Os fotógrafos na história


GRANDE AQUÁRIO para pequenos tubarões # 3306
PENNA PREARO,  Grande aquário para pequenos tubarões –  Série com montagens de fotografias de aviões que ficam voando baixo nas proximidades da Marginal Pinheiros, em São Paulo, antes de pousar no Aeroporto de Congonhas

Os fotógrafos fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem. Eles produzem as imagens de seu tempo, mas não conseguem publicá-las sozinhos: dependem de veículos de comunicação, editoras, galerias de arte, museus. O reconhecimento pelos trabalhos realizados às vezes demora. Mas um dia chega. Aos 67 anos de vida e 46 de carreira, Penna Prearo acaba de lançar o seu primeiro livro, Jornada do Alumbramento de Apollo, na 10ª SP-Arte/Foto, o mais importante evento de fotografia no País.

 Prearo esclarece que não é uma retrospectiva de sua obra, e sim um recorte de sua produção mais recente. Nela não há espaço para o “instante decisivo”, de Henri Cartier-Bresson (1908-2004), embora muitos de seus amigos persigam esse caminho. Na opinião de Prearo, esperar não é saber. Ele não precisa aguardar a imagem certa cruzar o horizonte de sua objetiva: ele mesmo pode construir essa cena com os recursos que tem à mão, introduzindo na fotografia elementos da pintura, do teatro e do cinema.

Natural de Maylasky, interior de São Paulo, Ariovaldo Carlos Prearo começou a fotografar em 1970. Em 1982, abandonou totalmente os filmes em preto e branco: “Na cor eu me entendi bem”. Dois anos depois, começou a produzir algumas das imagens surrealistas que hoje compõem o livro, como é o caso de Transmutantes. “Na época eu usava o processo cruzado.” Mas o giro só se consolidou em 2004, quando passou das fotos analógicas para as digitais. “Levei só uma semana para entender as mudanças. Entendi o que me interessava, entendi o que precisava e aquilo que me faltava. Aí comecei a mexer nos meus negativos, arrumei outro jeito de contar o que eu queria.” 

Nessa fotografia conceitual, as palavras ajudam a desvelar o significado subjacente às composições. “Os títulos são fundamentais. Eles conectam as imagens.” Segundo Prearo, às vezes o nome vem primeiro e conduz a construção da imagem; às vezes dá sentido a uma composição. Além dos títulos, o livro contém oito poemas. A fotógrafa Claudia Jaguaribe, coordenadora da coleção, perguntou a Prearo se ele tinha alguns escritos. Ele tinha oito poemas. “Escrever não é minha função, mas às vezes anoto alguma coisa.”

O primeiro fragmento explica a sua poética: “A fotografia conta histórias / com ou sem passado. / Quando isso fica impossível / a fotografia re-inventa”. Nesse processo de reinvenção do real, Prearo parte das fotos obtidas para criar composições alegóricas, com ênfase nas qualidades formais e cromáticas das imagens.    

 

A série Celestinas foi feita em uma viagem de São Paulo a Sorocaba, quando registrou 190 fotos de uma nuvem que foi se movendo ao longo do trajeto e depois fez uma montagem que mostra as mudanças e a imutabilidade do céu. Jornada do Alumbramento de Apollo, que dá título ao livro, recorda a pintura metafísica de De Chirico. Recenseamento de Iguais Diferentes reúne imagens de cemitérios, trens abandonados e animais solitários. Vida em marte mostra uma terra desolada: paisagens abstratas que constituem um retrato fiel da atual conjuntura do País.

Segundo Prearo, “produzir mais não significa produzir melhor”. A grande vantagem do sistema digital é que ele permite reaproveitar as imagens já feitas e juntar histórias para produzir uma nova narração. “Retomo os trabalhos antigos, mas a minha vida anda sempre para a frente. O artista visual precisa expandir as formas de ver o mundo.”


O mercado diante da história

Prearo também está presente com três retratos na exposição Raros, Vintages e Inéditos, que reúne obras de alguns dos maiores fotógrafos brasileiros. O critério usado pelo fotógrafo Fausto Chermont para a montagem da mostra é espantoso: todas as imagens, embora famosas, não estavam sendo comercializadas.

Como explicar esse paradoxo? Segundo o curador, existe um descompasso entre a história da fotografia e o mercado de arte. “Quis fazer uma provocação para o mercado, usando fotos das principais exposições dos últimos 30 anos, feitas pelos melhores fotógrafos. São as melhores fotos que permaneciam fora do mercado.” Estavam distante do circuito das galerias, embora já tivessem sido publicadas em 50 livros. Ou seja, elas já integravam a história da arte no Brasil, mas permaneciam ignoradas pelo circuito comercial.

 

Qual é a razão desse descompasso? O primeiro problema, explica Chermont, está nas próprias galerias. No Brasil, o mercado ainda não despertou para a história da fotografia. “A galeria vem do mercado de arte, e no Brasil a fotografia somente entrou no mercado há cerca de 15 anos. Os galeristas não conhecem a história da fotografia no Brasil.”

O desconhecimento não atinge só as galerias: os museus ainda não dão o devido valor à arte fotográfica. Como diz Chermont, “os nossos museus não dispõem de nenhuma sala permanente dedicada à fotografia. E olha que as exposições de fotos competem de igual para igual com as exposições das outras obras de arte. Atualmente, grandes museus do mundo possuem salas permanentes de fotos. O Museu de São Francisco (EUA) tem um pavilhão de três mil metros quadrados. Aqui o MAC, o MAM  e o MASP possuem bons acervos, mas nenhuma sala”.

Os artistas também contribuem para aumentar esse distanciamento entre a fotografia e o mercado. Como muitos deles também desconhecem a história da arte, parecem não entender que os artistas, em geral, ganham pouco no início da carreira. Mas, sobretudo, eles frequentemente ignoram o valor histórico de seu trabalho. É graças a exposições como Raros, Vintages e Inéditos que muitos artistas tomam consciência sobre sua própria importância. Com o sucesso da mostra, outras duas exposições já estão a caminho. 

“A minha exposição é uma provocação”, diz Chermont. “Mas é parte de um projeto maior, de colocar a foto como um objeto histórico.” Segundo ele, o mercado age como “manada”: todos correm para o mesmo lugar, ignorando que cada gênero possui sua própria dinâmica. “No Brasil, para valorizar uma coisa, você desvaloriza outra. Hoje estão na moda os artistas mais contemporâneos em detrimento da produção histórica. Mas um equilíbrio deve ser alcançado, como já ocorre no exterior”, diz o curador.


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