Italiano em pistas brasileiras

Piero Gancia estreia a série de reportagens escritas pelo piloto Jan Balder sobre o esporte que fez surgir nomes como Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna

Impossível falar de automobilismo no Brasil sem falar de Piero Vallarino Gancia. O italiano de Turim chegou ao Brasil em 1952, aos 30 anos, para estabelecer a Gancia, empresa familiar produtora de vermute e vinhos, criada por seu bisavô em 1850. Sua paixão pelo País foi imediata e no ano seguinte trouxe a esposa Lulla e seus dois filhos, Carlo e Kika. A jornalista Barbara Gancia, sua filha caçula, nasceu em terras tupiniquins. A relação de Piero com as pistas começou na Itália quando, aos 13 anos, foi levado por seu pai para assistir a uma corrida de motos. Ao atingir a maioridade fez o curso de pilotagem de Piero Taruffi, em Monza. Apesar do incentivo inicial, seu pai, que por sinal era péssimo motorista, nunca aprovou a fascinação do filho pelo ronco dos motores. De nada adiantou tal reprovação. Piero Gancia foi o primeiro campeão brasileiro de automobilismo, em 1966, quando o campeonato foi instituído no País. Eram três provas: 1000 km de Brasília, 500 km de Interlagos e 1000 km da Guanabara.
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O envolvimento profissional de Piero com o automobilismo começou a delinear-se em São Paulo, em 1961. Após rodar a cidade atrás de um bom mecânico para consertar o cárter de sua Alfa Romeo Giulietta TI, ele foi parar no bairro do Brás, onde ficava a escuderia Tubularte, do famoso José Gimenez Lopes. Lá conheceu o mecânico e “mago” Giuseppe Perego, que havia trabalhado na Isotta Fraschini e na Maserati, e o pentacampeão mundial de F1, o argentino Juan Manuel Fangio. Tornou-se frequentador assíduo da Tubularte, onde encontrou também os patrícios Emilio Zambello e Ruggero Peruzzo, pilotos que participavam de competições utilizando desde a possante Maserati 450S até o pequeno Fiat Topolino da época.

Piero estreou nas pistas em 25 de janeiro do ano seguinte, nas 12 Horas de Interlagos, formando dupla com Celso Lara Barberis, uma das feras da época. Ficaram em 5º lugar pilotando uma Alfa Giulietta. A boa estréia animou a todos e junto com Zambello e Perego, Piero montou a escuderia Jolly-Gancia. O trio, sempre fiel à marca Alfa Romeo, preparava, além dos modelos italianos, o Alfa JK brasileiro para as corridas reservadas a veículos nacionais. Em 1966 Piero obteve a concessão da Alfa Romeo para o Brasil e passou a importar os principais modelos da marca. O trabalho era puxado durante o dia, e à noite dedicavam-se à preparação da equipe, que era afetuosamente chamada de “os italianos”. A dedicação dos empresários e o sucesso nas pistas contribuíram para o aumento da venda de carros de passeio da marca italiana.

