Que Maria Fernanda Cândido foi abençoada pela natureza, ninguém duvida. Morena, olhos verdes meio puxados, cabelos castanhos naturalmente ondulados, 1,76 m distribuídos em “uns” 60 kg. Diz ela ser mais magra hoje, aos 38 anos, do que quando foi modelo. “Naquela época, não entrava em roupa nenhuma.” Acredita?
Atriz formada pelas mãos de Fátima Toledo – a preparadora de atores considerada linha dura –, Maria Fernanda volta à TV em outubro, pelo canal pago GNT. Estará em Sessão de Terapia, versão brasileira da série israelense Be Tipul, sucesso em 30 países. Ela interpretará Júlia Rebelo, médica que teria atributos suficientes para ser uma mulher feliz – beleza, dinheiro, respeito profissional –, se não tivesse sofrido um abuso sexual na adolescência. É sobre essa violência que a personagem da atriz vai tratar no divã às segundas-feiras – de terça a sexta, outros atores interpretam assuntos tão dramáticos quanto o de Júlia, como morte, acidente, gravidez indesejada e relações afetivas tumultuadas.
Maria Fernanda ganhou fama como Paola, a italiana que roubou o coração de Francesco, vivido por Raul Cortez, na novela Terra Nostra, de 1999. Depois, interpretou outros papéis de destaque em novelas e minisséries globais – Esperança, Como uma Onda, Capitu, O Brado Retumbante, As Brasileiras –, mas no momento anda afastada do horário nobre da Globo e aqui conta seus motivos. Por enquanto, dedica-se, além do Sessão de Terapia, a dar suas opiniões no programa Saia Justa, também da GNT, capitaneado pela jornalista Monica Waldvogel.
Fora das telas, Maria Fernanda também elencou êxitos no teatro. Estreou com Anchieta, Nossa História e acabou se apaixonando pelo ofício. “Não fiz 300 peças, mas o que fiz foi substancioso”, diz. A saber: ela esteve em O Evangelho Segundo Jesus Cristo, adaptação do livro homônimo de José Saramago, Pequenos Crimes Conjugais, do francês Eric-Emmanuel Schmitt, e Ligações Perigosas, adaptação do dramaturgo Christopher Hampton para o clássico romance francês de Pierre Choderlos de Laclos. Foi nesse espetáculo que a atriz viveu sua primeira vilã, a marquesa de Merteuil. “Adorei ser má”, brinca. Mas sua grande paixão sempre foi o cinema. “É o que eu sei fazer”, diz, modestamente. Até agora, ela carrega no currículo personagens em três longas: Dom, Sal de Prata e Aparecida, o Milagre. Mas quer mais.
Casada com o empresário francês Petrit Spahija, dono do charmoso restaurante Le Poème Bistrô, em Pinheiros, mãe de Tomas, 6 anos, e Nicolas, 3, Maria Fernanda também mostra sua porção empresarial na sociedade que mantém na Casa do Saber, espaço paulistano e carioca dedicado à disseminação do conhecimento, como ela própria define o empreendimento. Foi justamente em um dos dois endereços da casa em São Paulo que ela recebeu a Brasileiros em uma manhã de segunda-feira. Vestida de preto, elogiou a camisa estampada desta repórter e avisou que sua mãe, Agda, dirige uma pequena loja de roupas femininas. A seguir, Maria Fernanda Cândido abre o jogo e, ainda que discreta, revela detalhes até de sua vida doméstica.
Na terapia
Já fui paciente de dois profissionais, agora estou em um intervalo, talvez eu volte. A gente vai para a terapia sem máscara, para não atuar. É um momento quase confessional. Em Sessão de Terapia, levei isso em conta na hora de fazer minhas cenas e foi uma experiência muito particular porque a minha personagem, Júlia, viveu uma situação distante do meu universo. A questão é pesada: ela sofreu um abuso sexual na juventude, mas não entende como tal. Ao contrário, ela se considera culpada – e isso, talvez, seja uma questão para muita gente. Ou seja, ela acha que seduziu aquele homem. Por isso, aparentemente, não há nada de errado com ela, que é médica anestesista, uma mulher linda, culta e com um nível socioeconômico bom. Mas, por causa desse passado, ela não consegue estabelecer laços afetivos profundos nem detectar o que está errado com ela, que tem um namorado que a adora, quer se casar, ter filhos. Como ela não encara esse estreitamento da relação, esse namorado a leva ao analista. O seriado é muito bonito porque tudo é levado às últimas consequências.
