Mercado maduro

Há tempos que a Bienal de São Paulo não consegue, na noite de sua inauguração, reunir nomes pesos pesados do circuito. A SP-Arte/Feira Internacional de Arte de São Paulo, ao contrário, em clima festivo, contou com a presença de vários deles, como Antonio Dias, Tunga, Ana Tavares, e legitimou a importância dos artistas no mercado. Afinal, arte é, acima de tudo, a interação dos indivíduos com a arte. Mesmo sem entrar no mérito quanto ao papel da feira no circuito cultural, há de se refletir até que ponto o evento pode interferir no caráter geral da arte.

Alguns artistas ainda se sentem constrangidos em participar. Concordam em vender em galerias, mas quando se trata de feiras se sentem mercenários. Para eles, Fernanda Feitosa, idealizadora da SP-Arte, manda um recado: “Profissional tem que saber vender”. Com posição firme, defende que a SP-Arte é um instrumento para escoar a produção artística. “Trata-se de uma feira de negócios que atrai em média 15 mil pessoas, sendo que dez por cento são compradoras em potencial. Não se pode esquecer que para frequentar é necessário gostar de Bienal, de museus, de galerias. Não vejo por que se constranger.”
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No circuito cultural há uma máxima que diz que só a partir da quinta edição um empreendimento começa a se legitimar, seja uma bienal, seja uma publicação. A SP-Arte confirmou a regra. O clima que tomou conta do prédio da Bienal de São Paulo não chegou a ser o de uma bolsa de valores, mas a agitação que as 80 galerias reunidas causaram demonstra o poder de fogo do atual mercado brasileiro de arte.

Para o artista Antonio Dias que vive na Europa há muitos anos, onde atualmente há um corte radical nos gastos, a feira foi uma surpresa. “Parece que a crise não chegou ao Brasil.” A potencialidade de resultados imediatos e possibilidades de lucro, mais do que em qualquer outro ano, animaram os galeristas.

Raquel Arnaud, proprietária da galeria de mesmo nome, garante que o evento está cada vez mais estruturado. “O público comprador se mostrou muito mais satisfeito na feira do que se mostra na galeria, onde nem sempre temos tempo de dar toda a atenção. Além disso, há o contato direto com os artistas.” Raquel também chamou a atenção para a comparação entre a Bienal de São Paulo e a SP-Arte. “Diante do resultado recente das últimas edições, o contraste é evidente. A Bienal vive um momento de decadência, enquanto a feira se posiciona cada vez mais.”

Como ocorre em países como a Espanha, só uma feira basta. Não existe uma Bienal. A Arco é que responde pela movimentação da arte contemporânea que chega por lá. No mercado há 18 anos, a feira espanhola tem o poder de atrair galeristas, críticos e colecionadores de todo o mundo. Fábio Magalhães, curador das segunda e terceira edições da Bienal do Mercosul, acha que a SP-Arte é muito mais do que um simples comércio. “Trata-se de um acontecimento cultural expressivo.”

Como um dos desdobramentos da reconfiguração do campo artístico, as feiras tornam-se, cada vez mais, local onde só não existe o que ainda não foi imaginado pelo artista. Dos pintores modernistas aos grafiteiros, todos tiveram sua vitrine. Baixo Ribeiro, sócio da Galeria Choque Cultural, um dos redutos de arte alternativa da capital, que um dia já foi vítima dos pichadores que danificaram algumas obras, estava satisfeito. “Algumas pessoas ficam surpresas de nos ver aqui, eu e a Mariana Martins não iríamos ficar fora do circuito das galerias. Não atuamos à margem, somente apostamos em artistas desconhecidos, damos chances a eles, e aqui também temos compradores.” É sempre bom lembrar que Mariana é filha de Aldemir Martins, que foi um dos craques no mercado de arte.

