Exclusivo: documento mostra como direção da Santa Casa tratou crise

As eleições para escolher o novo Provedor e os membros da Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia acabam de ser marcadas para o próximo dia 14 de maio.  A decisão foi tomada durante a reunião mensal dos gestores, realizada na manhã da quarta-feira, 29. Médicos e funcionários que aguardavam em vigília na porta da Provedoria (o equivalente à presidência) comemoraram. “Parece que há uma luz no fim do túnel, mas ainda precisamos conhecer os detalhes do que foi decidido”, diz o médico Igor Polonio, presidente da Associação Médica da Santa Casa, criada em fevereiro.

 A Mesa Administrativa é uma estrutura composta por cinquenta pessoas eleita juntamente com o Provedor. O que os médicos e os movimentos da Santa Casa queriam é que a Mesa atual, eleita na chapa encabeçada pelo ex-provedor Kalil Rocha Abdalla, abrisse mão dos cargos, mas não foi o que ocorreu. A opção foi a formação de uma chapa única para concorrer à próxima eleição encabeçada pelo médico pediatra José Luiz Setúbal, de 58 anos, e acionista do Banco Itaú. Setúbal lidera a oposição e é um nome de consenso entre a comunidade do hospital. Cinco pessoas indicadas pelo grupo de Setúbal passarão também a ocupar os lugares vagos na gestão atual até que a chapa eleita em maio tome posse.

Na semana passada, houve uma tentativa de composição entre a gestão atual e a oposição, mas foi frustrada pela insistência de membros da Mesa ligados ao ex-Provedor Abdalla de integrar a nova chapa. Ele renunciou ao cargo no dia 16 de abril após a quebra do seu sigilo bancário e fiscal e de mais 21 pessoas e empresas ligadas à instituição.

Outra proposta que está em discussão é a negociação de precatórios (dívidas a serem pagas pelo governo) no valor de R$ 50 milhões, o que pode melhorar a credibilidade da instituição para obter empréstimos junto a bancos.

Uma das tarefas dos novos mesários será implantar as mudanças na gestão que estão sendo estudadas por uma comissão especial da qual fazem parte a Promotoria, representantes da Faculdade Getúlio Vargas e das secretarias de Saúde Estadual e Municipal.

Os médicos não conhecem os mesários e nem os conselheiros que votarão na eleição do Provedor. “São escolhidas pessoas com grande representação na sociedade”, explica o médico Paulo Candelária, chefe do Pronto Socorro e um dos principais ativistas pela troca da gestão e reconstrução do hospital. 

A mudança é urgente. Muitos membros da atual Mesa têm estreita proximidade com o ex-Provedor e com a gestão que conduziu a instituição paulista ao aumento do seu endividamento e ao agravamento da crise. Permitir que permaneçam significa manter na direção o mesmo modo de pensamento e de gerenciamento que deixou em situação precária o maior hospital filantrópico da América Latina. Depois, porque há entre os mesários alguns senhores que, pela idade avançada, sentem-se vulneráveis a circunstâncias que podem abalar sua objetividade. Prova disso foi um “irmão mesário”  dispensado de depor na Promotoria porque não conseguia se lembrar de fatos. Segundo relatou a pessoa que o acompanhava, ele sofria de “ausências” e Parkinson.

Quem é quem na atual gestão

Conheça alguns integrantes da Mesa Administrativa que ajudou a aprofundar a crise da entidade, que hoje deve R$ 773 milhões. As frases foram extraídas de um documento oficial

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Brasileiros obteve com exclusividade uma cópia da Ata da reunião extraordinária da Mesa Administrativa realizada em 23 de dezembro de 2014, quando foi decidido o licenciamento do ex-Provedor Kalil Abdalla. A leitura do documento expõe o anacronismo e a falta de seriedade para tratar a grave crise da instituição e também a vinculação estreita de vários dos irmãos mesários com o ex-Provedor, que se encontra sob investigação pelo Ministério Público. Veja alguns comentários feitos ao longo da reunião que deixam isso muito claro.

Um tapinha não dói
“O que nós precisamos fazer, isso é fruto de uma meditação, uma meditação gostosa, porque a Mesa merece, e o que precisamos fazer é unir esta Mesa em torno deste ideal Santa Casa. Nós precisamos mostrar que se erros houve, nós dele participamos ou pouco participamos ou não participamos, mas estamos aqui para garantir a integridade da Santa Casa. Então, eu penso, meu caro Kalil, que se esta proposta foi sua de você pedir licença, eu sei o quão doído deve ser isso para você, e no dia 6 como eles vão viajar (Campos se refere aos outros mesários) eu estou em São Paulo à sua disposição, se precisar mandar bater em alguém, manda bater em mim.”
Irmão Mesário Antônio Carlos de Paula Campos