No horário nobre
Já faz cinco anos que estou fora das grandes novelas por um único motivo: não posso mais me ausentar de casa durante um ano inteiro, sendo mãe de duas crianças ainda muito pequenas. Não é que não goste de fazer novela, mas estou impossibilitada no momento. Mesmo dentro da Globo, que eu adoro, tenho feito muita microssérie e minissérie. Essa foi a maneira que encontramos de conciliar trabalho e vida pessoal. Agora, consigo fazer projetos mais curtos, com uma duração de dois a quatro meses de trabalho. Esse é um distanciamento possível. Ainda assim, durante as gravações, fico na ponte aérea e me sacrifico bastante porque costumo ir ao Rio para trabalhar, mas sempre volto para casa. Isso é da minha natureza, se eu não fizer isso, não fico bem.
No espelho
Nasci em Londrina, fui criada em Curitiba, o que foi uma sorte, porque a cidade era muito tranquila e isso me deu muita segurança. Aos 14 anos, vim, nos mudamos, minha família e eu, para São Paulo. Sou uma mulher caseira, que gosta de estar com a família, com meu marido, meus filhos, os amigos. Sou também muito ligada à construção dos afetos, dos relacionamentos. Não sou o tipo que rompe por qualquer motivo. Por isso, não sei se me classifico como uma pessoa careta ou à frente do meu tempo. Hoje, o mundo é da desconstrução, em que a nossa relação com o tempo é muito específica com o presente. Não existe mais uma relação com o futuro ou com o passado. Somos filhos do século 20, em que o presente impera e que a subjetividade tomou uma força tão grande que nos desconecta de um tempo, de um pensar a longo prazo que as gerações passadas tiveram. Os meus avós e mesmo os meus pais pensavam no dia de amanhã e eu tenho isso também. Por isso não me sinto muito adequada no mundo contemporâneo. Mas vivo um momento pessoal muito frutífero, saindo de uma espécie de casulo em que vivi por causa dos meus filhos. Começo a voltar para mim mesma, mas transformada, porque não sou mais a mesma de antes. Tenho uns projetos para o futuro, mas nada que eu possa contar agora.
No drama
Tenho uma predileção por papéis dramáticos, densos. Eu me sinto atraída por eles. Ontem, estava lendo vários projetos e um deles me encantou tanto que chorei muito, fiquei totalmente tomada pelo negócio. Gosto da densidade e acho que a gente deve fazer o que gosta para encontrar um sentido naquilo que escolhemos fazer. Funciono muito dessa maneira, de precisar ter esse sentido para me entregar plenamente. Com a Júlia foi assim, conheci outro tipo de existência. Nunca tinha tido contato com esse universo do abuso e esse mundo se abriu para mim. O problema dela, agora, faz parte de mim. O que quero dizer é que, a partir da Júlia, abri os olhos para a questão da violência sexual contra a mulher, que era um assunto que eu apenas lia nos jornais, nas revistas. Agora, se eu escutar uma história desse tipo, minha receptividade, com certeza, será outra.
Nas passarelas
Eu já devia ter esclarecido isso antes… Nunca fui uma grande modelo. Dizem que morei fora, que fiz isso e aquilo. Mas não é bem assim. Quando terminei o colégio, fui passar férias em Nova York e lá fiz uns trabalhos legais, mas não passou disso. Em Paris, a mesma coisa. Foram seis meses fora do Brasil, mas nem magra eu era. Poderia ter emagrecido, mas não quis. Em Paris, os agentes me falavam que eu tinha de perder peso. Saía da agência e ia comer croissant, entende? Foi um momento, uma oportunidade que surgiu, mas não era o início de uma carreira, nunca imaginei aquilo como uma profissão. Mas aprendi cedo a lidar com questões profissionais e isso foi ótimo. Depois, fui fazer cursinho para prestar vestibular para Terapia Ocupacional (TO). Entrei na USP, estudava das 8 horas às 18 horas. No último ano do curso, conheci Fátima Toledo e fui aprender cinema com ela. Cinema, aliás, é a grande paixão da minha vida e o que sei fazer. Faço teatro porque também amo, mas foi um amor que surgiu depois.
