O jeitinho brasileiro que conquistou os Kennedy


Uma xícara pequena de café, suco de laranja, dois ovos poché e torrada com margarina e bacon. O cardápio de Rose Kennedy, matriarca da família, pouco se diferenciava da tradição norte-americana para o breakfast, mas o que o tornou peculiar em duas temporadas de verão, entre 1970 e 1972, foi o fato de ter sido preparado por uma brasileira: Conceição Aparecida ou Connie Orr, como ela prefere.

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Nascida em 1926, em Mococa, no interior de São Paulo, Connie esteve recentemente em Arapongas, no interior do Paraná, em visita a parentes, onde a conheci. Depois de 42 anos vivendo nos Estados Unidos, ela se atrapalha um pouco com o português. Por exemplo, pede water quando quer água. Parece ser mais fácil assim.

Ela se tornou cozinheira da casa de verão da família Kennedy por meio de Mr. Orr, que foi motorista do clã. Os dois se conheceram em Nova York no final dos anos 1960, onde Connie morava e trabalhava como babá. Em 1969, foi para Cape Cod em busca de novo trabalho e acabou sendo apresentada, no ano seguinte, à senhora Rose, que procurava alguém para cuidar da cozinha. O trabalho era em Hyannis Port, uma ilha residencial da Baía de Cape Cod, em Massachusetts, que concentrava o conglomerado de quatro mansões dos Kennedy. Era para lá que boa parte do clã se deslocava durante o verão para aproveitar a vista privilegiada do Oceano Atlântico.

Embora tivesse a recomendação de Mr. Orr, com quem mais tarde Connie se casou, ela teve de se candidatar à vaga de cozinheira e passar pelas severas exigências da patroa. Até hoje, ela não sabe o que a fez conseguir o emprego. Negra como todos os outros funcionários da casa, foi a única estrangeira do time. Ela para, pensa e, em seguida, diz achar que foi a escolhida por saber preparar banquetes. O ofício ela aprendeu com a madrinha, que queria treinar a afilhada em uma atividade que, no futuro, pudesse servir como profissão.

No entanto, em Cape Cod não era Connie quem fazia os grandes jantares. Ela estava lá apenas para atender a senhora Rose, uma mulher quieta e reservada, de acordo com as lembranças de Connie. Para ela, a patroa sofria de modo calado a morte dos filhos John (assassinado em 1963, quando ainda exercia o cargo de presidente dos Estados Unidos) e Bobby (irmão mais novo do então presidente, também assassinado, em 1968, quando estava no meio da campanha para ser indicado pelo Partido Democrata às eleições presidenciais). “Primeiro a Virgem Maria, depois Rose Kennedy. Para mim, as duas mulheres mais sofredoras desse mundo.”

A cozinheira conta que Jacqueline Kennedy, viúva de John, aparecia poucas vezes na casa de verão. Quando ia, estava sempre acompanhada dos filhos. Os almoços, diz, eram servidos por volta de uma hora da tarde e, geralmente, uma das opções oferecidas continha filé mignon, ervilhas frescas, aspargos e uma porção de arroz. Como sobremesa, manga ou papaia, sempre fruta. Connie também fazia, ocasionalmente, outros serviços, como arrumar a cama da senhora Rose, que sempre tirava um cochilo no meio do dia e, no final da tarde, aproveitava os dias de sol para nadar. Antes de dormir, a senhora tinha o hábito de tomar uma xícara de leite quente e um pedaço de pão de ló devidamente preparados por Connie e servidos em uma caprichosa bandeja.

Apesar da discrição da família americana, Connie diz ter criado uma relação de amizade com todos. Ela se lembra, por exemplo, que as crianças, a pedido dos pais e da avó Rose, depois do jantar, iam à cozinha agradecer aos funcionários pelos serviços prestados.

Connie foi parar nos Estados Unidos depois de ter rodado um pedaço do mundo como modelo – em 1955, ficou em segundo lugar no Concurso Bonequinha do Café, em São Paulo. Conheceu França, Itália, Áustria, Inglaterra e a então Tchecoslováquia. Na mala, sempre levava uma réplica de um dos vestidos usados por Carmen Miranda – é com ele que Connie aparece em muitas de suas fotos.

Em 1967, já de volta ao Brasil, ela conheceu um casal de jornalistas americanos que a convidaram para morar nos Estados Unidos. Eles esperavam a chegada do primeiro filho e precisavam de uma babá. O pai de Connie, ela conta, foi contra e fez de tudo para demovê-la da ideia de deixar o País. “Para ele, naquela época os negros eram tratados como animais nos Estados Unidos”. Mesmo assim, ela arriscou. Tinha 41 anos quando aterrissou em Nova York.

Na cidade, conheceu Mr. Orr, com quem se casou em 1975, depois de ele ter ficado viúvo. Não teve festa, só assinatura no cartório oficializando a união. Dele, herdou o sobrenome que carrega até hoje. Os dois não tiveram filhos. Viúva desde 1985 e com 86 anos, Connie continua morando em Cape Cod, só que não mais perto dos Kennedy. Também não é mais cozinheira. Há alguns anos, tornou-se missionária dos Testemunhos de Jeová. Mas sempre que pode vai até a mansão de verão dos Kennedy para conversar com alguém da família, como os netos de Rose, que continuam passando os verões por lá.

Connie diz ter realizado parte dos seus sonhos de infância. Conheceu o mar e diversos países. Porém, do que ela mais se orgulha parece não ter feito parte de seus planos de menina. Seu trabalho reconhecido pela célebre família americana é motivo de extrema vaidade: “O meu jeitinho brasileiro conquistou até os Kennedy.”


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