Aos 55 anos, por onde passa, ele ainda chama e muito a atenção. Apesar de ter menos de 3 m de comprimento e apenas 350 kg – o peso médio de um carro é de uma tonelada -, quando está nas ruas, é alvo de flashes. Todos querem tirar uma foto do Romi-Isetta. Marco para a indústria automobilística brasileira, o minicarro, que nasceu em 1956 e deixou de ser fabricado em 1961 – ou seja, teve uma breve, mas intensa vida de cinco anos -, foi o primeiro veículo de passeio produzido no País.

A comemoração do aniversário do Romi-Isetta reuniu recentemente colecionadores em Santa Bárbara do Oeste, interior de São Paulo, onde está seu berço – a Romi, indústria sede, tradicional fabricante de tornos mecânicos, que existe até hoje. Muitos eram os exemplares expostos, de diversas cores. Mas maior ainda era a presença de curiosos. Afinal, o Romi-Isetta foge dos padrões dos carros convencionais: tem apenas uma porta que abre para frente, o volante está localizado na porta, que quando aberta o leva junto. O carro é bem pequeno, tem apenas dois lugares, não há porta-malas, mas conta com teto solar.
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A Brasileiros andou em um deles no desfile que houve na cidade. O motor lembra um pouco o do Fusca, pelo barulho que faz. Mas é bem confortável, para quem gosta de carro pequeno. E, claro, na opinião dos colecionadores, é muito charmoso.

O Romi-Isetta deixou saudade até mesmo para quem não o viu sair da fábrica. “Eu tenho o peso da responsabilidade do nome do veículo. A história veio do meu pai (Carlos Chiti) e eu tento transmitir para as pessoas uma parte do início da indústria automobilística no Brasil”, diz o publicitário Eugênio Chiti, com lágrimas nos olhos. Carlos Chiti era enteado de Américo Emílio Romi, fundador das indústrias Romi nos anos 1930, e um dos sócios da empresa, que nasceu como uma modesta oficina de reparação de carros.

Eugênio tem 46 anos. Filho do homem que trouxe o Romi-Isetta ao Brasil, ele se lembra da primeira vez que viu o carro desmontado na garagem de sua casa. Ele tinha sete anos. “Foi impactante. Estava em cima de um cavalete. Achei o máximo!” Ele aprendeu a dirigir em um Romi-Isetta e hoje tem três exemplares.

Hoje, o valor desse minicarro pode chegar a até R$ 130 mil. Mas os veículos que ainda existem estão nas mãos de colecionadores que não os vendem por dinheiro algum. É o caso de Flavio Bierrenbach, ministro aposentado do Superior Tribunal Militar, proprietário de um Romi-Isetta ano 1966. “Eu não o venderia jamais. A não ser que eu caia na extrema miséria”, brinca. Para não correr o risco de o veículo sair da família, ele passou o Romi-Isetta para o nome do único neto, Gabriel Franco Bierrenbach. O menino de apenas 12 anos diz que adora passear no carro com o avô aos finais de semana. “Eu gosto porque chama muito a atenção de todo mundo”, diz.

Bierrenbach ainda guarda a foto com amigos, tirada ao lado de um Romi-Isetta na cidade de Sumaré, interior de São Paulo, em 1963. Na época, quando comprou o carro, eles eram inseparáveis. “No meu tempo de juventude, nós andamos muito nas antigas estradas de Santos e na Dutra”, relembra. Hoje, ele está com 70 anos.

Para o músico Marcos Valente Júnior, o Romi-Isetta também era um sonho de juventude. “Minha paixão por ele é doentia. Ainda mais porque tive de esperar 50 anos para poder ter um. Foi meu filho que me deu de presente”, conta. Seu Romi-Isetta é impecável, com calotas lustradas que brilham ainda mais com a luz do sol. Apesar do tratamento de peça de arte, ele o usa para tarefas rotineiras, como ir ao banco e ao supermercado em São Paulo.

Outro aficionado, o médico José Carlos Tosi, mantém como hobby uma fábrica de reproduções do carro e acredita que o Romi-Isetta é ideal para ir ao trabalho. “É o melhor carro do Brasil. Rodo de 10 km a 12 km por dia”, conta ele, que mora em Bauru (SP). Dono de um carro que afirma ter sido de Pelé, ainda possui uma réplica – com carroceria de lata e motor de motocicleta – de sua produção.

Já o engenheiro aposentado João Carlos Bajesteiro revela que tem sete Romi-Isettas. O primeiro ainda está com o macaco original e ganhou um item novo: um pequeno ventilador instalado no interior para refrescar. “A minha relação com o Romi-Isetta é de muito carinho, alegria e satisfação”, se emociona.