Na fama
As pessoas passaram a me conhecer como Paola, minha personagem em Terra Nostra. Mas, dois anos antes, eu já estava atuando, tinha participado de novelas em outras emissoras e também feito teatro. Para fazer parte do elenco de Terra Nostra, passei por um teste e deu certo. Depois apareceram outros trabalhos e tive a sorte de atuar ao lado de tanta gente bacana… Laura Cardoso, Tony Ramos, Raul Cortez…
No feminino
É difícil ser mulher, mas acho que hoje é também difícil ser homem. O mundo contemporâneo nos trouxe essa liberdade, que é maravilhosa e ninguém quer perdê-la, mas também trouxe muitas questões e inseguranças. Só que para a mulher… Ela ficou sobrecarregda. São muitos papéis, muitas exigências, e a gente ainda precisa estar bonita, cheirosa, magra, com a pele boa, os filhos supereducados, bons alunos. Além disso, o marido precisa ser feliz, realizado, e ter ao lado dele uma mulher dessas, que ainda deve ser uma profissional maravilhosa, que participa da questão financeira da casa. Isso, eu acho, é bastante coisa. Agora, se você me perguntar se quero voltar atrás, ao que era antes, vou dizer que não é o caso. É o caso de dar uma reequilibrada. Mas a gente precisou da revolução feminina, desse movimento radical, para chegar onde chegamos. Este é o momento de tentar equalizar as coisas e achar um ponto de equilíbrio bacana para homens e mulheres.
Na vida a dois
Meu casamento já está beirando os nove anos, é sólido e bem gostoso. Mas manter um relacionamento dá trabalho, o cotidiano é avassalador, arrebenta com tudo. Em família, a relação é entre todos. O que um gosta o outro detesta. As crianças também são muito diferentes e essa administração dos seres é uma das tarefas mais difíceis.
A maternidade
Foi a mudança mais radical da minha vida. Meu mundo que, antes do nascimento dos meus filhos, estava ligado ao meu próprio umbigo passou a estar ligado ao umbigo deles. A perspectiva mudou radicalmente e, para mim, eles estão em primeiro lugar. A rotina do casal também fica alterada: a gente passa a ouvir outras músicas, a ver outros filmes, a preparar uma alimentação não muito elaborada nem temperada demais… Até as amizades mudam, tendendo para aquelas com pessoas que também têm filhos. Mas essa mudança chega com muita alegria e até digo que, do ponto de vista biológico, eu adoraria ter o terceiro filho. Só que racionalmente é uma loucura e dizer isso é quase uma tristeza porque sou muito orgulhosa por ver meus filhos serem legais e educados.
Na vida doméstica
O horário das 20 horas é o horário “x” na minha casa por causa dos meninos: jantar, banho, lição… Dizem que o trabalho dobra com dois filhos. Mentira! Quadruplica. Tenho dois meninos, de 6 e 3 anos, e boa parte dos conflitos deles e das coisas práticas são comigo e, olha, que tenho um maridão. Petrit é superpai. Quando tenho de me ausentar, ele está lá, vivendo o cotidiano. Os meninos têm uma segurança por causa disso, o que é importante. Mas tem aquela coisa de eu tomar à frente, acho que uma atitude atávica das mães, o tal “deixa comigo”.
Na religião
Sou católica, batizada, tudo. Já fui muito a missas, mas hoje estou menos ligada aos rituais, embora eu tenha fé e religiosidade. Sou muito ligada a esse poder que está acima de nós e, para mim, ele existe. Sempre faço as minhas orações e agradeço pela vida. Estou sempre imbuída desse sentimento e isso acaba gerando um ciclo virtuoso e positivo.