Para Thomas Cohn, dono da galeria de mesmo nome, a SP-Arte é boa. No entanto, ele acha que falta aos compradores maior reflexão. “Aqui não há pensamento, crítica, investigação, perturbação. As pessoas compram por influência de outras. Apostei numa pintora que ninguém conhece, mas na feira ninguém se detém para analisar ou descobrir algo novo.” Sem entrar muito em análise, Gilberto Chateaubriand, um dos mais importantes colecionadores brasileiros, vai ao ponto: “Feira é um mal necessário”. Para quem vive fora do eixo Rio-São Paulo esse é um espaço crucial para suas galerias. Marga Pasquali, proprietária da Bolsa de Arte, de Porto Alegre, diz que é impossível não participar da feira. “Este é um cenário importante no Brasil. Há compradores estrangeiros que começam a descobrir a feira.” Ela pergunta: “Quantas galerias há em São Paulo, 90, 100? Em Nova York há 500. Essa é uma oportunidade para a cidade expandir o mercado e ficar também conhecida internacionalmente, não só pela Bienal, como também pela SP-Arte”.

Luisa Strina vê a situação com ceticismo. “Esta é uma boa feira local e nunca vai se tornar internacional porque é cara, fica geograficamente longe e tem o alto custo dos impostos. Os colecionadores brasileiros vão às feiras internacionais, portanto não há necessidade das galerias estrangeiras virem ao Brasil.” Como sempre acontece, alguns nomes da arte contemporânea foram destaques. Nesta edição, foi a vez de Antonio Dias, Beatriz Milhazes, Nelson Leirner, Waltercio Caldas, Tunga, Leonilson, Vik Muniz. Uma das críticas que se faz à SP-Arte é o fato de algumas galerias trabalharem com artistas que estão no topo do mercado, mas que não foram trabalhados por elas e aproveitam a feira para vender. Nas feiras internacionais isso é proibido. Como a SP-Arte ainda está no início, é de se imaginar que muita coisa ainda será estruturada, como a presença de artesanato. Fernanda garante que, cada vez mais, as melhores galerias serão convidadas e não pretende abrir muito mais espaços. “Hoje temos 80 e vamos chegar no máximo a 140 galerias.”

Se em décadas passadas prevalecia a valoração estética e simbólica da obra de arte, hoje o circuito adota as regras da rentabilidade e da expansão comercial. Tanto algumas exposições quanto as lojas que funcionam dentro de museus, com atividades para estéticas, estão afinadas com a lógica de produção e venda de objetos comerciais.

Esse mercado policêntrico, que é a feira de arte, combina técnicas de promoção comercial com a difusão cultural. A galeria tem influência no mercado e sobre a escolha do colecionador, especialmente nos que não querem investir num futuro incerto e preferem colocar seu dinheiro em obras de arte, que penduram na parede e ainda lhes dão status.

Se a SP-Arte é um fato cultural ainda discutível por alguns, não há como negar que se consolidou como um fato comercial. Se até há alguns meses o leilão era considerado um bom negócio, parece que hoje a feira tomou seu lugar. “A feira hoje é melhor negócio que o leilão”, diz enfaticamente Jones Bergamin, proprietário da galeria de mesmo nome, e presidente da Bolsa de Arte do Rio de Janeiro. O glamour da compra tem incentivado a expansão de jovens compradores de arte. José Antonio Motta, 30 anos, veio de Campinas (SP) para conferir a feira, ou melhor, a obra de Mira Schendel. “Estive na retrospectiva no MoMA de Nova York e pirei. Ao chegar aqui vi que os preços eram astronômicos para mim, ao menos neste momento. Tenho uma pequena coleção, mas quero aumentá-la. Gosto muito de instalações, mas minha casa é pequena, por isso tenho optado por pinturas ou fotos.”

Nascida sob a influência da ArteBA, a feira de Buenos Aires, a ideia da SP-Arte foi trazida por Fernanda Feitosa da capital portenha, onde viveu por dois anos. Fazendo uma analogia com as escolas de samba, Fernanda classifica a SP-Arte na segunda liga, entre as feiras internacionais. “Na primeira estão a de Basel da Suíça, a Arco na Espanha e Miami Basel. Por ora, temos que chegar ao primeiro posto da segunda divisão, até conseguirmos chegar à primeira liga”, diz.

Confiante em seu papel, Fernanda investe na formação do público e, para isso, trouxe mais de 20 convidados do exterior, entre curadores de coleções particulares e de museus como Tate Modern, de Londres, MoMA, de Nova York, e Georges Pompidou, de Paris. Os investimentos dessa natureza não passam despercebidos para Mário Sequeira, proprietário da galeria de mesmo nome, sediada em Portugal. “Cada vez mais noto melhora nesta feira e a presença de personalidades do meio. Este é o terceiro ano que participo e, para mim, o mercado de São Paulo é notável, e em franca expansão, especialmente para se introduzir novos artistas. Vale a pena investir nessa viagem.”

