O outro lado da favela

Marcelo Horn/ GERJ (14/06/2013).
Marcelo Horn/ GERJ (14/06/2013).

Posso dizer que abracei vigorosamente essa missão no ano passado, quando demos forma ao Instituto Data Favela e iniciamos um périplo investigativo por 63 comunidades de todo o Brasil. Parceiro nessa aventura, caminhou comigo o fundador da Central Única das Favelas, produtor cultural e ativista social Celso Athayde, notório conhecedor da complexa realidade das periferias. O estudo Radiografia das Favelas Brasileiras confirmou, na tabela fria das estatísticas, o que já tínhamos descoberto nas andanças exploratórias pela base da pirâmide social. Portanto, amigo leitor, aposente a visão estereotipada de que os moradores de comunidades são miseráveis incultos, indolentes e bárbaros. Posso assegurar, em palavras e números, que não foi essa a população encontrada nas ruas, vielas e becos percorridos.

Com rigor científico, pudemos determinar, sobretudo, o que a favela não é – ou aquilo que deixou de ser. Persistem, de fato, graves problemas estruturais, da falta de água à ausência da coleta regular de lixo. Porém, vigora o traço heterogêneo na distribuição da prosperidade recente. Há quem labute demais para pagar um modesto colchão de molas, mas pode o vizinho encontrar-se empenhado em instalar uma banheira com hidromassagem no espaço da laje.

Convém, como referência informativa, nomear os fatores que, recentemente, tornaram a favela séria candidata à redenção. Em primeiro lugar, destaque-se a queda acentuada nas taxas de desemprego e a multiplicação das vagas formais de trabalho. Hoje, metade dos trabalhadores que residem em favelas tem emprego formal. O contracheque é o salvo-conduto que permite acesso ao território do crédito e do consumo planejado.

Outro fator fundamental nessa virada é o aumento da escolaridade. Dos moradores com mais de 60 anos, 28% não têm escolaridade, situação que aflige só2% na faixa de 18 a 30 anos de idade. Quem sabe mais constitui padrões comparativos, exercita o senso crítico e se habilita a ter as reivindicações ouvidas. Além disso, passa a desenvolver atividades mais rentáveis. Muitos jovens da favela, antes dos 20 anos, ganham mais do que seus pais.

Nesse contexto de reinvenção, muitas favelas transformam-se gradualmente (ou rapidamente) em bairros. Foi o que comprovamos em diversas cidades, para que escapemos do exemplo fácil do Vidigal e da Rocinha, no Rio de Janeiro. Os revigorados núcleos urbanos convertem-se logo em foco de interesse de empresas privadas de diferentes segmentos. A pesquisa atesta que esse processo acaba por reter o dinheiro por mais tempo na comunidade. Éo caso do Complexo do Alemão, no Rio, que hoje assisteàrápida multiplicação de negócios formais, de agências bancárias a lojas de lingerie.

Ora, se há vida econômica cada vez mais vigorosa, o Estado é logo compelido a melhorar a oferta de serviços públicos. E o mesmo sucede às empresas privadas. O resultado é a elevação da autoestima dos moradores: 62% declaram ter orgulho de pertencer à favela onde residem e 66% afirmam que não gostariam de deixar o local.

Para quem ainda reluta em acreditar nessa revolução silenciosa, convém revelar que os quase 12 milhões de moradores de favelas movimentaram em 2013 mais de R$ 63 bilhões. Quer conhecer esse novo Brasil dentro do Brasil? Suba o morro. Ouse provar os sabores e perfumes desse saudável ambiente de impermanências. A favela é vanguarda e dita regras para a mudança.

ECO_Indicadores_Ed 852

*Renato Meirelles é presidente do Instituto Data Popular


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