A história do Romi-Isetta ainda está viva na memória de Mário Pacheco, que se diz “testemunha ocular” de seu nascimento. Diretor de Marketing na época de seu lançamento, participou do planejamento de sua propaganda. “Colocamos o Jânio Quadros dentro de um deles”, relembra. Quando o veículo parou de ser fabricado, ele e outros aficionados fundaram o Romi-Isetta Club.

Ícone nacional
A ideia de montar um carro nacional surgiu depois que Carlos Chiti leu uma reportagem sobre o automóvel italiano Iso Isetta em uma revista estrangeira. Com produção rápida e de baixo custo, o empresário acreditou que o Isetta poderia inaugurar a indústria brasileira de automóveis.

No começo da década de 1950, existiam apenas 299 mil carros particulares em todo o Brasil. Eram importados ou montados no País em regime CKD (Complete Knock-Down), ou seja, carros completamente desmontados, cujas peças eram produzidas fora do País e enviadas para serem aqui montadas pelas multinacionais.

Em princípio, a Romi importou duas unidades do Iso Isetta, da cor branca, para estudar a viabilidade de produção local. Desenhado por um projetista de aeronaves, o carro conservava vários conceitos da aviação, como a porta única frontal, inspirada nos aviões cargueiros, e a cabine totalmente envidraçada, como nos caças a jato. As linhas arredondadas, que lembram o desenho de uma gota de chuva, tinham o intuito de minimizar a resistência ao ar. O Isetta ainda poderia ser estacionado de frente para a calçada, o que reduziria o risco de atropelamentos durante a entrada e saída dos passageiros.

Chiti e o sócio Romi foram, então, à Itália para assinar contrato com Renzo Rivolta, proprietário da Iso. A empresa italiana concedeu a licença de produção do Isetta à Romi. O nome brasileiro já tinha sido escolhido – Romi-Isetta – e seriam pagos 3% de royalties sobre o preço de venda de cada unidade à Iso. Na época, a Iso havia enviado ao Brasil Domenico Stragliotto, técnico e piloto de testes, que submeteu os dois Isettas importados pela Romi a todo tipo de provas de rodagem para que se estudassem o comportamento e a durabilidade dos componentes do carro nas ruas e estradas brasileiras. Na Romi, um pavilhão de estrutura metálica e concreto, com 25 mil m2, foi construído para a instalação das linhas de montagem do Romi-Isetta. O carro tinha 72% de peças nacionais, com 400 fornecedores de autopeças brasileiros.

No dia 30 de junho de 1956, um ano após a assinatura do contrato com a Iso, uma equipe de TV apresentou ao vivo – ainda não existiam programas gravados no Brasil – o primeiro exemplar do Romi-Isetta. Três meses depois, em 5 de setembro de 1956, foram lançados os primeiros 16 Romi-Isettas.

O carro virou estrela de filmes, novelas e peças teatrais. Muitas personalidades tinham um Romi-Isetta, como Dercy Gonçalves e Pelé. Na década de 1950, em Interlagos, havia corrida de Romi-Isetta.

O carro já estava em circulação quando o decreto presidencial de 26 de fevereiro de 1957 estabeleceu em quatro o número mínimo de passageiros que um automóvel deveria transportar. O Romi-Isetta transportava dois. Ainda assim, a Romi conseguiu aprovar a produção de três mil carros ao ano. “O decreto não impactou o fim do Romi-Isetta, mas, naquele momento, os carros eram remodelados para serem maiores e, para isso, precisaríamos de mais investimento em tecnologia”, afirma Chiti.

A Romi tentou parcerias com a BMW e com a Iso para continuar a produção do Romi-Isetta e fazer os ajustes que o mercado demandava. “A BMW produzia sob licença o BMW Isetta na Alemanha, e enfrentava dificuldades financeiras, devido às perdas sofridas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), seguida, em 1956, pela crise do Canal de Suez”, diz ele.

A falta de parcerias obrigou a Romi a suspender o Romi-Isetta. “Investir no setor automobilístico sozinhos seria arriscado demais para nós. Poderíamos não sobreviver, já que tínhamos expertise em máquinas-ferramenta e os carros eram uma diversificação de mercado”, concluiu Chiti.

O Romi-Isetta teve produção planejada para até o início de 1961, com a formação de estoques suficientes para comercialização do modelo até o fim daquele ano. No dia 13 de abril de 1961, o último Romi-Isetta – um exemplar branco e amarelo-limão – deixou a linha de montagem. Para Chiti, o carro nunca deixou de existir. “O sucessor do Romi-Isetta é o Smart, que tem as mesmas medidas, o motor na posição central e o tamanho pequeno”, acredita.


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