Cruz, da Galeria Baró Cruz, acrescenta que ao mesmo tempo em que São Paulo cresce, a feira espanhola Arco entra em decadência. “A feira de São Paulo entrou no calendário nacional e internacional.” Dentro de um panorama de otimismo, Fernanda Feitosa faz uma observação final. “Se o governo não estabelecer, definitivamente, uma política aduaneira compatível com a realidade do circuito de arte, com a rápida liberação das obras e com a redução dos atuais 50% de impostos, será muito difícil chegarmos a ter uma feira internacional de porte.”

BIENAL DE SP GANHA NOVO PRESIDENTE

Refazer é a palavra de ordem que guiará, no próximo ano, a Fundação Bienal de São Paulo. Quem garante é o novo presidente da entidade, o empresário Heitor Martins. Cheio de planos, ele já está arregaçando as mangas e, dentro de 90, 120 dias, promete revelar um novo horizonte econômico-financeiro para a Bienal. “A estratégia é angariar recursos imediatamente para sair do gargalo. Estamos com o apoio do Ministério da Cultura e da Prefeitura de São Paulo”, explica com entusiasmo o novo dirigente, de 41 anos.
Refazer vale também para a área curatorial e Heitor Martins já adianta algumas transformações. “Vamos convidar três curadores que nunca tenham trabalhado em nenhuma edição da Bienal de São Paulo, sendo que um deles será estrangeiro. Depois, vamos dialogar com a produção internacional a partir das obras dos artistas brasileiros”, define Heitor Martins com atitude curatorial. Ele diz que, por exemplo, pode haver um núcleo dedicado à arte contemporânea em que poderiam estar Hélio Oiticica, Tunga, Waltercio Caldas, cujas obras dialogariam com a produção internacional dos últimos 30, 40 anos. A participação das embaixadas, que foi eliminada em 2005, pode ser repensada. Afinal, se nem mesmo a Bienal de Veneza tem dispensado a ajuda oficial, por motivos econômicos, por que o Brasil teria de fazer? Martins garantiu que eles estarão abertos a todos os recursos disponíveis.
Paralelamente ao projeto curatorial, Martins diz que pretende criar um mecanismo para envolver críticos, artistas, diretores de museus e até galeristas. “Ainda poderá haver um fórum com os diretores de museus”, conclui. Os candidatos a curadores da próxima edição da Bienal de São Paulo

vão encontrar uma parte do conceito já pensado, basta saber se vão aceitar.

Feira versus Bienal: disputa em família

Bem-humorada, Fernanda Feitosa, idealizadora e diretora da SP-Arte, casada com Heitor Martins, revela à Brasileiros que o clima de disputa em família já começou. Nada mais natural, afinal eles têm nas mãos as duas instituições mais poderosas do circuito brasileiro das artes: a SP-Arte e a Bienal.
Pergunto a Fernanda como será o relacionamento deles em relação aos cargos que ocupam e ela responde brincando: “A concorrência já começou. Heitor diz que ele é mais importante, porque eu só ocupo um único andar do pavilhão da Bienal com a Feira, enquanto ele vai ocupar, com a Bienal, todo o edifício. Nossas brincadeiras seguem assim por diante…”
Mais séria, ela garante que as duas atividades são parecidas e ao mesmo tempo diferentes. A SP-Arte é mercado de vendas que dialoga diretamente com as galerias e a Bienal está envolvida num processo conceitual, com a participação de curadores.
O casal número um das artes começou a colecionar quando ainda morava em Buenos Aires. “Inventamos um projeto em comum. Durante os dois anos em que ficamos por lá, todos os sábados visitávamos museus e galerias, o que fazemos até hoje. A primeira vez que entrei numa Feira foi na ArteBA e de lá veio a ideia de criar uma feira no Brasil.” A coleção, que começa a ganhar peso, é formada por obras contemporâneas e algumas modernistas. “Este foi um projeto pensado para desempenharmos juntos, depois de uma semana separados pelo trabalho”, diz Fernanda.
Diante dos postos que assumem hoje, Heitor Martins diz estar tranquilo e que tudo é circunstancial, nada premeditado. “Estamos vivendo uma situação casual, uma simples e boa coincidência, nada mais”, arremata o empresário.


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