Aproxima-se a votação no Supremo Tribunal Federal (STF) da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 (ADPF-54) sobre a anencefalia, uma anomalia congênita grave, na qual o feto tem ausência de caixa craniana e da maior parte do encéfalo. Todos os fetos com anencefalia são incompatíveis com a vida. O anencéfalo é um natimorto cerebral. Pode haver uma sobrevida vegetativa por dias ou semanas, mas a morte é inexorável. O diagnóstico de anencefalia, 100% seguro, é possível com 12 semanas de gravidez, por meio da ultrassonografia.
Sempre tivemos a preocupação em associar o diagnóstico genético pré-natal à legalidade. Desde 1989, os juízes fornecem, na maioria dos casos, alvarás judiciais para a antecipação terapêutica do parto em gestações com anencefalia. Qual é a consequência prática? É simples: a paciente poderá ser atendida em qualquer hospital da rede pública ou privada e ter atendimento médico, psicológico e de enfermagem adequados. Os alvarás judiciais podem, entretanto, demorar 15 dias e são decididos caso a caso. Eis o entrave. O que se pretende é que o Supremo Tribunal Superior vote a favor de a paciente poder antecipar o parto, sem a necessidade da autorização judicial a partir do momento em que o diagnóstico de anencefalia for estabelecido.
A antecipação do parto é uma decisão autônoma e livre. As mulheres que desejarem manter a gravidez, evidentemente terão todo o direito de fazê-lo.
A literatura médica refere riscos nessas gestações: em 50% dos casos há excesso de líquido amniótico, com consequente hiperdistensão do útero, o que pode condicionar dificuldade de contração depois do parto e levar a grandes hemorragias. Em 18% dos casos, a gravidez se prolonga além do prazo normal, 25% dos fetos anencefálicos estão em posição anormal, causando dificuldades no parto (seis vezes mais frequentes que em gestações normais) e a placenta pode descolar-se da parede uterina (três vezes mais que em gestações normais), condicionando graves complicações.
Por que a discussão deste tema foi encaminhada ao STF? Na verdade, há uma norma constitucional que impede os cidadãos brasileiros de serem submetidos à tortura. Assim, a ADPF-54 tem em seu cerne apontar que a obrigação em manter uma gravidez acompanhada de anencefalia é tortura. Avalia-se essa questão dentro da ótica dos Direitos Sexuais e dos Direitos Reprodutivos. Haverá um seminário sobre anencefalia em Brasília, com o apoio do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em 27 de maio de 2010.
O objetivo será estabelecer uma ponte sólida entre os profissionais da área da saúde e do direito, capilarizando a discussão do tema entre mídia e sociedade civil.
Nesse empenho conjunto, conta-se com o apoio do Presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante; do Presidente do Conselho Federal de Medicina, Roberto D’Ávila; do Ministro José Gomes Temporão; e de demais entidades médicas e jurídicas.É fundamental que as mulheres brasileiras possam ser ouvidas, respeitando-se a individualidade dentro do princípio aristotélico de que “Direito é dar a cada um o que é seu”.
*Livre-Docente em Genética Médica pela Universidade de São Paulo. Professor Adjunto de Ginecologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí. Coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA) da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
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