O contemporâneo em conceitos e espaços

Charles Esche
Charles Esche, curador da 31a Bienal de São Paulo, integrou o primeiro painel de debates

Definir o que é ser contemporâneo e quais são os espaços para a fluência da contemporaneidade nas artes visuais. Essas foram as questões centrais do primeiro painel de discussões do III Seminário Internacional ARTE!Brasileiros. Realizado no Auditório Ibirapuera, em São Pauloneste ano, o evento tem como tema “Arte Contemporânea no Século XXI.

O seminário teve início com uma breve apresentação de Marcelo Mattos Araújo, Secretário de Estado da Cultura de São Paulo. Na sequência, o mediador e colaborador da ARTE!Brasileiros Fabio Cypriano, jornalista, crítico de arte e professor na PUC-SP, deu início aos debates do painel de abertura do evento, que discutiu “o que é ser contemporâneo?”.

Primeiro a falar, o filósofo e professor da PUC-SP Peter Pál Pelbart recorreu ao pensamento do filósofo Michel Foucault e do poeta Charles Baudelaire para embasar sua argumentação: “Foucault salientou que a relação com a modernidade não implica diretamente no presente, mas na relação do homem consigo mesmo, com seus comportamentos, seus sentimentos e suas paixões. Algo que desemboca no desafio de fazer da própria vida uma obra de arte. Baudelaire disse que a busca de inventar-se, da criação permanente de nós mesmos em nossa autonomia, se dá na forma de ultrapassarmos nossas contingências. Não é difícil concordar com essa conclusão. Afinal, quem se oporia à defesa da autonomia, a exigência de pensar sobre si mesmo, de livrar se da tutela, da dependência de legar o pensamento a terceiros?”, questionou Pelbart.

Curador da 31ª Bienal de São Paulo, o escocês Charles Esche recorreu ao processo curatorial da mostra paulistana para explicitar contradições inerentes a contemporaneidade: “Ser contemporâneo é estar preso a um paradoxo. Quando começamos a pensar na 31ª Bienal, escolhemos conceitos como conflito, coletividade, imaginação e transformação. Para definirmos de forma genérica, ser contemporâneo é estar aberto aos conflitos, quaisquer que sejam eles, para que eles não se tornem violentos. A coletividade é necessária para crescermos e nos tornarmos adultos, no sentido de que o mundo contemporâneo nos desafia. Um aspecto é: o que significa ser contemporâneo? Outra pergunta é: o que a arte pode fazer? O que ela pode fazer dentro do contexto que nos define? Articular o passado historicamente não significa contá-lo da maneira que ele correu. E é preciso pensar sobre nossas tradições e a maneira como elas se tornaram mecanismos de controle. Uma força maior que está controlando muito do mundo, algo que não existe, uma ‘mão invisível’, que parece estar muito próximo de Deus, mas também do poder. Como lidar com essa ‘mão invisível’, onde nada é possível e tudo é possível?”

Diretor da mostra quinquenal alemã dOCUMENTA, baseada em Kassel, cuja próxima edição será realizada em junho de 2017, Adam Szymczyk fez um retrospecto das 13 edições anteriores, a partir das intenções da mostra inaugural, em 1955, e reiterou a importância da dOCUMENTA para a reconstrução cultural da Alemanha no Pós-Guerra:  “A dOCUMENTA nasceu em 1955 com o censo de urgência da cultura para a Alemanha, uma década depois do nazismo. Esse sentido de urgência por trás de uma mostra experimental foi um meio de ajudar a reconstruir a cultura do país com a ajuda de importantes intelectuais. A dOCUMENTA tornou-se, assim, uma ferramenta para mudar o presente, em um formato que pôde ser repetido, engajando contexto político, social, mas também sendo testemunha desse tempo. Ao dar espaço para a vanguarda, em meio as ruínas do Pós-Guerra, foi possível olhar para o passado e vislumbrar o futuro. Devemos ter uma visão pluralista do mundo para que nele possa haver transformações políticas e sociais”. Szymczyk também opinou sobre o que é ser contemporâneo: “A arte é uma extensão cognitiva de nossa natureza e não uma aberração. Podemos pensar no contemporâneo buscando algo que a ele é oposto, como o obsoleto. Mas o obsoleto também pode ser contemporâneo. O oposto ao contemporâneo talvez seja o atemporal. As coisas atemporais são consideradas com certa suspeita, parecem estar engessadas e não serem mais interessantes para a arte contemporânea”. 

