As mineradoras e o Estado

 

Extração Mina Germano, da Samarco, localizada no complexo em Mariana (MG). Foto: Simião Castro
Extração Mina Germano, da Samarco, localizada no complexo em Mariana (MG). Foto: Simião Castro


Hoje apenas Vale, a então Companhia Vale do Rio Doce foi privatizada em maio de 1997, durante o primeiro mandato do então presidente Fernando Henrique Cardoso, em uma transação envolvida em polêmica. A principal foi a cifra do leilão, R$ 3,3 bilhões. Relatório técnico da Coordenação de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ) indica que o preço negociado excluía o valor total das reservas da companhia em minério, estimado em até R$ 87,5 bilhões. Por trás da privatização, no entanto, havia o ideário econômico da época, que recomendava a privatização do maior número possível de estatais, como explica Mario Engle, professor da Escola de Direito de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas (FGV). “A privatização da Vale fez parte de um programa gerenciado pelo BNDES com o intuito de reduzir a presença do Estado na economia. Era a visão política de que essas empresas seriam mais bem administradas sem a possibilidade de aparelhamento partidário.”

O homem por trás da negociação é Benjamin Steinbruch, dono da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Ele venceu a queda de braço contra Antônio Ermírio de Morais e seu Grupo Votorantim ao atrair os maiores fundos de pensão do País para seu lado. Levou o leilão e a cadeira de presidente, onde ficou até 2000, quando sua intenção de montar um império siderúrgico acabou frustrado pelos próprios aliados. A Bradespar (Fundo de Pensão do Bradesco) e a Previ (Fundo de Pensão dos Funcionários do Banco do Brasil) fizeram oposição tão cerrada às ideias de Steinbruch que ele concordou em vender suas ações da Vale para esses dois fundos, que transferiram parte de suas ações na CSN para o grupo Vicunha, também da família Steinbruch.

Naquele mesmo ano, a Vale adquiria a Samarco, fundada em 1977, ao comprar sua controladora, a Samitri (S/A Mineração da Trindade), por R$ 971 milhões. Enquanto concluía a transação, a Vale vendia 1% do capital da Samarco ao grupo australiano Broken Hill Proprietary Company Limited (BHP), que já detinha 49% da empresa. A multinacional, que divide até hoje a administração da Samarco com a Vale, só virou BHP Billiton no ano seguinte, ao se fundir com a anglo-holandesa Billiton – a maior mineradora do mundo em valor de mercado em 2014. O acidente em Mariana não é o primeiro em que a BHP se envolve. Em 1979, uma explosão de gás na mina de carvão Appin, na Austrália, matou 14 pessoas. Novas explosões de gás em minas de carvão na cidade australiana de Moura mataram 12 pessoas em 1986, e outras 11 em 1994.

Enquanto as aquisições aumentavam e Steinbruch deixava a companhia, crescia a influência da União sobre a Vale por meio da participação cada vez maior dos fundos de pensão de empresas estatais. A maior parte das ações ordinárias da Vale, aquelas com direito a voto, estão em poder da Valepar S.A.: 53,35%. Acontece que a companhia é 49% controlada por outra, a Litel Participações S.A., formada praticamente por fundos de pensão estatais. A Previ é dona de 78,4% das ações da Litel, seguida por Funcef (12,82%), da Caixa Econômica Federal, Petros (7,74%), da Petrobras, e Singular (1,4%), Fundo de Investimento de propriedade da Previ, Petros, Funcef e Fundação Cesp (Companhia Energética de São Paulo). O restante das ações da Valepar é dividido entre Eletron (0,03%), Bradespar (21,21%), Mitsui (18,24%) e a estatal BNDESPar (11,51%), empresa criada para administrar as companhias adquiridas pelo BNDES. Mas a participação do BNDESpar na Vale não se restringe à Valepar. Ela detém diretamente outros 6,5% da companhia, percentual em nome do governo federal. Embora a influência da União seja cada vez maior sobre a Vale, ela não foi reestatizada, como defende a oposição. O professor da FGV Mario Engle explica que a influência do governo por meio dos fundos de fato existe, mas apenas de forma indireta. “As empresas estatais têm uma influência forte sobre a administração de seus fundos, o que nos dá a impressão de que suas decisões estejam alinhadas às estratégias do governo. Para ser considerada estatal, as ações deveriam estar em nome da União.”

Essa é a diferença da Vale para a Petrobras. Enquanto apenas 6,5% das ações da siderúrgica estão em nome do governo, esse percentual é de 50,3% no caso da petroleira. I


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