O Som, de J.T. Meirelles e Os Copa 5

o som Você provavelmente nunca ouviu falar em João Theodoro Meirelles,  mais conhecido no meio musical, simplesmente, como J.T. Meirelles. Mas, certamente, você conhece um de seus trabalhos mais celebrados nos últimos 50 anos. Compositor, arranjador, saxofonista e flautista, Meirelles escreveu o arranjo original de Mas, que Nada, de Jorge Ben Jor – aquele, com piano elegantíssimo a cargo de Luiz Carlos Vinhas e um solo de sax tenor, inspirado, do próprio Meirelles.

Primeiro grande sucesso de Ben Jor (que à época assinava apenas Jorge Ben, mas trocou de nome, no final dos anos 1980, para evitar o repasse de direitos autorais seus para o guitarrista George Benson) Mas, que Nada foi registrada no clássico disco de estreia Samba Esquema Novo (1963). Impulsionada pelo sucesso mundial da versão do pianista Sérgio Mendes e seu grupo Brazil 66’, o sambalanço irresistível levou o Babulina (apelido de Jorge) a excursionar em várias capitais dos EUA, nos anos 1960. A canção também ganhou dezenas de outras versões no Brasil e mundo afora – como as releituras da cantora sul-africana Miriam Makeba e do organista americano Odell Brown.

Tamanho êxito e o reconhecimento de que Meirelles arquitetava novas possibilidades para a música popular brasileira (e não utilizo aqui a desgastada sigla MPB, pois ela ainda não existia naquele início de anos 1960, tempo de defesa de certa MPM, a Música Popular Moderna) fez a Philips apostar em um merecido álbum solo de J.T. Meirelles. Lançado no início de 1964, com produção de Armando Pittigliani, o biscoito fino ganhou o assertivo nome de O Som. Para quem nunca teve o prazer de ouvir o disco, o título pode parecer superlativo e pretensioso, mas os nove temas instrumentais, todos compostos por Meirelles, justificam as quatro letras grandiloquentes, pois ajudaram a consolidar um novo subgênero da Bossa Nova, o Samba-Jazz. Apesar de seu protagonismo, não seria justo dizer que Meirelles “inventou” sozinho tal sonoridade, visto que desde o surgimento da Bossa Nova dezenas de grandes músicos cariocas praticavam temas embrionários do Samba-Jazz, no lendário Beco das Garrafas, em Copacabana, e também instrumentistas paulistanos, no perímetro boêmio da Praça Roosevelt, região central. Justo ressaltar também que, antes mesmo da estreia luminar de João Gilberto (Chega de Saudade, 1959), o flautista Altamiro Carrilho lançou, em 1957, A Turma da Gafieira álbum capital para os novos horizontes instrumentais perseguidos por músicos brasileiros, pautados, então, pela liberdade de improviso e o cruzamento de matrizes americanas do jazz – o be bop, o hard bop e o west coast jazz – com ritmos tipicamente brasileiros – a própria gafieira, presente no título do álbum de Carrilho, o samba e o maracatu, celebrado na letra de Mas, Que Nada

O Som foi gravado com um time de craques reunidos sob o codinome Copa 5. Todos eles emergentes dos inferninhos esfumaçados do Beco das Garrafas. A cozinha ficou a cargo do baterista Dom Um Romão e do baixista Manuel Gusmão (integrantes do Copa Trio, juntamente com Toninho Oliveira, que depois daria lugar ao pianista paulista Dom Salvador); os sopros executados por Meirelles e o trompetista Pedro Paulo Siqueira; ao piano, Luiz Carlos Vinhas, egresso do Bossa Três, um dos trios mais quentes do samba-jazz carioca e o primeiro a gravar nos EUA pelo selo Audio Fidelity, em 1963. Entre os clássicos temas reunidos em O Som, estão Nordeste, Serelepe, Blue Bottle’s e Quintessência, standard instantâneo do Samba-Jazz que dá nome a essa coluna e ganhou regravações primorosas, como as do energético baterista Edison Machado e do supergrupo Os Cobras.

Com o Copa 5 reformulado (Edison Machado no lugar de Dom Um, e Eumir Deodato substituindo Vinhas), e também acrescido dos violonistas Waltel Branco e Roberto Menescal, Meirelles lançou, em 1965 também pela Philips, um segundo álbum O Novo Som (tão essencial quanto o antecessor) e depois desmantelou o grupo. Nos anos 1970, assinando como Meirelles, lançou a série Brazilian Beat e o experimental Brasilian Explosion (1974), repleto de pianos elétricos e sintetizadores. Na Suécia, onde viveu na primeira metade dos anos 1970, Meirelles lançou um novo grupo, The Gimmicks, nitidamente inspirado no Brasil 66 de Sergio Mendes, especialmente pelo recurso das duas vozes femininas.

J.T. Meirelles partiu subitamente em 2008, aos 67 anos, sem ter tempo de diagnosticar corretamente um problema de estômago que ceifou sua vida. Começou os estudos musicais aos 8 anos e a tocar saxofone profissionalmente aos 17, no conjunto do pianista acreano João Donato. Logo depois, foi estudar composição e arranjos na renomada Berklee School of Music, em Boston, nos EUA. Pelo selo americano Battle, lançou com o grupo João & His Bossa Kings, em 1962, um disco raro e cultuado Cool Samba. Meirelles havia retomado as atividades com o Copa 5 no início dos anos 2000, com novos músicos, com os quais lançou os álbuns Samba Jazz!! (2002) e Esquema Novo (2005). Em 2001, O Som e O Novo Som foram relançados pelo selo Dubas, que depois lançaria os novos registros.

Ouça a íntegra do álbum O Som na Rádio Uol

Boas audições e até a próxima Quintessência!


Comments

2 respostas para “O Som, de J.T. Meirelles e Os Copa 5”

  1. Avatar de Fausto Nascimento
    Fausto Nascimento

    Piano, Luiz Carlos Vinhas;baixo Manoel Gusmão;Trumpete Pedro Paulo, hoje exercendo a Medicina como Pediatra;e na Vateria o mestre, o fantástico baterista Dom Um Romão.

  2. Olá, Marcelo,
    Eu adoraria saber quais eram os músicos que compunham, além do JT Meirelles, o Copa 5 no álbum “Esquema Novo”.

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