Sobre a cobertura da imprensa

Valores fantasiosos
 “Então, eu gostaria de formular e colocar expressamente em votação aqui neste momento de crise que fale o Provedor e mais ninguém, com exceção de quem o Provedor determinar que fale expressamente. Se vocês pegarem todos os dias, todos os jornais têm notícias absolutamente fantasiosas sobre valores a favor, sobre valores contra.”
Irmão Escrivão Antônio Penteado Mendonça

Clarividência
“…..E da crise que vivemos aqui, expressiva parte do descontrole que a afetou veio desta miríade de entrevistas, que nos pôs a sangrar em público sem a menor necessidade (…) corrijam-me se eu estiver errado, que muitas das questões antes de haver a manifestação, deveria haver o filtro da Mesa (…) a entrevista não se faz de inopino, a entrevista com o jornal é uma ciência, uma técnica, é uma reflexão, é uma ponderação. Eu diria até que é uma clarividência, porque é daí que vai surgir o retrato da corporação diante da sociedade. Por isso, nada sou contrário ao que está dito, venho agregar-me como pequeno molusco, a mônada, que vai reconstruir a Santa Casa.”
Irmão Mesário Luiz Antonio Sampaio Gouveia

Imprensa meio burrinha
“ (…) não acredito, Nico, que jornalista que vem entrevistar quem quer que seja consiga estabelecer a diferença entre o Superintendente da Santa Casa e o Provedor, isso porque, um minutinho, Provedor em São Paulo é um único, é o Kalil. Então, é evidente que eu não vou falar na ignorância do jornalista, nem na ignorância do leitor, que quando o Prof. Massaia fala, fala como Superintendente. Nós sabemos a diferença, o público não sabe.” 
Irmão Mesário Antônio Carlos de Paula Campos  

Gerenciamento de credores
“Já disseram aqui: nós vamos vender a joia da coroa. Nós vamos perder essa coroa. Vamos perder. E o que eu fiquei muito satisfeito, Irineu ( Massaia, atual Superintendente da Santa Casa), é que nós devemos R$ 80 milhões para a Logimed. Eu estou me oferecendo para ser o advogado pro bono. Não quero nada. Reverto os resultados para a Santa Casa, porque eles vão tomar um ferro que eu vou te contar.”
Irmão Mesário Antônio Carlos de Paula Campos  

Nota da redação: A Logimed, empresa que fornece medicamentos, é um braço do grupo Andrade Gutierrez, que pagou cerca de $ 100 mil reais a titulo de consultoria ao ex-Superintendente da Santa Casa, Antonio Carlos Forte (responsável por fiscalizar contratos com fornecedores) e ao ex-Tesoureiro Hercílio Ramos (responsável pelos pagamentos). O conflito de interesses foi revelado pelo jornal Folha de S.Paulo em setembro de 2014. Em janeiro deste ano, a empresa rescindiu contrato com o hospital.

Admissão do risco de fechar
(…) É provável que não consigamos terminar essa semana com o hospital aberto. Tem muito mais  chance disso acontecer do que nós termos a operação finalizada (de pedido de empréstimo à Caixa Federal). (…) Ela sozinha não resolve o problema. Hoje, para os senhores terem uma ideia, nós não estamos conseguindo pagar o fornecedor de alimentos, empresa de limpeza já é de conhecimento, o gás, o oxigênio, o combustível, não existe mais condição operacional. Quer dizer, nós continuarmos hoje com o hospital aberto é uma temeridade.”
Irmão Tesoureiro Antônio Augusto Brant de Carvalho

Risco de demissão
“…Essa gestão da Superintendência começou dia 22 de setembro e se pauta na credibilidade. Faz parte da minha credibilidade conversar a qualquer momento no melhor interesse da Instituição com os médicos, com os funcionários, como nós temos feito. Então, por uma questão de ordem até, eu não posso ser interpelado a pé de ouvido antes de começar uma reunião sob pena de ser demitido de um cargo me proibindo de falar com médico sobre qualquer assunto. (…) Então, mais uma vez, eu não posso ser pressionado sob pena de demissão do cargo para não falar com médico.” 
Superintendente Irineu Francisco Delfino Massaia

E a resposta do Irmão Escrivão a Massaia
“Ninguém disse que você seria demitido se falasse com médico. O que eu disse é que você seria demitido se afrontasse uma decisão da Provedoria. (…) Não acho que discutir assuntos financeiros com funcionários seja saudável em nenhuma organização.”
Irmão Escrivão Antônio Penteado Mendonça

Não precisa constar
“…Chega na Caixa Econômica Federal um outro negociador, nós que somos do campo, eu sou do contencioso e sei como funciona. (….) O que custa nós fazermos constar em Ata que a Mesa em princípio apoia a continuidade da negociação. Não precisa constar que esse dinheiro não vai resolver muito, mas vai resolver um mês, um mês e meio, mas é importante um mês e meio na vida.” (Sobre empréstimo pedido à Caixa Federal no final de 2014, que não se concretizou)
Irmão Mesário Antonio Carlos de Paula Campos


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