Apesar do pessimismo e da incerteza que tomam conta da economia mundial em tempos de crise, ao contrário do que muitos pensam, nem tudo é desespero no Brasil. Existem muitos setores que ignoram os prognósticos e, mesmo nesse período conturbado, continuam investindo e contratando no início de 2009. Marcelo Côrtes Néri, Ph.D. pela Princeton University, chefe do Centro de Políticas Sociais do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e professor da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE), afirma que realmente existem setores onde a crise é sentida de maneira mais amena no Brasil.
Em seu estudo, “Crônica de uma Crise Anunciada – Choques Externos e a Nova Classe Média”, Néri afirma que a crise não foi sentida pela classe C da mesma maneira que foi pelas classes A e B. Pelo contrário, o movimento de ascensão para a classe C ainda vem acontecendo, mesmo que de maneira mais tímida. De certa forma, o trabalhador brasileiro comum está mais protegido do que o trabalhador brasileiro dos setores mais modernos, como o mercado financeiro, epicentro da crise.
Ainda segundo o estudo de Néri, em relação ao resto do mundo o Brasil se destaca, pois conseguiu manter uma taxa de crescimento constante, ou seja, não desacelerou como aconteceu com as grandes potências. “Hoje, o Brasil é o 8° no ranking em termos de taxa de crescimento esperado para 2009, não porque estamos crescendo mais, mas porque estamos conseguindo manter o nosso crescimento enquanto os outros não”, completa o professor.
Segundo o que foi divulgado nesse início de ano, o desempenho da bolsa brasileira foi o segundo melhor no período entre 30/12/2008 e 13/02/2009, ficando atrás somente da China. A variação da moeda nacional em relação ao dólar durante o mesmo período foi uma das menores do mundo. Segundo Néri, por ter uma economia relativamente fechada e regulada financeiramente, o Brasil consegue ficar mais protegido contra choques financeiros e choques externos de exportação.
O setor varejista é um dos que não ouviu falar em crise. Segundo dados fornecidos pelo Wal-Mart, a multinacional promete investir ainda mais no Brasil em 2009. A expectativa é de que sejam inauguradas de 80 a 90 novas lojas no País e 10 mil novos empregos sejam gerados. A promessa é de que 2009 seja o ano com maior investimento da empresa desde que desembarcou no Brasil, em 1995, algo em torno de R$ 1,6 a 1,8 bilhão. “Aumentar a concentração de atuação no Brasil e outros países emergentes é uma boa alternativa para as multinacionais balancearem um pouco o impacto da crise”, afirma Néri.
Foto: Raimundo Pacco/Folha Imagem |
Setor varejista tem ótima perspectiva de expansão para 2009 |
Ainda no varejo, o Grupo Pão de Açúcar divulgou os resultados do último trimestre de 2008, confirmando o bom desempenho do setor. O ano terminou com um caixa positivo de R$ 1,7 bilhão e R$ 500 milhões investidos, além de 31 novas lojas inauguradas. Enéas Pestana, vice-presidente administrativo financeiro da companhia, afirma ainda que existe um investimento aprovado de R$ 1,2 bilhão, porém esse teto será alcançado dependendo da temperatura do mercado.
De qualquer maneira, todas as estimativas feitas para o ano passado foram batidas graças a uma estratégia bem feita do Grupo. Segundo diretores da empresa, um estudo realizado nos meses de março e abril de 2008 previu uma possível crise e, dessa maneira, conseguiu preparar o Pão de Açúcar de forma adequada. “Estamos na contramão da crise, pois fizemos a lição de casa mais cedo”, afirma Pestana.
No ano passado, quatro mil novos empregos diretos foram gerados pelo Pão de Açúcar e somente em janeiro já foram mais 1,4 mil. “Não estamos com o pé no breque, estamos com o pé no acelerador, apenas esperando o resultado da equação crise econômica e/ou o resultado da empresa para pisar mais fundo”, conclui Cláudio Galeazzi, presidente executivo do Grupo.
Segundo pesquisa recente da consultoria Grant Thornton International, a situação do emprego no Brasil é melhor do que no resto do mundo. A consultoria ouviu 7.200 empresas de 36 países, sendo 150 brasileiras, e concluiu que o saldo entre contratações e demissões no País para 2009 será de 20% positivo contra 4% negativo da média global. A perspectiva do saldo do emprego no Brasil ganha mais destaque ainda se comparado com a União Européia (-12%) e o Nafta (-9%), bloco formado por Estados Unidos, México e Canadá.
Na área de TI, Tecnologia da Informação, o momento não poderia ser melhor. Segundo Antonio Carlos Rego Gil, presidente da Brasscom (Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação), com a onda de demissões que acontece em períodos de crise e recessão, as empresas são obrigadas a investir em TI para que softwares possam fazer o mesmo trabalho e com a mesma produtividade de antes, quando era executado pela mão humana.
Foto: Reprodução |
Setor de TI ainda tem muito espaço para crescer, segundo o presidente da Brasscom |
O setor ainda possui muito espaço para se desenvolver. Em agosto de 2008, a Brasscom mapeou 33.011 oportunidades profissionais no Brasil na área de TI até 2009, com um destaque para a região Sudeste que, com 23.510 oportunidades, acumula uma fatia de 71,22% do total de vagas previstas. Ainda segundo Gil, o Brasil é muito competente na área e é uma questão de tempo para que o País se torne mais competitivo e consequentemente melhore ainda mais seu desempenho. “Não será exagerado como antes da crise, mas o setor de TI brasileiro tem tudo para continuar em crescimento.”
O presidente da Brasscom ainda declarou que a forte desvalorização do real frente ao dólar no fim de 2008 favoreceu as exportações brasileiras, aumentou a entrada de capital estrangeiro no país e impulsionou a economia. Além disso, a baixa incidência de conflitos étnicos ou terrorismo e a estabilidade política e econômica do Brasil tornam-no a principal opção para o mercado global de TI.
Boas notícias também chegam do setor imobiliário, mais especificamente no segmento de imóveis populares. “Felizmente, no Brasil, o sistema financeiro é sólido e tem todas as condições de continuar financiando a produção de novas moradias”, afirma Paulo Safady Simão, presidente da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção).
Quando perguntado sobre o futuro do setor, Safady respondeu que medidas precisam ser tomadas para evitar que a crise se alastre também no imobiliário. Porém, o governo já está se adiantando e anunciou recentemente que pretende construir um milhão de casas até 2010.
Foto: Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem |
Construção popular pode ajudar o Brasil a superar a crise |
Desde que se instalou na economia mundial, a crise já fez milhões de vítimas, porém é sempre bom ver que nem tudo está perdido. No Brasil, alguns setores até estão vencendo a crise. É uma vitória por pontos, não é um nocaute, mas ainda assim é uma vitória. Com muito trabalho e um pouco de otimismo, o País pode sair fortalecido dessa turbulência histórica nas bases do capitalismo mundial.
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