Alanna Heiss
Alanna Heiss, diretora da Clocktower Productions, de Nova York, um dos destaques do segundo painel

A dimensão de que o tempo presente é a força motriz para a contemporaneidade nas artes visuais também ficou evidente na fala da israelense Galit Eilat. Curadora-associada da 31a Bienal de São Paulo. Galit afirmou que, a pedidos, falaria do Oriente Médio e iniciou sua participação no seminário falando sobre a construção do recém-inaugurado Templo de Salomão da Igreja Universal do Reino de Deus. Para Galit, o mega-templo é sintomático de um momento em que a humanidade parece retroceder a primeira metade do século XX: “Walter Benjamin falou sobre o ‘tempo messiânico’ e vejo nele conexão com o momento que estamos passando no Brasil e também no Oriente Médio.  De acordo com a lenda, o messias e a salvação virão depois da destruição do mundo e muitos dirão que estamos morando em uma sociedade neoliberal, outros dirão que vivemos numa sociedade de templos messiânicos. Se analisarmos o sistema econômico, em muitos lugares do mundo ainda estamos em tempos feudais. O Oriente Médio não saiu da Guerra Fria. A maior parte do Oriente Médio não era dividida. A maioria dos países foram delimitados a partir de 1948. Para alguns economistas, estamos em um período que se assemelha ao que vivemos antes da Segunda Guerra Mundial, e se houve alguma conquista no século XX, nós as perdemos no século XXI. Muitos poderão dizer que hoje temos mais democracias do que no passado, mas temos democracias disfuncionais, algo que ocorre no Oriente Médio, mas também na Europa Oriental. Uma vez que estamos lidando com a arte, como ela pode refletir tudo isso que está acontecendo? Todo o sistema de arte do mundo árabe, por exemplo, é privado e quase não existe. Não há verbas governamentais para o apoio a essas iniciativas. Felizmente, nos últimos cinco anos, houve um pequeno aumento desses institutos”.

Com o tema “Espaços Contemporâneos”, o segundo painel foi aberto por uma especialista no assunto, a americana Alanna Heiss, criadora da Clocktower Productions, em Nova York, e fundadora do P.S.1 Contemporar y Art Center, histórico espaço criado por ela no final dos anos 1960, hoje vinculado ao MoMA. Alanna falou de aspectos determinantes para o êxito de suas escolhas de espaços com até 50 mil m², que possibilitaram a ela acolher esculturas e instalações grandiloquentes. “Os espaços não podem ser formais, este é um dos motivos pelos quais a arte minimalista tem problemas para ser apresentada em museus. Em certo momento dos anos 1960 e 70, eu tinha cinco ou seis lugares em Nova York, algo bom para os artistas, pois nós mantínhamos espaços gratuitos e também fazíamos exposições na rua. Não gosto de espaços com arquitetura agressiva. Prefiro ocupar outros lugares. Quanto mais barato for, mais tempo e dinheiro poderão ser gastos em arte. Não precisa estar dentro da cidade, dentro de um shopping center.” Alanna também fez comentário crítico ao que considera um colecionismo frívolo e pouco construtivo para o sistema de arte: “Sempre fui contra as coleções de arte, quando há nelas interesse demasiado no objeto de varejo. Há quem se preocupe muito mais com o varejo do que com a origem e a produção da peça”.

