédio” ortodoxo, depressão econômica.

O argumento neoliberal joga a culpa do mau desempenho da economia verificado nos últimos anos na condução da política econômica do período anterior, comandada por Guido Mantega, que ficou conhecida como “Nova Matriz Econômica”. Segundo os liberais, foi a adoção puramente ideológica de um projeto de desenvolvimento econômico “heterodoxo” (curiosamente defendido com unhas e dentes pela Fiesp e CNI durante muitos anos) que trouxe a economia para a situação atual.

O problema é que a conta não fecha: há dois anos, o discurso liberal era o mesmo e a promessa era de que, uma vez revertidas as políticas “irresponsáveis” de Mantega, a confiança retornaria e, com ela, o crescimento econômico e o emprego. Como algumas religiões que prometem o paraíso para aqueles que realizarem um árduo sacrifício, os economistas liberais admitiam que as medidas adotadas poderiam gerar uma “pequena recessão”, mas garantiam o paraíso do crescimento econômico baseado no livre mercado para aqueles que tivessem confiança.

Para provar sua convicção na necessidade de mudanças, Joaquim Levy já chegou promovendo um forte corte de gastos públicos (em particular nos investimentos), defendendo o aumento de juros e a liberalização do câmbio. O efeito foi o contrário do esperado: ao invés de promover o crescimento através da retomada da “confiança”, o ajuste recessivo se provou… recessivo. E não apenas no curto prazo: a recessão, que era projetada por Levy para durar apenas um trimestre, foi aprofundada a cada novo período, alcançando a totalidade dos anos de 2015 e 2016.

Com a queda de Dilma, a agenda liberal não refluiu, muito pelo contrário. Vacinados com o fracasso do ajuste de “curto prazo” de Levy, que jogou a economia em recessão com elevada inflação, Meirelles chegou prometendo o paraíso através de reformas de “longo prazo”. O discurso era de que, se nos comprometêssemos com “sacrifícios” ao longo de muitos anos (talvez até algumas décadas), a confiança retornaria já no curto prazo e, com ela, o PIB e o emprego voltariam a crescer rapidamente.

Hoje, é evidente o completo fracasso da estratégia neoliberal. Não apenas ela não reverteu a desaceleração econômica como jogou a economia brasileira em uma profunda recessão, que parece se transformar em depressão. Todos os indicadores pioraram, mesmo aqueles que serviram como desculpa para a adoção do receituário liberal: crescimento, emprego, renda, produção industrial caíram vertiginosamente e, incrivelmente, a inflação e o resultado fiscal também pioraram bastante. A única melhoria observada se deu no setor externo, mas por motivos pouco nobres: a recessão fez despencar as importações, promovendo uma melhoria passageira na balança comercial, que já está em fase de reversão dada a valorização cambial.

Para sorte dos economistas liberais/ortodoxos, a grande mídia brasileira adota seu discurso ideológico como se fosse a verdade revelada, recusando-se a dar muito espaço para debates e contestações. Mesmo diante do absoluto fracasso das políticas e da não concretização das previsões dos gurus do mercado financeiro, a maior parte da imprensa segue pregando para a população brasileira a necessidade da estratégia “austericida”, como um mantra que precisa ser repetido muitas vezes para se tornar verdade. Atualmente admitem as dificuldades de retomar o crescimento e afirmam que o emprego ainda demorará anos para ser recuperado, mas continuam jogando a culpa em políticas adotadas há três anos ou mais. Esquecem-se que o discurso da “herança maldita” tem prazo de validade: ele só funciona se o governo de plantão for capaz de reverter os resultados negativos, caso contrário a população tende a perceber (em algum momento) que a desculpa não está colando.

Neste aniversário de dois anos de adoção do receituário neoliberal, os únicos que comemoram são os banqueiros, que seguem abocanhando lucros crescentes com os juros estratosféricos pagos pelo governo. O povo brasileiro, desempregado e desassistido pela crise dos serviços públicos, não sabe em quem acreditar e já desconfia do novo governo, que de “novo” não tem nada. Durante quatro eleições seguidas, o povo rejeitou a agenda e o receituário neoliberal. Foi preciso submeter uma presidente eleita a uma enorme chantagem e a um golpe para impor, de uma vez por todas, a agenda neoliberal e a “ponte para o futuro” dos banqueiros. Quando o povo perceber que não foi convidado para a festa e foi enganado por um discurso contrário a seus interesses, os neoliberais precisarão mais do que nunca do apoio de seus porta-vozes midiáticos para explicar a depressão em que jogaram o Brasil.

*Guilherme Mello é professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon-Unicamp)


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