Parecia um sonho. Em meados dos anos 1960 a jovem guarda reinava. O moleque era bom no violão, sabia. Afinal tinha puxado o avô que, diziam, “paralisava” quando tocava. Mas quem estava batendo na porta atrás do Vicentinho naquele momento era o Zé Piaba. O Zé Piaba! O bom do violão em Salgadalha, onde Vicente nasceu. O violeiro tinha ido até Serrinha, município baiano vizinho onde o menino morava com a família, na região de Feira de Santana, só para ouvir o tal do filho do seu Moreira que nem jovem guarda arranhava mais no violão do pai. Tocava bossa nova, música de acordes esquisitos que sequer precisava de dedeira no polegar como o seresteiro Zé Piaba estava acostumado. Ainda por cima inventava músicas.
Quatro décadas depois, Vicente Barreto, autor de sucessos como “A cara do Brasil”, interpretada por Ney Matogrosso, “Hein?!”, do repertório de Tom Zé, e “Morena Tropicana”, cartão de visita de Alceu Valença, está lançando seu décimo álbum intitulado simplesmente Vicente. Segundo o compositor, ele está finalmente chegando “em um ponto mais ou menos próximo” do que quer alcançar, que é juntar o canto, o violão e a melodia em um pacote só. Com o mesmo jeito solto de tocar violão que impressionou Zé Piaba um dia, colocando o Nordeste em qualquer música que tirava e que continuou impressionando meio mundo.
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Nesse meio tempo muita água rolou. Parcerias com Vinicius de Moraes, Hermínio Bello de Carvalho, Elton Medeiros. Suas músicas foram cantadas por vozes de Wando a Maria Bethânia, passando por Vânia Bastos e Mônica Salmaso. Só no toca-discos foram nove títulos. À estreia turbinada por Gonzaguinha com Assim Tão Moço (1980), com quem compôs “Abençoado e Santo”, uma das únicas parcerias da carreira do filho de Luiz Gonzaga, seguiram-se Vicente Barreto (1981), Rasgando a Seda (1983) e Nação Brasileira (1986), que encerra a fase LP do compositor. Resumidos em O Melhor de Vicente Barreto (2001), tem ainda Ano Bom (1995), Mão Direita (1996) e E a Turma Chegando Pra Dançar (1999). Vicente faria ainda Noite Sem Fim Dos Forrós (2002), uma aventura pelo universo forrozeiro, com direito a Jackson e Gordurinha, capitaneada pelo guitarrista Celso Fonseca, produtor do disco. Quando Gil ouviu, perguntou-lhe na lata, “cadê o violão, menino?” E a reclamação foi a gota d’água. Vicente passou quatro anos se repensando. O que desejava era que as pessoas ouvissem seu disco e dissessem “é Vicente Barreto”. O reencontro há dois anos com o percussionista Marco Bosco, radicado no Japão, deu o start, mas ao voltar Bosco viu o sonho modificado. Rafa Barreto, filho de Vicente – que também é pai de Luisa, jornalista – membro de seu conjunto desde 2002, havia dado um “tapa” na produção. Cuidou dos arranjos de base, baixou os tons para o pai parar de gritar “como nos anos 1960” e tirou algumas canções que já faziam sucesso no público interno, como “Pássaro Solto” e “Nem Porto, Nem Cais”.
Além dos parceiros habituais Zeh Rocha, com quatro composições, Viáfora e Paulo César Pinheiro com três cada um, Vicente Barreto musicou letras de Paulinho Mendonça (“No Desfile do Brasil”) e do requintado Carlos Rennó (“Esse Rio”). Ao lado de Rafa, Vicente e Bosco, o novo disco traz Paulo Calazans que se responsabilizou pelos arranjos, programação e teclados. Canções redondas e gostosas, arranjos eficientes. Em tempo: Vicente acertou ao cantar mais grave. Como escreveu Paulo César Pinheiro em “Dom, Destino e Profissão”: “eu nasci com esse dom/ de falar de amor/ dele fiz profissão/ sou cantador”. E, no caso de Vicente Barreto, um violeiro de “paralisar”.
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