Também baseada em Nova York a bienal Performa – como o título sugere, dedicada a performances – foi criada em 2004 e, atualmente, tem como curadora Adrienne Edwards, que falou na sequência de Alanna Heiss. A propósito de espaços variáveis, Adrienne destacou a escolha de tornar a Performa uma mostra itinerante. A cada edição, a coletiva ganha um local diferente em Nova York: “Como o conceito desse painel discute ‘espaço’, devo começar dizendo que na Performa não temos um local permanente. Gostamos de pensar que a cidade de Nova York é o nosso espaço. Desde novembro de 2004,  demos destaque a mais de 600 artistas e colaboramos com mais de 40 instituições locais. Desde o início, nosso objetivo foi reafirmar o quanto a performance foi essencial para o século XX e como ela mudou a arte. A performance, principalmente nos EUA, assumiu outra profundidade, ganhou um perfil diferente e, logo, algumas instituições e museus passaram a dedicar departamentos completos a ela. O centro de nosso trabalho são os artistas visuais. Nosso imperativo é fazer com que eles criem trabalhos baseados em multidisciplinaridades. Nossa missão é deixá-los fazer o que bem quiserem.”

Curador do mais antigo centro de arte contemporânea do mundo, o Institute of Contemporar y Arts London, fundado em 1947, o britânico Matt Willians assumiu o cargo no ICA em 2010. Em sua apresentação no seminário, Willians fez um retrospecto das ações do instituto. A exemplo de Adam Sz ymczyk, o curador do ICA também deu ênfase na importância do espaço para a reconstrução cultural da Europa, após a devastação provocada pela Segunda Guerra: “O mundo da arte era muito diferente no Pós-Guerra, pois havia lá não somente a necessidade de reconstrução física, mas também de reconstrução cultural. A missão do ICA foi de levar ao público as diferentes artes e movimentos que estavam acontecendo em todas as expressões. Primeiro, olhamos para o para o Surrealismo e as vanguardas do período, mas também ajudamos a promover jovens artistas britânicos e, logo, o programa do instituto se tornou internacional”.

Encerrando o segundo painel a americana Liz Munsell, curadora do Museum of Fine Arts de Boston, também  refez o histórico da instituição que é um das mais antigas dos EUA. O museu foi fundado em 1886 e possui um acervo com mais de 450 mil trabalhos. Apesar de reunir um número maior de arte histórica e moderna, o espaço passou a oferecer em 2013 uma ala dedicada a arte contemporânea e a realização de performances, como explicou Liz.  “Temos uma das maiores coleções de arte do mundo e trabalhamos para um público geral, que também quer ter da arte uma visão geral. O título da minha palestra é ‘espaços contemporâneos’, mas quero falar também do papel cada vez mais difícil dos curadores. Em 2010, houve no museu uma retrospectiva da Marina Abramovic. Mais de mil pessoas participaram, foram feitas representações de trabalhos antigos dela e reunimos profissionais que trabalharam com Marina. Hoje em dia, artistas e curadores ultrapassaram as fronteiras dos meios tradicionais. E apesar do entusiasmo com relação à performance nos museus, existem várias repercussões e desafios que acompanham essa mudança. Há nessa escolha oportunidades e riscos. No museu, há visibilidade e uma plataforma de diálogo para o artista, mas também há o risco de transformar a performance em entretenimento”. 

Realizado a partir das 15h, o terceiro painel do III Seminário Internacional ARTE!Brasileiros contou com a presença de Andrea Giunta, historiadora e pesquisadora da Universidad de Buenos Aires e da Universit y of Texas, de Agustín Pérez Rubio, diretor artístico do Malba – Museo de Arte Latinoamericano, de Buenos Aires, José Roca, curador do Esttrellita B. Brodsk y Arte Latinoamericana Tate London e diretor do FLORA Ars+Natura, da Colômbia, e também de Julieta Gonzáles, curadora do Bronx Museum, de Nova York, e do Museo Rufino Tama yo, do México. O tema do último painel foi “O Contemporâneo e a América Latina” e a mediação ficou a cargo de Leonor Amarante, editora da ARTE!Brasileiros


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Uma resposta para “O contemporâneo em conceitos e espaços”

  1. haverá um certificado de participação para os ouvintes?

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