O Brexit e o Brasil

Sessão do Parlamento do Reino Unido - Divulgação/Parlamento Britânico
Sessão do Parlamento do Reino Unido – Divulgação/Parlamento Britânico

A globalização é uma realidade inegável e não só um conceito teórico. Por isso a decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia (Brexit) vai reverberar no Brasil. Em entrevista a jornais brasileiros, na manhã do dia em que foi divulgado o resultado do plebiscito, 24 de junho, o presidente interino, Michel Temer, negou que a saída do Reino Unido do bloco europeu traga algum impacto imediato ao Brasil. Mas a realidade é teimosa e, algumas horas depois, o dólar comercial chegou a saltar 3,14%, e o Ibovespa, principal indicador da bolsa paulista, recuava 3,46%.

A decisão da saída do Reino Unido da União Europeia confirma a emergência de políticas de antiglobalização mundial, de mercados e mentes fechados. Trata-se de uma negação das profundas e, às vezes, angustiantes mudanças que provocam os massivos movimentos migratórios, a superação das respostas exclusivamente nacionalistas e as mudanças nas referências culturais e sociais. Brexit versus União Europeia, Trump versus Obama, catalães versus espanhóis ou islamistas versus o restante do mundo dizem a mesma coisa: o global me aterroriza, quero voltar para o meu conforto tribal!

Mas pode a tribo brasileira ficar imune a esses movimentos? Num momento em que o País tenta recuperar sua economia, o Brexit abre expectativas de volatilidade das moedas, de tensão das taxas de juros e de enfraquecimento do comércio internacional, que vão dificultar significativamente uma economia brasileira tão dependente das condições de financiamento de sua dívida e do dinamismo das suas exportações.

A decisão afetará consideravelmente os fluxos de investimento em todo o mundo, aumentando a chamada aversão ao risco dos investidores e a postergação de várias operações. O Brasil, visto com cautela pelas questões domésticas e o cenário político, dificilmente se converterá em destino seguro para os investidores internacionais.

A médio prazo, e de forma mais estrutural, o Brexit pode dar asas à política externa brasileira esboçada pelo ministro interino das Relações Exteriores, José Serra. Ele multiplicou até agora as críticas e os desapreços às Nações Unidas, à Organização Mundial do Comércio (apesar de ser dirigida por um brasileiro) e ao Mercosul, prometendo investir prioritariamente em tratados bilaterais de comércio e cooperação. Mas faz sentido trocar um acordo global União Europeia-Mercosul por um acordo Brasil-Inglaterra (Inglaterra sim, nem estamos falando do Reino Unido)? Faz sentido ficar fora dos grandes acordos transpacífico ou transatlântico, deixar de lutar por um assento permanente no conselho de segurança da Organização das Nações Unidas ou desprezar o trabalho da OMC?

Porém, o Brasil poderia se beneficiar dessa nova situação mundial, caso continuasse seguindo sua identidade de Pais aberto, consensual e dinâmico, em vez de escolher a demagogia do discurso provincial. O Brexit vai provocar um realinhamento de forças com interesses diferentes, a radicalização do discurso nacionalista causará reação oposta à dos defensores de soluções supranacionais e integradoras. Nesse debate mundial, e estamos falando aqui de política no sentido primeiro da palavra, a divisão vertical esquerda-direita fica obsoleta e é substituída por uma divisão horizontal de natureza cultural, geracional e social que os partidos políticos tradicionais dificilmente conseguem refletir, tanto no Brasil como no restante do mundo.

* François Huteau é cientista político e economista


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