No assédio
Tenho o maior prazer em atender as pessoas, exceto quando estou com os meus filhos. Não paro para dar autógrafos ou para tirar fotos quando estamos em shopping, praia, parque, lugares públicos. Como posso deixar dois meninos soltos para dar atenção a outra pessoa? Não posso, tenho senso de responsabilidade. Mas explico a quem me aborda que estou cuidando dos meus filhos naquele momento e por isso não vou atender ao pedido. Mas se um dia eu encontrar aquela mesma pessoa em outra situação, darei o autógrafo com o maior prazer. As pessoas entendem e, com isso, acho que cheguei a um meio-termo adequado entre o público e o privado. Não causo nenhum tipo de incômodo e, ao mesmo tempo, transito bem.
O capital erótico
Catherine Hakim é uma economista inglesa que acaba de lançar um livro com esse título, em que diz que pessoas atraentes são mais bem-sucedidas. Li alguns capítulos e, do ponto de vista da economia, ela defende que a mulher use seu capital erótico para ter poder financeiro. Isso falado na Inglaterra pode ter uma ressonância, mas não acredito que isso funcione no Brasil, que é um País com várias realidades.
A porção empresária
Sou sócia-fundadora da Casa do Saber, que nasceu de reuniões e encontros que aconteciam na minha casa e também na de amigos. Nós tínhamos um grupo e um professor para discutir filosofia. Éramos 15, 20 pessoas que se reuniam semanalmente e cada um de nós tinha uma turma querendo aderir ao grupo. Por isso, resolvemos fazer a Casa do Saber em uma época que não havia nada parecido nem aqui nem em nenhum lugar do mundo. Apostamos no negócio, baseados na nossa experiência, e deu certo. Temos duas casas em São Paulo e uma no Rio, na Lagoa Rodrigo de Freitas, que é linda, e todas vão muito bem. Mas a gente não ganha dinheiro. Todo mundo aqui tem suas profissões e, graças a Deus, todos são bem-sucedidos. Então, o que entra é reinvestido. Não se trata de um negócio, embora seja uma empresa privada, que se autossustenta.
Uma reflexão
Estamos vivendo o pior momento do capitalismo, e ele acaba subvertendo certos pilares da nossa existência. Fica difícil, por exemplo, enfrentar essa crise de corrupção porque não era para chegar a esse ponto, em que o capital passa a ser dominante. Meu marido é europeu e vemos noticiários juntos. Ele diz que na França também existe corrupção, só que lá eles fazem todo o básico primeiro e o que sobra pode ser desviado. Às vezes, isso vem à tona, às vezes não. Mas fazem tudo primeiro. Aqui, é diferente. Não sobra nada para fazer o básico.
Na política
Todos os candidatos à Prefeitura de São Paulo foram sabatinados na Casa do Saber e falaram sobre seus programas. Nosso problema não é dinheiro. São Paulo, principalmente, tem um PIB astronômico. Nosso problema é de gestão, da administração desse dinheiro. Enquanto não avançarmos nessa área, vai ser muito difícil mudar alguma coisa, seja lá quem estiver à frente da Prefeitura. A burocracia também é vilã em nosso País. Outro dia, ouvi uma história muito triste, de uma mulher que foi ao serviço público de saúde com um nódulo pequeno na mama. Ela precisava fazer uns exames, que foram marcados para cinco meses adiante. Quando, finalmente, fez os exames, o nódulo já era enorme, do tamanho de uma maçã, e ela não pôde ser submetida a uma cirurgia por causa disso. Precisava passar por sessões de quimioterapia antes da operação, que foram marcadas para o ano que vem. O que quero dizer é que isso tudo está errado e mostra que funcionamos em uma burocracia maléfica e corrosiva. Está na hora de acertar as coisas e a primeira delas seria uma reforma política para dar um fim nessas coligações partidárias que ninguém entende. Mas sou uma pessoa otimista. Acho que nós estamos em um caminho positivo, mas temos ainda muito trabalho pela frente.
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