O Snapchat e a reinvenção da publicidade

A blogueira Luciana Levy usa a rede social desde maio: “Faço o dia inteiro”. Foto: Luciana Levy/Divulgação
A blogueira Luciana Levy usa a rede social desde maio: “Faço o dia inteiro”. Foto: Luciana Levy/Divulgação

Quem, em sã consciência, recusaria uma oferta de US$ 3 bilhões de Mark Zuckerberg, o criador do Facebook?  Quando cortejados, o Instagram e o Whatsapp entregaram tudo, mas a rede social do momento disse um sonoro “não”. É com a petulância da geração Z (que nasceu depois de 1995) que o Snapchat cai nas graças de jovens brasileiros e causa terror nas empresas de publicidade: enquanto elas quebram a cabeça para anunciar na rede de 100 milhões de usuários, adolescentes aproveitam a novidade para se divertir, fazer fama e ganhar dinheiro. Que tal R$ 1,5 mil por alguns segundos de exposição?

Criado nos computadores da Universidade de Stanford por Evan Spiegel, Bobby Murph e Reggie Brown, o Snapchat começou como uma rede social de fotos e vídeos, mas com uma novidade: ninguém podia salvar seu conteúdo, que em 24 horas desaparecia da linha do tempo. Estrela no Instagram retratando beleza e comportamento para mais de 800 mil seguidores em seu Instablonde, Cris Manuchakian não resistiu à efemeridade das postagens e fez sua conta. “Nele mostramos a vida como ela é. Rosto ao acordar, suado na academia. Por sumir tudo em 24 horas, é mais leve também. E é como deve ser.”

Cris Manuchakian usa o Snap para mostrar a vida “como ela é”. Foto: Arquivo pessoal
Cris Manuchakian usa o Snap para mostrar a vida “como ela é”. Foto: Arquivo pessoal

Cris não diz quanto ganha para mostrar alguns produtos no Snap, mas já atrai publicidade para sua conta, assim como a maioria das blogueiras de moda e fitness, as primeiras a fazer muito dinheiro na internet com blogs e fotos no Instagram. Também é o caso de Luciana Levy, 29 anos, do blog Levitando, nascido em 2011. “O Snapchat é novidade, faço o dia inteiro desde maio. Cada Snap é visto por cinco mil pessoas”, contabiliza. “Ele me aproximou muito dos leitores.” Também reservada sobre os ganhos, diz que sua equipe comercial já inclui a rede social nas negociações com clientes. “Quando há patrocínio, pensamos o formato, a quantidade de menções. Pode ser um pacote com post no blog mais um no Instagram e quatro no Snap durante um mês.”

Criador do blog typeahead.com.br, especializado em marketing digital, Marcel Macedo Souza diz que o formato é perfeito para as blogueiras. “Para a empresa é uma boa estratégia, pois atinge diretamente o público-alvo, e quem vê o merchan leva em consideração que a blogueira precisa disso para continuar a produzir conteúdo.”

O método pode inspirar as empresas de propaganda, ainda sem saber como inserir os produtos de seus clientes nos quatro bilhões de postagens diárias. “O mais importante de tudo é que o Snapchat simplesmente destrói todo o modelo de publicidade tradicional”, diz. “Não falamos mais em anúncios, mas de conteúdo relevante. Para falar de vantagens, precisamos entender a geração que utiliza o aplicativo, e ninguém ali quer ser bombardeado por publicidade. Como esse modelo é totalmente diferente, a maior dificuldade é descobrir como criar conteúdo interessante. Sabe qual é a solução? Seguir conselhos de quem utiliza a rede.”

Adolescentes, como Igor Saringer, dão aulas de marketing. Fotot: Luiza Sigulem
Adolescentes, como Igor Saringer, dão aulas de marketing. Fotot: Luiza Sigulem

Com a palavra Igor Saringer, 19 anos: “Eu engato alguma informação casual antes da publicidade. Para falar de um filme, digo primeiro que estou com vontade de ir ao cinema e que isso me faz lembrar de um novo filme que está em cartaz…” Ele já fazia sucesso com seu canal no YouTube, “A Vida que Levo”, em que quase 500 mil pessoas acompanham suas postagens sobre a rotina de jovens de sua faixa etária.

O garoto começou a usar o Snapchat bem antes do sucesso no Brasil, em 2015. Ele fez sua conta ainda em 2011, ano em que a rede social foi criada. “Antes eu usava mais para ficar conversando por fotos com alguns amigos.” Ele conta que muitas empresas torcem o nariz para a ferramenta só porque ainda é uma novidade. Eles não percebem que o seguidor é praticamente “obrigado” a ver a postagem. “Lógico que ele pode bater o dedo e pular, mas, como é uma rede social para ver tudo o que a pessoa faz, há mais chances de ele ser atingido.”

Enquanto as agências de publicidade acham que ainda falta alguma coisa para embarcar na rede, o Snapchat “está alguns meses à frente”, com funcionalidades novas e prontas que ainda não foram liberadas ao público, aposta Souza, da Typeahead. “O modelo tradicional de publicidade é um grande dinossauro. Quem disse que é ruim um post desaparecer em 24 horas?”

Com dez mil cliques por vídeo, Saringer também trabalha para uma agência, que, às vezes, lhe encomenda um trabalho. “Vai ter a estreia de um filme, então o anunciante pede que eu comente no Snap sobre a data e do que ele trata.” Ele ganha, em média, R$ 700 por ação. “Faço uns três por mês. Mas acho que em um ano esse volume aumenta. Aqui no Brasil tudo demora, né?” Ele explica como negocia essas inserções. “Combinamos um pacote de postagens de nove segundos. Eu não sou do tipo que fica ‘ai, só vou falar em um Snap’. Se precisar, falo em três.”

Com 65 mil cliques por vídeo, Becca Pires faz pé-de-meia e é reconhecida na rua. Foto: Arquivo pessoal
Com 65 mil cliques por vídeo, Becca Pires faz pé-de-meia e é reconhecida na rua. Foto: Arquivo pessoal

É a estratégia de Rebecca Pires, 17 anos. A “Becca Pires”, como é conhecida no YouTube, começou como quem não quer nada aos 15 anos, no Vine, outro aplicativo de vídeo muito popular nos Estados Unidos. Dali para o YouTube e o Snap foi um pulo. “Sempre tratei de assuntos do cotidiano adolescente, como escola, intrigas com namorado, amigos… Parece loucura, mas tudo de interessante que me acontece eu tiro uma fotinha, ou gravo um videozinho e publico. É tão rápido que vira hábito.”

Becca acha graça com as 65 mil pessoas que assistem a cada um de seus vídeos. “Uma loucura”, diverte-se. Com tamanho alcance, o sucesso chegou e o dinheiro também. “É muito gostoso essa coisa de cada hora gravar para um programa, dar entrevistas. Até um ano atrás eu ia para um shopping e era normal, agora me reconhecem.” Seus pais dão alguns conselhos, uma agência apoia, mas “o resto é comigo”. “Quando negociamos a divulgação de alguma marca, fechamos em várias plataformas ao mesmo tempo por um preço só. Por exemplo: 200 segundos de Snap, uma postagem no Instagram, um Vine e falar sobre o produto no YouTube sai por uns R$ 7,5 mil.” Quando cobra individualmente, o pacote exclusivo para Snapchat não sai por menos de R$ 1,5 mil.

E onde será que ela gasta esse dinheiro? “Tudo o que ganho costumo guardar. Por enquanto ainda moro com meus pais. Então, aproveito para pensar em algum investimento futuro.”


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