Cena de Branco Sai, Preto Fica, de Adirley Queiroz, filme premiado em Brasília. Foto: Reprodução
Cena de Branco Sai, Preto Fica, de Adirley Queiroz, filme premiado em Brasília. Foto: Reprodução

A Mostra Competitiva deste ano do Festival de Brasília já tinha chamado atenção desde quando a comissão organizadora divulgou a seleção dos longas que seriam exibidos, em julho. A lista trazia seis filmes que dialogavam ao mesmo tempo com o estilo documentário e a ficção, ficando, assim, na fronteira desses gêneros. Branco Sai, Preto Fica, de Adirley Queirós; Sem Pena, de Eugênio Puppo; Brasil S/A, de Marcelo Pedroso; Ela Volta Na Quinta, de André Novais; Pingo d`Água, de Tarciano Valério e Ventos de agosto, de Gabriel Mascaro. Com exceção de Sem Pena, todos têm tais elementos.

Da mesma forma, quem esteve presente nessa 47ª edição do encontro, que terminou na noite desta terça-feira (23), certamente não saiu ileso do que viu na tela do Cine Brasília (agora com excelente equipamento de som e imagem). Com filmes que não só rompem as fronteiras de gêneros, mas que também estão carregados de reflexões estéticas e de discursos narrativos. O Festival de Brasília do Cinema Brasileiro apostou no “novo Cinema Novo”, de realizadores já conhecidos nos festivais nacionais e alguns internacionais, mas que ainda não se destacaram no cinema de mercado.

Cinema de reflexão?

Dois filmes que concorreram aos prêmios da Mostra Competitiva de longas saíram vencedores na noite: Branco Sai, Preto Fica e Brasil S/A. O primeiro levou os prêmios de Melhor Filme (júri e crítica – Associação Brasileira de Críticos de Cinema – Abraccine), Direção de Arte (Denise Vieira) e Melhor Ator, Marquim do Tropa, enquanto Brasil S/A levou prêmios de Direção (Marcelo Pedroso), Roteiro (Marcelo Pedroso), Som (Pablo Lamar), Montagem (Daniel Bandeira) e Trilha Sonora (Mateus Alves).

Em tom fabular e bastante inventivo, Branco Sai, Preto Fica, de Adirley Queirós, resgata um episódio trágico ocorrido em 1986, em Brasília, quando policiais invadiram um baile black em Ceilândia, deixando alguns frequentadores feridos. O filme se concentra em duas pessoas que estiveram naquele baile: Marquim do Tropa, que ficou numa cadeira de rodas, e Gleide Firmino, que perdeu parte da perna, mas seguiu vivendo em uma Brasília em cisão, totalmente separada do Plano Piloto. Na película, eles rememoram tempos passados e a vida presente, na eminência de uma invasão e destruição da Brasília “de brancos”. Apesar do seu tom amoroso com os personagens, o diretor opta, de forma equivocada, por uma narrativa rancorosa e desmedida, diluindo o poder reflexivo e de denúncia que a história dos personagens mostra. 

O filme Brasil S/A, de Marcelo Pedroso, se concentra na história de um personagem (Edmilson Silva), que trabalha na cana-de-açúcar e se depara com a missão de dirigir uma máquina de colheita de grãos. Engenhosamente, o diretor projeta a obra com esses elementos tecnológicos para refletir sobre um País de tradição desenvolvimentista que ainda convive com a miséria e em um fosso social gigantesco, num paralelo da extensão territorial e econômica do Brasil. Em berço esplêndido, Brasil S/A convive com os anseios de um povo em busca de melhoria material e de uma elite que pensa estar vivendo em Miami, cidade estadunidense famosa pela grande presença de ricos latino-americanos. Em torno desses desejos, a nação é submetida ao seu pior lado: a da violência que aplaca a falta de decisão política de equacionar a fratura social da má distribuição de renda. A bandeira nacional que tremula no filme numa espécie de guindaste no alto de um prédio e que avança como sombra sobre todos nós é uma bela metáfora de um País que ainda tem muito a percorrer na construção de um povo cidadão.


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