Inicialmente contrária à nova atividade do marido, Lulla foi fisgada pelo ronco dos motores e acabou pilotando em algumas provas femininas batizadas de “Baton”. Correu até mesmo em corridas longas, como a Rodovia do Café e a tradicional 1000 km de Brasília, esta pilotando um Fiat Abarth 1000. A equipe cresceu e tornou-se uma das melhores escuderias da década de 1960, fazendo com que muitos pilotos sonhassem em comandar os bólidos brancos com o tricolor italiano no capô. Entre os que passaram pela Jolly-Gancia estão Ubaldo Cesar Lolli, Ciro Cayres, Marivaldo Fernandes, José Carlos Pace, Francisco Lameirão, Tite Catapani, os irmãos Alcides e Abílio Diniz, e Emerson e Wilson Fittipaldi, Totó Porto, Mario Olivetti e Wladimir Costa. O auge da Jolly-Gancia foi em 1969, quando seus pilotos venceram todas as 23 corridas de que participaram. Em 1970, com a Alfa GTA, Piero venceu o Campeonato Sul-Americano de Carros Turismo diante de forte e acirrada concorrência de brasileiros, argentinos e uruguaios. Nesse período, o italiano também presidiu a Associação Paulista dos Volantes de Competição (APVC) e sempre priorizou o esporte e não a política. Como piloto, ele sabia ouvir atentamente as reivindicações dos colegas e sabia exatamente quais eram as principais e mais urgentes necessidades da categoria. Preocupado especialmente com a área de segurança dos autódromos, ele conseguiu a aprovação para melhorar as condições do Autódromo de Interlagos, que no final dos anos 1960 vivia às moscas. Com asfalto se soltando, pedriscos fora do traçado, buracos nas trajetórias, e sem qualquer tipo de barreira de proteção, a principal pista brasileira carecia de reformas urgentes – a primeira desde sua construção, em 1940. O esforço do casal Gancia junto ao então prefeito Faria Lima proporcionou um cartão de visitas condizente com a projeção internacional de seus pilotos. Com a nova pista de Interlagos, mais o seu kartódromo, o sonho virou realidade com torneios internacionais de Fórmula Ford, Fórmula 3, Fórmula 2 e em 1972 a categoria máxima, a Fórmula 1. Em 1971, aos 49 anos de idade, após uma carreira de sucesso – sempre fiel à Alfa Romeo -, Piero pendurou o capacete. Logo depois, a equipe Jolly-Gancia abandonava as pistas. Apesar disso, ele nunca se afastou do automobilismo.

Em 1974, já fora das pistas, Piero passou a presidir a empresa Gancia Martini & Rossi, o que, entre outras coisas, propiciou a presença de José Carlos Pace na Equipe Brabham, que na época pertencia a Bernie Ecclestone e era patrocinada pela Martini. O italiano também foi importador da Alfa Romeu, Lamborghini e Ferrari – em 1974, o Brasil foi o segundo maior mercado da Ferrari no mundo, perdendo apenas para a Inglaterra. Piero Gancia foi sempre presença obrigatória nos bastidores das corridas e, no final dos anos 1980, após um movimento dos pilotos, foi eleito presidente da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA). Novamente, Piero deixou sua marca. Com seu empenho e dedicação ao esporte, conseguiu, durante a gestão de Luiza Erundina, reformar o Autódromo de Interlagos visando adaptá-lo às novas regras da F1. Rebatizado em 1985 de José Carlos Pace, em homenagem ao vencedor do GP do Brasil de 1975, o autódromo paulista voltou, em 1990, a sediar o GP de Fórmula 1 – a competição havia sido levada para o Rio de Janeiro em 1981. A prova da reinauguração foi vencida pelo francês Alain Prost. O brasileiro Ayrton Senna chegou em terceiro lugar. Sem nunca esquecer suas raízes, o italiano Piero Gancia sempre lutou e vestiu a camisa de seu país de adoção, o Brasil.

FILHO DE PEIXE
Carlo Gancia seguiu os passos de seu pai Piero, principalmente nos bastidores. Aos 17 anos, construiu seu primeiro kart e aos 19 anos foi estudar na Suíça. Em 1971 ajudou José Carlos Pace a integrar a equipe Williams na Fórmula 1 e logo depois na Ferrari no Mundial de Sport. Foi ele também quem apoiou Nelson Piquet em seus primeiros passos na Fórmula 3 européia. Em 1978, remontou, com sucesso, a equipe Jolly-Gancia na classe Turismo, e ao lado de Wilson Fittipaldi criou, em 1983, a categoria Super Kart, com a participação de estrelas como Ayrton Senna, Emerson e Wilson Fittipaldi, e Maneco Combacau. Um ano depois voltou a atuar na área financeira, mas nas horas vagas orientava pilotos brasileiros, principalmente Paulo Carcasi. Em 1992 foi convidado para administrar a carreira de Pedro Paulo Diniz e juntos adquiriram 50% da Equipe Forti Corse na F3000, entrando em seguida na Fórmula 1, onde durante dois anos enfrentaram sérias dificuldades. Carlo também foi o responsável, junto com Willy Hermann, pela entrada da Fórmula Indy no Brasil em 1996. Recentemente fecharam acordo com a Agência para Exportações Brasileiras (Apex) para o fornecimento de etanol à categoria americana.

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