Em dia de mais um capítulo da histórica rivalidade entre Palmeiras e Santos, outro grande clássico do “futebol” paulista – promovido, desde 1996, pela casa noturna Blue Space, no bairro da Barra Funda -, deu o que falar. Após 14 anos de muita diversão e habilidade zero com a redonda, o futebol das drag queens entrou para o calendário oficial de eventos da cidade de São Paulo e ganhou o apoio da Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Sexual da Secretaria Municipal de Participação e Parceria – CADS. A cada ano, cresce a multidão de vizinhos, curiosos e simpatizantes apinhados nas calçadas para o grande espetáculo de cidadania, irreverência e integração promovido pelas drags. Escalada para garantir a segurança do evento, a Guarda Civil Metropolitana, calcula um público médio de duas mil pessoas e, vale dizer, que o trabalho da GCM dificilmente seria requisitado, pois se trata de um evento dos mais pacíficos e bem humorados.
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Tendo como oponentes os garçons, go-go boys e seguranças da boate, o escrete – formado por Márcia Pantera, Salete Campari, Fátima Fast Food, Alexia Twister, Panda Toy, Lysa Bom Bom, Agatha Oliver e Talitha O’Brien – passa mais de duas horas na concentração (leia-se camarim) para entrar em campo em grande estilo e, por que não dizer, de salto alto?
Veterana da turma – ao lado de Fátima Fast Food que participou de todas as partidas -, Márcia Pantera impressiona pelo porte físico. Caso levasse a sério a vocação nata para os esportes, poderia ser um zagueiro, desses que se impõem como uma muralha na defesa, ou até mesmo um desses centroavantes bem-sucedidos pela estrutura de guarda-roupas, como Washington. Mede mais de 1,90 m e é o maior vencedor da São Silvestre Gay. Por nove vezes, cruzou a faixa em primeiro lugar. Olhos atentos no espelho, ele contorna o lápis negro nos olhos, enche as pálpebras de luzes e aplica os próprios cílios postiços. Quando, enfim, se dá por satisfeito com a maquiagem, saca uma peruca de cabelos vermelhos ondulados e compridos. Penteia toda a extensão, seca a cabeça e, pasmem, aplica superbonder nas têmporas para fixar a peruca. Questiono como, raios, pode se livrar daquilo depois?: “Fácil, filho, basta um puxão.”. Minutos depois, é uma fita adesiva, que surge da bolsa. Finalidade? Esconder a genitália, circundando as coxas e aproveitando para, de quebra, dar uma leve erguida na retaguarda. Como podemos atestar, garra e determinação não faltam ao jogador.
Saímos da concentração e invadimos o “campo” onde outra célebre personagem entra em cena, a drag Silvetty Montilla. Como Márcia Pantera, egressa da primeira safra que surgia em inferninhos da cena clubber, como Sra. Kravitz e A Lôca. Misto de mestre de cerimônias, juiz, narradora e comentarista, tudo ao mesmo tempo agora, dá um banho em qualquer um desses comediantes da geração stand-up que vemos proliferar por aí. Ele dá o apito inicial e, em menos de um minuto, a proposta de “partida de futebol” vai para o espaço. O que promovem em campo é um misto de futebol, vôlei, basquete, handebol e rúgbi. Um espetáculo indecifrável, diverso e descontraído, como a maioria das personagens ali reunida. Idealizado pelo dono da Blue Space, José Victorino – o “Victor” como é conhecido no meio -, o futebol das drags surgiu para aproximar os frequentadores da boate e a vizinhança, que suspeitava que aquele velho imóvel azul havia se transformado em um antro de perdição. O carinho manifestado pelo público atesta que Victor pode se gabar do êxito raro de comandar um time vencedor há 14 anos. Técnico algum do futebol profissional consegue tal façanha, hoje em dia. A propósito, o clássico do campeonato paulista encerrou em 4 a 3 para a equipe alviverde. Na Barra Funda, o clube multicolorido deu um chocolate de 15 a 7 no oponente. Ao final, como reza a tradição, desde 1996, a bola é doada ao menino Igor, 12 anos, vizinho da boate. Vitória de todos.
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